Soube por um portal de notícias que um ídolo do sambrega vai gravar um disco de covers de MPB ao lado de três músicos da MPB, dois deles veteranos.
Ele tentará ser repaginado, sob a interferência da empresária e ex-mulher de um dos músicos.
Tudo bem, tem todo o direito. Mas o grande problema é que a geração de "sertanejos" e "pagodeiros" que fizeram sucesso na Era Collor prima pela canastrice musical.
O próprio projeto não envolve música autoral, é um crooner sendo apoiado por três músicos que servem de "escada" para ele.
O ídolo sambrega só precisa pôr a voz. Os outros artistas e arranjadores fazem o resto. O repertório já vem pronto, de outros compositores.
"Sertanejos" e "pagodeiros", ou melhor, breganejos e sambregas, ultimamente tentam "emepebizar" suas carreiras.
Mas o que se vê nos discos gravados por eles desde o fim dos anos 1990 são apenas "discos de arranjador".
São os arranjadores, que antes faziam serviço para a MPB e, diante do êxodo emepebista das grandes gravadoras, sobraram para fazer a cosmética dos neo-bregas dos anos 1990, o mérito maior desses discos.
Os cantores apenas são amestrados e fazem um trabalho "palatável", mas nem por isso digno de colocá-los no primeiro time da MPB.
Até porque o resultado sempre se nivela a de um calouro mediano de reality show musical. Uma MPB de mentirinha, sem algo de vibrante, para não dizer de novo.
Tudo bonito, bem ensaiado, profisisonal, o sorriso certo, o gesto certo, a empatia com a plateia.
Mas nada que acrescente alguma coisa para a MPB mais carente de artistas de impacto e personalidade.
Fico comparando os ídolos neo-bregas do "sertanejo" e "pagode" dos anos 1990 com George Michael, cantor inglês recentemente falecido.
Eu tinha um ceticismo enorme de que George Michael, que havia sido ídolo teen nos tempos do Wham!, pudesse ter alguma guinada artística séria.
Meses antes dele morrer, eu havia feito compras no supermercado e no seu sistema de som tocava "Jesus to a Child", um dos grandes sucessos do britânico.
Eu havia refletido, então, como seria um novo disco de George Michael e, pessoalmente, torcia para que ele lançasse.
Não sou um grande fã do cantor, mas passei a admirá-lo e reconhecer seu esforço em superar a antiga imagem.
Mas isso não é para qualquer um.
No brega-popularesco, vejo ídolos que gravam músicas ruins e se afirmam com elas, e sem ter uma atitude autocrítica sincera buscam um pistolão para entrar na porta dos fundos da MPB.
A MPB hoje está em crise e ninguém percebe. Tenho livro explicando tudo e o pessoal preferindo comprar livros de youtuber, auto-ajuda e romances sobre joguinhos de Minecraft.
Ela vive o conflito entre ser uma Academia Brasileira de Letras musical ou uma "casa da Mãe Joana", em que até mulher-fruta entra, bastando emendar fotos "sensuais" com algum rascunho de música.
A "rádio de MPB" dos sonhos da intelectualidade "bacana" é aquela em que uma funqueira e uma cantora gospel se engalfinham no playlist.
"Tudo é MPB, nada é MPB", cito, parafraseando a frase do saudoso Zé Rodrix sobre o rock, mas que serve também para a MPB.
Zé Rodrix era dos tempos em que o rock já podia entrar na MPB. Mas era por conhecimento de causa, força artística e linguagem própria.
Você não vê isso nos ídolos neo-bregas e pós-bregas (a geração brega "anos 2000", espécie de "geração MTV" do brega).
Eles partem para uma canastrice musical.
Tentam apenas fazer o "dever de aula", copiando lições de livros. Gravam covers de MPB e querem ter o mesmo reconhecimento de um Chico Buarque.
Com o desmonte da MPB, ninguém mais sabe o que é mesmo MPB.
Acham que MPB é "tudo", desde que seja "música para toda a família" e que anime almoços, jantares e festinhas de aniversário.
A MPB foi rebaixada a um couvert artístico, a uma guarnição menor nas refeições das pessoas.
É um terreno fértil para muitos aventureiros musicais que primeiro fazem sucesso e se afirmam com discos medíocres, depois querem bancar os "gênios da MPB" gravando covers.
Daí que hoje MPB é uma sucessão de tributos, covers e eventos revivalistas.
Quase não há coisa nova, ou, quando há, a mídia não mostra.
Vive-se ainda o "esquemão" das trilhas de novelas, dos eventos patrocinados por empresas cosméticas, de premiações tuteladas por grandes empresas, de festivais musicais patrocinados por governos.
Não existe mais aquele cenário visceral, em que se vivia a música brasileira, com sinceridade, espontaneidade e muita emoção.
Muito diferente da falsa camaradagem de hoje, em que tudo se submete ao espetáculo midiático e mercadológico.
Antes mídia e mercado apenas mostravam os cantores e músicos, hoje eles passaram a viver pela mídia e mercado.
É constrangedor ainda ver que as pessoas debatem a cultura brasileira, não só musical, apenas pela questão das verbas financeiras.
A visão financista e economicista chegou à cultura brasileira, chegou à música brasileira, e quando a gente menciona isso o pessoal não gosta.
A gente vê os debates da música brasileira dominados por uma mentalidade ultraliberal, ainda que sob o prisma estatal: como será a grana para gravar DVDs, financiar festivais, como se darão as "viradas"...
Acham que tudo está no paraíso, que dá para fazer "contracultura" nos palcos do Faustão, que uma "chuva de dinheiro" pode transformar um MC Créu no "novo João Gilberto".
Reclamam tanto do rigor estético da MPB, mas se esquecem que o "funk carioca" sempre se primou por um ferrenho rigor estético nivelado por baixo.
Eu não tenho um "modelo ideal" de MPB, se ela será "mais ou menos nacionalista".
Mas não creio que a MPB se renovará com a maquiagem musical dos neo-bregas dos anos 1990.
Eu considero que MPB não é só Chico Buarque e Maria Bethânia, Tom Jobim e Elis Regina, Bossa Nova, Clube da Esquina ou as gerações que vieram até os anos 1970.
Mas eu esperava que viesse uma música brasileira que somasse, e não subtraísse.
De um lado, temos a MPB carneirinha dos artistas bem intencionados, mas domesticados, inofensivos e inócuos.
De outro, temos a MPB que serve mais para causar polêmica e incômodo do que realmente mostrar música.
Fora desse perímetro, temos a canastrice habitual dos ídolos musicais brega-popularescos, recorrendo à fórmula ISO 9000 e similares como se isso lhes garantisse um lugar nobre na MPB.
Mas ninguém sem visceralidade, não há um cantor com fibra, sangue, alma, que fizesse música de verdade.
É fácil amestrar um cantor ou músico aqui e ali para ele fazer algo bonito para arrancar aplausos da plateia ou alguma crítica generosa da imprensa musical, sobretudo de um Mauro Ferreira que faz a linha "equilibrada" meio jabaculê, meio musicóloga.
Isso para não dizer os intelectuais "bacanas" que posam de "esquerdistas sinceros" mas recebem dinheiro por fora de políticos do PSDB.
Como romper o preconceito com a MPB se ela é entregue ao preconceito e ao acolhimento resignado da canastrice musical?
Daqui a pouco, o que vamos ter de MPB, com tanta nivelação por baixo, e tanta resignação a esse cenário em que a MPB autêntica se reduz a um perigoso saudosismo revivalista.
Ver que a MPB se reduziu a mais uma picanha de domingo é humilhante.
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