Há um grave equívoco nas esquerdas brasileiras.
É uma certa complacência com o jabaculê musical do brega-popularesco.
Muitos por boa-fé, acreditando que o comercialismo do "popular demais" irá trazer a Revolução Socialista para a Música Popular Brasileira e para o folclore brasileiro em geral.
Acham que a música brasileira irá se renovar com "sertanejo" e "funk" e que o jabaculê de hoje será o "folclore popular do amanhã".
Quanta ingenuidade. Seria como se, mediante a destruição da floresta amazônica, apostássemos em botar plantas de cera para reflorestá-la.
As esquerdas ao glorificar o brega-popularesco, deram um tiro no pé.
Abriram a brecha para que reaças como Rachel Sheherazade e Rodrigo Constantino se ascendam falando mal da degradação cultural brasileira.
Enquanto as esquerdas glorificavam os funqueiros que apareciam abraçados aos barões da mídia, as direitas se articulavam levantando a bandeira da "cultura popular de verdade".
Resultado: boa parte desse embalo teórico abriu caminho para o governo Temer.
Nos esquecemos que o "funk" teria sido a menina dos olhos das Organizações Globo. O ritmo aparecia em tudo quanto era programa e veículo da corporação dos Marinho.
Aparecia com frequência demasiada, muito excessiva para ser vista como mera coincidência.
O "funk" é filho da manipulação midiática, da mentalidade machista, consumista e arrivista que o povo pobre teve que digerir durante a ditadura militar.
Acreditar que o "funk", filho da mídia venal, irá combatê-la é, no mínimo, risível.
Como o "sertanejo" que é patrocinado pelos grandes latifundiários e pelos sub-Joesleys que emergem nos setores menos honestos do agronegócio.
Em Salvador, muitos acreditavam que a axé-music iria "guevarizar" a baianidade e que a Revolução Socialista era uma questão de trios elétricos nas ruas e gente rebolando sem parar.
As piores denúncias de irregularidades trabalhistas - as mesmas que podem ganhar o verniz "legal" das reformas do governo Temer - e de atitudes machistas e racistas envolveram ídolos da axé-music.
No Rio de Janeiro, se "guevariza" demais o "funk" mesmo quando sabemos que até Alexandre Frota e Danilo Gentili militam em prol do ritmo.
Sem falar de Luciano Huck, que ajudou muito na consagração do ritmo como um pretenso ativismo sócio-cultural e comportamental.
Fala-se que o "funk" é "guevariano por excelência", mas toda a discurseira "ativista" e "cultural" do "funk" foi armada pelas Organizações Globo e Grupo Folha.
A bregalização sempre foi um produto da mídia reacionária: rádios latifundiárias, emissoras de TV oligárquicas, regionais e nacionais, imprensa "popular" mas oligárquica, todos veicularam uma concepção de "popular demais" que as esquerdas pensam serem "libertárias".
E, nos últimos anos, toda vez que o governo Michel Temer sinaliza uma agonia irreversível e Lula ameaça entrar na disputa para 2018, os intelectuais "bacanas" vêm com proselitismo ou o jabaculê brega-popularesco investe nas esquerdas com sua "$olidariedade".
De repente, aquele Chico Buarque que na véspera manifestou solidariedade a Lula e Dilma, se tornou uma espécie de "Aécio Neves" musical para as esquerdas médias.
Na melhor das hipóteses, acham que Chico Buarque, Beth Carvalho, Alceu Valença, Martinho da Vila, Maria Bethânia e Milton Nascimento estão "decadentes" para representar o novo na MPB.
Não. Eles apenas não deixaram sucessores. Não há alguém tão visceral quanto eles na criação de música brasileira.
Se eles soam "velhos", não são os safadões, popozudas, luans e anittas que irão representar o novo na MPB.
O que eles fazem é pop estadunidense à brasileira, com todo o calculismo referente à elaboração de sucessos musicais e à divulgação da própria imagem.
Mas não são só eles que as esquerdas médias, por ingenuidade, mas movidas pelo proselitismo de intelectuais "bacanas" vindos da mídia venal, acreditam serem a "salvação para a MPB".
A geração de neo-bregas dos anos 1990 também está sendo trabalhada para ser a suposta salvação da lavoura musical brasileira.
A desculpa é que eles são "divertidos", "falam direto para o povo" e "lotam plateias com muita facilidade".
E o "funk" torna-se o carro-chefe dessa pretensa cultura que transforma o povo pobre num gado consumista.
A ingenuidade das esquerdas em "guevarizar" o brega-popularesco pode dar em mais um fracasso.
E isso é uma grande contradição dentro das forças progressistas.
Luta-se para que não percamos as nossas riquezas nacionais, como o pré-sal, o "pau-brasil" do momento.
Mas aceitamos que a música brasileira seja extinta em prol de um pop americanizado que fingimos acreditar que é "antropofagia", mesmo ditado "de cima" pelas oligarquias radiofônicas e fonográficas.
Fizeram um "baile funk" em cima de uma manifestação pró-Dilma no 17 de Abril de 2016 e isso fez os deputados votarem sossegados pelo começo da expulsão política da presidenta.
O grande perigo de mais uma complacência das esquerdas com a breguice e o comercialismo musicais que aparecem na Globo, Jovem Pan, Caras, Folha e Veja é abrir caminho para a radicalização do direitismo político.
Cultura fraca gera povo fraco. Não é lotando plateias em poucos segundos ou gerando audiências e visualizações altas que se fortalece a cultura brasileira.
Sem valores artísticos e sócio-culturais relevantes, que não devem ser confundidos com "provocatividade" e suposto empoderamento, a cultura brasileira se enfraquece.
No momento em que as esquerdas estavam preocupadas em "guevarizar" a resposta de Anitta a William Waack, um grande nome da MPB, Vander Lee, morreu prematuramente, sem que tivesse, das forças progressistas, uma única nota de pesar.
Assim as esquerdas acabam pondo tudo a perder. Endossar como "progressista" um comercialismo cultural que nem de longe apavora os barões da mídia e seus porta-vozes só fortalece os reacionários que se aproveitarão desta lacuna.
Fala-se do crescimento do "pobre de direita" e talvez isso possa explicar, em breve, os equívocos de "guevarizar" a bregalização.
Como o "roqueiro de direita" pôde explicar, recentemente, o reacionarismo juvenil que poucos imaginavam acontecer.
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