De fato, o governo de Michel Temer está muito decadente. Nem seus aliados, nem a mídia solidária, conseguem desmentir esse quadro melancólico.
Mas isso não quer dizer que esse cenário político não possa se tornar definitivo.
Isso porque um dado perigoso ocorre, que é a apatia da população.
É algo que se viu entre 1964 e 1965, nos primórdios da ditadura militar.
Consumado o golpe que tirou João Goulart do poder, os militares que o sucederam até trouxeram algum otimismo, nos primeiros dias.
Mas meses depois, disseram a que vieram: propostas retrógradas de contenção da inflação, com cortes de gastos, arrocho salarial e outras restrições bastante conhecidas.
E já havia repressão intensa nos bastidores, algo que só se tornou escancarado em 1969, mas sempre existiu quando os milicos estavam no poder.
O general Humberto de Alencar Castelo Branco não era um sujeito carismático. E foi escolhido presidente da República, deixando a população indiferente.
Houve também dois "super-heróis" da Economia, os ministros do Planejamento, Roberto Campos, e da Fazenda, Otávio Gouveia de Bulhões.
Uma dobradinha diferente da do governo Michel Temer, porque o titular do Planejamento, Romero Jucá, foi derrubado por denúncias de uma conversa dele com o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado.
Na conversa gravada, sabemos, Jucá disse que Dilma Rousseff foi tirada do poder para evitar que a Operação Lava-Jato atingisse políticos do PSDB e PMDB.
Daí que, de um "ministério dos notáveis", só dois "super-heróis" passaram a ser blindados pela grande mídia, com Henrique Meirelles, embora fosse um neo-Roberto Campos, tornando-se responsável pela pasta da Fazenda, e José Serra, como ministro das Relações Exteriores.
Em ambos os casos, o otimismo inicial pelas promessas de desenvolvimento econômico foi frustrado por medidas antipopulares anunciadas.
Mas aí veio a apatia, em vez da indignação.
Não houve grandes passeatas contra a ditadura, mas atos isolados de estudantes enfrentando a polícia.
Não houve um imediato movimento pela redemocratização, que poderia ter ceifado a ditadura militar logo em 1965, ao enfraquecê-lo.
Houve debates, discussões isoladas, protestos individuais ou de pequenos grupos. Só isso.
Era até um cenário melhor que o de hoje. Debatia-se até as marchinhas de carnaval, as chanchadas, o Partido Comunista, visto como retrógrado por vários setores da esquerda.
A título de comparação, é mais arriscado questionar o "funk carioca" sem receber a pecha de "preconceituoso" pelos "bacanas" de plantão, do que afrontar a alegria foliã das marchas carnavalescas de 1964-1965.
Naqueles primórdios da ditadura militar tínhamos até o FEBEAPÁ, com Sérgio Porto usando a identidade "secreta" de Stanislaw Ponte Preta para avacalhar o regime e outros absurdos do Brasil reaça.
Só que tudo isso era pouco, pois faltavam as passeatas contra a ditadura, naquele biênio 1964-1965.
Quando veio a preocupação em fazer movimentos de grande envergadura, como a Passeata dos Cem Mil e a Frente Ampla (liderada pelos outrora rivais Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda), era tarde: a ditadura já estava suficientemente consolidada.
E aí a Frente Ampla foi decretada ilegal pela ditadura militar. E a gigantesca passeata da Av. Rio Branco, no Rio de Janeiro, não passou de fogo-de-palha a poucos meses do trevoso AI-5.
Há um grande perigo desse desgoverno de Michel Temer se tornar estável no próximo mês e, em 2018, fazer eleger um político ainda mais reacionário.
Um tucano, provavelmente. Para não dizer um Bolsonaro.
Isso por causa da falta de grandes manifestações.
Afinal, não adianta haver casos isolados, a perplexidade da imprensa estrangeira, os protestos em Cannes, as manifestações particulares ou minimamente grupais de intelectuais sérios.
Tudo isso havia em 1964-1965 e não adiantou: a ditadura durou duas décadas.
Esse é o perigo do temeroso governo. O de, mesmo decadente, perdurar.
Como decadente e desgastada também era a ditadura, potencialmente fracassada já com Artur da Costa e Silva no comando.
E que, perecendo, teve que permanecer em pé na marra, com a muleta do quinto ato institucional.
Daí o perigo da apatia popular.
Seria melhor que o país se despertasse para romper com esse atraso político, antes que seja tarde demais.
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