Dez anos atrás, o Brasil parecia "mais socialista" do que poderia ser.
A base de apoio do centro-esquerdismo parecia ampla demais.
Por razões óbvias, a base de apoio alcançava até mesmo o trio reacionário Bolsonaro-Cunha-Feliciano.
Com o tempo, muita gente pulou fora e passou a fazer oposição a Lula, Dilma, PT e esquerdas em geral.
Nas mídias sociais, os cyberbullies que ultimamente pedem prisão para Lula há dez anos fingiam gostar de Che Guevara e seguiam perfis da Caros Amigos e do Conversa Afiada.
A coisa se deu até Michel Temer, o vice de Dilma Rousseff, passar a lhe fazer oposição.
Isso lhe deu o adjetivo de "traíra", ou de "Judas".
O último grupo a desembarcar é a intelectualidade "bacana", aquela que prometia transformar o jabaculê da breguice cultural na etnografia folclórica de amanhã.
Sob um discurso falsamente libertário, se valendo de clichês do discurso tropicalista, lançavam visões reacionárias disfarçadas do suposto apoio ao vocábulo "popular".
Achavam o máximo o pobre viver em casas condenadas nos morros.
Achavam o máximo mulheres pobres viverem na prostituição.
Achavam o máximo jovens pobres viverem no subemprego do comércio de produtos clandestinos ou pirateados.
Achavam o máximo idosos terminarem a vida enchendo a cara.
Despejavam essa visão preconceituosa - que na verdade se constitui na terrível utopia do "pobrismo" - sob a desculpa do "combate ao preconceito".
Beneficiados pela visibilidade, enganaram muitos esquerdistas com sua visão retrógrada travestida de "libertária".
Achavam que o socialismo viria numa Disneylândia suburbana de ruas mal asfaltadas cheias de lixo e casas decadentes ao redor.
Defendiam apenas a chuva de dinheiro, desde que os pobres não deixassem o padrão de vida de pobreza e miséria. Uma "pobreza" com dinheiro no bolso, mas sem cidadania nem qualidade de vida.
E muita "gente boa" que pregava esse "modelo de povo" herdado da Teoria da Dependência de Fernando Henrique Cardoso foi fazer pregações na imprensa de esquerda.
Ainda faziam sentinela com a crise do governo Temer, pregando sua "cultura transbrasileira" quando havia algum risco de retomada esquerdista.
"Mui amiga", a intelectualidade "bacana" mantém seu plantão desde a farsa do "baile funk" nas passeatas de 17 de Abril contra a votação de abertura do impeachment na Câmara dos Deputados.
Oficialmente, foi um "baile funk" em "homenagem solidária" à presidenta Dilma e em "defesa" de seu mandato.
Por debaixo dos panos, porém, o "baile", organizado pela Furacão 2000, foi o "Cabo Anselmo" da vez, minimizando o impacto da manifestação com a "alegria da dança".
A farsa pode ser identificada na imprensa, quando o barulho do "funk" abafou o protesto e deixou a manifestação anti-impeachment em segundo plano.
Rômulo Costa, DJ-empresário da Furacão 2000, criticou Eduardo Cunha, mas sua ex-mulher e sempre parceira, Verônica Costa, também é da bancada evangélica do PMDB carioca.
A Furacão 2000 elegeu Luciano Huck "embaixador do funk" e tem em André Lazaroni, ex-secretário de Eduardo Paes e integrante da chapa Aezão 2014 (Aécio + Pezão), autor da proposta do "Dia do Funk" no Rio de Janeiro.
O "funk carioca" está entrosado com o PMDB carioca que, por sua vez, surfa nas ondas políticas do PSDB.
Desde então, a intelectualidade "bacana" faz sua patrulha a cada crise do governo temeroso.
É como se a elite pensante que sonha com um país mais cafona tivesse que domar a retomada esquerdista, fingindo solidariedade.
Com as pressões para que o governo Temer e a plutocracia imponham seus interesses, a intelligentzia que luta pelo desmonte do patrimônio cultural brasileiro e tornar as classes populares culturalmente debilitadas, de repente, se sossega às vezes.
Cabo Anselmo deixou de fingir seu esquerdismo depois que a ditadura afirmou que "veio para ficar" e instituiu o AI-5.
Se o governo Temer for desmontado após realizar as reformas previdenciária, trabalhista e educacional (num sentido ideológico inverso às reformas de base do governo João Goulart), o que será dos intelectuais "bacanas"?
E se, com a saída do governo Temer, o TSE não conseguir alterar a norma constitucional das eleições indiretas, e deixar que um sucessor "moderado" seja escolhido pelo Congresso Nacional, como reagirão os intelectuais "bacanas"?
Receia-se que o desembarque deles do esquerdismo será muito mais doloroso.
As pessoas se arrepiavam, mesmo no âmbito regional, com o mineiro Eugênio Raggi rosnando como se fosse o Reinaldo Azevedo das Alterosas, mas jurando ser "esquerdista bom e fiel".
Ou Milton Moura, na Bahia, pregando seu "tropicarlismo" ao atribuir "sofisticação" à "bunda music".
Será que o "efeito Marta Suplicy", logo uma ex-ministra da Cultura, irá contagiar a intelectualidade cultural que sonhava com um Brasil mais brega?
Acredita-se que os intelectuais que querem desmontar a rica cultura brasileira para restar apenas o comercialismo brega e derivados não iriam fingir esquerdismo até o fim dos tempos.
O problema é que, quando eles desembarcarem do esquerdismo, será bem mais doloroso.
Até o "funk", depois de fazer populismo com "pobrismo", poderá revelar gente tão reaça quanto muita gente do Rock Brasil.
O pessoal que queria o subdesenvolvimento cultural no Brasil mostrará sua face, no caso de o esquerdismo for apenas uma página virada no cotidiano político nacional.
A debandada da intelectualidade "bacana", talvez, pior do que quando o cordato Temer resolveu romper com Dilma Rousseff.
É esperar e ver.
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