Caiu a máscara. A falácia do "combate ao preconceito" dos intelectuais "bacanas" teve um único fim.
O de dar um verniz "legítimo" ao processo de imbecilização cultural das classes populares.
Música jabazeira, mídia sensacionalista, jornalismo policialesco, mulheres-objetos siliconadas.
Tudo isso sob o rótulo "corajoso" do "popular demais".
A "ditabranda do mau gosto" era empurrada para a aceitação das esquerdas.
Intelectuais vindos da Folha de São Paulo (Pedro Alexandre Sanches) ou protegidos pela Rede Globo (Paulo César Araújo e Hermano Vianna) queriam a bregalização do país.
Era uma forma de reduzir a cultura popular num engodo consumista marcado pelo grotesco e pelo pitoresco.
Alegava-se que aceitar essa pretensa "cultura popular" era "romper o preconceito" e "ver o povo com outros olhos".
Mas essa "cultura" já abordava uma imagem preconceituosa do povo pobre.
Um povo resignado com sua própria pobreza, com sua própria ignorância, com seus piores instintos.
O único fim dessa campanha toda era apenas expor "positivamente" o que o povo, em verdade, tinha de ruim.
E enquanto a intelectualidade "bacana" falava em "livre expressão das periferias", o que se via era apenas um mercantilismo "cultural" alimentado pelo coronelismo midiático nacional e regional.
E esses intelectuais ainda iam para a mídia de esquerda fazer proselitismo e usando um termo tirado de Fernando Henrique Cardoso, "periferia".
Todos os estilos musicais popularescos estavam nesta campanha, desde os bregas do passado aos "forrozeiros" safadões de hoje.
Mas foi o "funk" o seu maior carro-chefe, foco principal dessa "etnografia de mercado".
Com um simulacro de discurso ativista, com clichês da retórica modernista e usando de símbolos tomados emprestado dos movimentos negros da África do Sul, o "funk" tentou ser mais do que realmente é.
Um pop dançante sem qualquer compromisso sério com coisa alguma.
Criou-se um discurso ambicioso, que esbarrava na realidade.
Prometia o "funk" expressar um caleidoscópio de referências musicais, ativistas, comportamentais, antropológicas etc.
Como se numa vitrola de um DJ funqueiro coubesse Antônio Conselheiro, Zumbi dos Palmares, Leila Diniz, Malcolm McLaren, Coco Chanel, Andy Wahrol, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Torquato Neto, Hélio Oiticica e Pagu.
Nenhum deles apareceu no "funk".
Você via o discurso intelectual sobre o "funk" e ficava babando.
Mas era só tocar um CD de "funk" que a decepção era inevitável.
O conflito entre o "funk" que os intelectuais sonhavam que fosse e o "funk" que a realidade apresentava criou uma série de contradições.
Machista, homofóbico, violento, ignorante, grotesco e, ainda por cima, subproduto da Rede Globo, eram as qualidades desagradáveis do "funk".
Até um conhecido funqueiro, MC Leonardo, só ganhou cartaz porque foi apadrinhado por um cineasta ligado à Globo Filmes e ao Instituto Millenium.
É como se o Instituto Millenium tivesse financiado, em parte, a APAFUNK.
O que mostra que o "conflito" entre a direita elitista e os funqueiros era apenas um telecatch entre duas forças afins.
Não dá para esconder que a Globo botou o "funk" em tudo quanto era programa entre 2003 e 2005, época em que o ritmo lançou o famoso discurso "ativista-etnográfico".
A "rinha" entre direita e funqueiros era só um "amistoso" para oferecer falsas escolhas à opinião pública.
Ou era o "orgulho de ser pobre" e o "ufanismo das favelas" do "funk", ou era o isolacionismo das elites mais reaças.
Dá no mesmo. Dois lados de uma mesma moeda, pois os próprios funqueiros são criados pela "cultura elitista".
Pobres culturalmente colonizados, confusos em seus desejos que combinam ânsia cega de consumismo com baixa escolaridade e moralidade irregular.
Pobres mais caricaturais do que os pobres das chanchadas dos anos 1940 e 1950, que ao menos pareciam mais verossímeis.
O "funk" apenas desenvolvia a principal caricatura atribuída às classes populares.
Mas havia o caubói biriteiro do "sertanejo", os texanos de mentirinha do "forró eletrônico", o caribenho de comédia da axé-music, o italiano "dois pastel" do brega mais antigo, o negro abobalhado do pagodão pornográfico, o negro piegas do "pagode romântico".
Junte-se a isso uma imprensa sensacionalista que enfatiza o aberrante, o piegas e o pitoresco.
E um falso feminismo de mulheres que cumprem subservientes o papel de mercadorias sexuais.
Tudo isso sob o rótulo do "popular demais", como se o mau gosto fosse alguma "causa nobre".
Mas não é.
O dito "mau gosto popular" é apenas uma forma de forçar a barra da opinião pública progressista.
Forçá-la a aceitar como "sem preconceitos" uma imagem preconceituosa do povo pobre.
Um povo idiotizado e estranhamente resignado com sua pobreza e ignorância e cuja única forma de emancipação é pelo consumismo e não pela cidadania.
E é isso que sabotou os debates populares.
A "cultura popular demais" trazida pelo coronelismo midiático nacional e regional enfraqueceu as classes populares.
A intelectualidade "bacana" fez o povo se distrair com suas breguices, inventando que elas eram "o verdadeiro ativismo popular".
Com isso, os intelectuais "bacanas" que passeavam pelas redações da mídia esquerdista, na verdade, esvaziaram o debate público das esquerdas, que ficou esvaziado.
E aí os arautos da bregalização cultural abriram caminho para o governo cafona de Michel Temer.
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