São Paulo não é mais a cidade dos sonhos da sociedade moderna. Como o Rio de Janeiro também já deixou de ser.
As duas capitais, antes "modelos" de vida urbana, imperfeita mas de alguma forma referencial para o país, sofrem surtos de provincianismo e reacionarismo sócio-político, além de degradação cultural.
A maior blindagem da bregalização veio de intelectuais "bacanas" instalados no eixo Rio-São Paulo.
A decadência do radialismo rock se consolidou quando as duas cidades comandaram o extermínio de rádios de rock surgidas nos anos 80, substituídas pelas "Jovem Pan com guitarras".
A MPB perdeu espaço nas duas capitais tanto para o brega-popularesco quanto para intérpretes "provocativos" que colocam a polêmica acima da música.
Nas duas capitais, também fez florescer o antes improvável movimento de jovens reacionários.
Eu mesmo pude comprovar, e até ser vítima de cyberbullying, de jovens direitistas que mandavam mensagens via Blogger, antes de eu bloqueá-las, ou do antigo Orkut.
E isso antes da onda dos ataques morais mais notórios, que atingiam de Lola Aronovich a Taís Araújo, de Sheron Menezzes a Eduardo Guimarães.
O Rio de Janeiro de Eduardo Paes e Sérgio Cabral Filho, sabemos, está em pleno inferno astral.
Só faltam os estatísticos explicarem por que o Rio de Janeiro, com a violência crescendo vertiginosamente, não está no ranquim das cidades mais violentas do Brasil.
Já São Paulo, a decadência ocorre há tempos mas oferece episódios bem mais inusitados que os da capital do Estado vizinho.
Um deles é o da mobilidade urbana.
Em São Paulo a pintura padronizada nos ônibus, por exemplo, é vista ainda como "cláusula pétrea", as empresas continuam "para sempre" proibidas de mostrar suas respectivas identidades visuais.
Os "ônibus iguaizinhos" prevalecem de tal forma que a imprensa nem cita o nome da empresa, mas da paraestatal SPTrans.
E o prefeito João Dória Jr. quer extinguir a profissão de cobradores.
Um drama que já pôs muitos cobradores no olho da rua, no Grande Rio, complicando a vítima de muitas famílias, várias numerosas.
A São Paulo dos automóveis, sede de muitas filiais brasileiras das montadoras estrangeiras de carros, é muito cruel com quem não usa estes veículos.
A revolta dos motoristas de automóveis com as ciclovias, ênfase da gestão do prefeito Fernando Haddad, foi ilustrativa.
Eram as elites contra a classe média baixa e as classes populares.
Claro que as ciclovias não eram necessariamente um assunto "marxista", mas a questão mostra o quanto São Paulo é urbanamente desigual.
Recentemente, as cracolândias foram desfeitas a porrada, atrapalhando os trabalhos de assistentes sociais que queriam, de forma calma e gradual, tirar os viciados daquela situação.
Isso não acabou com tais áreas, que se deslocaram para pontos residenciais, ameaçando o sossego e a segurança dos moradores.
Agora a situação é com os esqueitistas (skatistas, em forma aportuguesada).
Houve um evento, ontem, de comemoração do Dia do Esqueite, e um grupo patinava com sua borda de esqueite numa faixa de trânsito na rua Augusta.
De repente, o trânsito de veículos ficou mais escasso e os esqueitistas passaram a ocupar todas as faixas da rua Augusta, aquela mesma da canção do Hervé Cordovil gravada por seu filho Ronnie Cord.
De repente um carro surgiu atropelando várias pessoas. Pelo menos duas saíram feridas, um jovem de 30 anos que teve a perna fraturada e outro sem ferimentos graves.
Ele foi identificado como José Iriovaldo Ferreira através da placa do seu carro, conhecido no seu perfil nas mídias sociais.
É um funcionário da Secretaria de Saúde do município de Itapevi, na Grande SP, que se comunicou com a delegacia se oferecendo para prestar depoimento.
Ele alegou que era ameaçado pelos esqueitistas. Assim que jogou o carro contra o grupo, fugiu e só depois compareceu à 4ª Delegacia de Polícia, no bairro da Consolação.
Ele será indiciado por lesão corporal dolosa, fuga de local do crime e periclitação da vida.
Periclitação é um termo de Direito que corresponde a criar situações de perigo e ameaça à vida.
Esse conflito não é único, pois ocorrências semelhantes atingiram ciclistas.
Isso revela o quanto São Paulo é desigual e seu urbanismo se tornou antiquado.
Já não é mais uma questão de favorecer as elites, o consumo e as posses de bens considerados "de grande valor".
São Paulo, assim como o Rio de Janeiro, precisa repensar o social.
Sobretudo a São Paulo cujas favelas são incendiadas de forma preocupantemente constante e criminosa.
Mas que, também, como o Rio de Janeiro, precisa humanizar a própria classe média, que em nome do consumo pleno se coisificou.
As pessoas deixaram de ser coisas. Cervejas, camisetas de futebol, vinhos e festas noturnas se tornaram "seres", apreciados (ou consumidos) por humanos coisificados.
Humanos que ficam felizes em habitar os cativeiros reacionários que se tornaram as mídias sociais.
É triste ver o quanto as pessoas do Sul e Sudeste se rebaixaram para esse fim, serem pessoas-coisas a consumirem bens animizados.
E isso faz a mobilidade urbana ser apenas um capricho de tecnocratas que desprezam o humano e tratam o povo como um gado.
São Paulo precisa se repensar como cidade e deixar de ser a cidade brutalizada que se tornou nos últimos anos.
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