A situação da música brega-popularesca está a ponto de criar uma monocultura, sob a desculpa da "diversidade".
Isso porque os estilos comerciais da música brasileira, calcados no "popular demais", tendem a invadir espaços que não são seus, mas da MPB e dos ritmos regionais.
A MPB, sobretudo os ritmos regionais de raiz, está perdendo espaço a cada ano, a ponto de parte dos emepebistas compactuar com os ídolos brega-popularescos para continuar se apresentando no interior do país.
Daí os duetos de emepebistas com ídolos brega-popularescos, feitos sob a desculpa de "ruptura do preconceito".
Muitos pensam que é o ídolo brega que está pedindo um lugar nobre no primeiro escalão da MPB.
Nada disso. Não é o ídolo brega o coitadinho da situação, mas o emepebista que aceita gravar com o brega para poder ser inserido em algum festival do interior, Carnaval, festas comemorativas etc.
A música brega-popularesca, ou Música de Cabresto Brasileira, ditada pelas rádios "populares" mas controladas por oligarquias, é que exerce o poder quase monopolista.
O "sertanejo universitário" é o exemplo disso, levado às últimas consequências.
Absorvendo nichos tanto do antigo breganejo dos anos 80/90 quanto de dois ritmos brega-popularescos desgastados, como axé-music e "forró eletrônico", o "sertanejo universitário" parece um nome nobre.
No entanto, o "sertanejo universitário" representa um estilo extremamente comercial e repetitivo.
E se torna um mercado claramente patrocinado pelos grandes fazendeiros e pelos barões da grande mídia que fica difícil um intelectual "bacana" tentar "guevarizar" a coisa.
Mesmo as cantoras ditas "empoderadas", como Simone & Simaria e Marília Mendonça, não saem desse conservadorismo hipermidiático que aproveita, nas letras "sertanejas", até uma expressão popularizada pela parceria Rede Globo / Jovem Pan, a gíria "balada".
Trata-se de um mercado tão predador e de fácil reprodução que boa parte das duplas adota um mesmo estilo vocal, um cantor de voz anasalada com outro fazendo voz de apoio.
E cria-se duplas e cantores assim até em Niterói, Florianópolis ou no bairro dos Jardins, em São Paulo.
E já que citamos Marília Mendonça, ela virou pivô de uma grande polêmica.
Sabe-se que Elba Ramalho, apesar de manifestar simpatia pelo "sertanejo", reclamou de seu quase monopólio nas festas de São João.
Ela se queixou depois que viu que, num evento junino, tinha uma escalação de dezoito "sertanejos" e apenas dois nomes do forró autêntico.
"Não é festa de peão", reclamou a veterana cantora, que foi questionada de forma arrogante por Marília Mendonça.
"Vai ter sertanejo no São João, sim", disse Marília Mendonça, dizendo que "quem quer é o público".
Só que sabemos que esse argumento de que "quem quer é o público" é muito duvidoso.
O público é persuadido por uma campanha publicitária maciça, e a música brega-popularesca se impõe ao público como um automóvel ou um sabão em pó.
O público "quer" ouvir "sertanejo" da mesma forma que quer o Brasil sendo governado por um "aventureiro" autoritário.
E aí Marília recebeu uma resposta, vinda de um áudio gravado pelo cantor e músico Alcymar Monteiro, o Rei do Forró.
Ele definiu o "sertanejo" como "breganejo horroroso, feito para cachaceiro, para quem não tem identidade".
Alcymar acrescentou, também, sobre a "invasão sertaneja" nos festejos nordestinos:
"Dona Marília Mendonça, você é lá de Goiás. Vá cantar lá no seu Goiás. Não vem encher o saco da gente aqui, não, entendeu? (…) Você vem lá de Goiás invadir nossa praia. Agora vê se a gente canta lá no teu Goiás. Vocês não deixam!".
Alcymar estava visivelmente irritado e, ainda que tenha feito comentários muito duros, afirmou que Marília Mendonça não tem autoridade para fazer comentário algum".
É certo que Alcymar tem no seu currículo músicas compostas para o grupo de forró-brega Mastruz com Leite, daquela onda brega-popularesca da virada dos anos 80 e 90 que hoje tenta se passar por "genial".
Mas Alcymar tem uma autêntica formação musical e uma carreira respeitável como compositor e intérpretes de ritmos nordestinos.
O São João é um dos poucos momentos em que a verdadeira música nordestina tem espaço.
Afinal, o "forró eletrônico", iniciado pela geração de Mastruz com Leite mas levado às últimas consequências por grupos como Aviões do Forró, Calcinha Preta e Garota Safada, já massacrou o mercado de música nordestina criando um som nada nordestino.
Um engodo que misturava country, disco music, ritmos caribenhos e brega, com uma estética visual que misturava bares de faroeste com piratas de Hollywood.
O grupo Garota Safada lançou o cantor Wesley Safadão, hoje integrante de um establishment pós-brega que inclui Luan Santana, Anitta, Nego do Borel, Simone & Simaria, entre outros.
Esse milionário establishment ocupa praticamente todos os espaços oferecidos para a música brasileira, salvo os poucos que ainda restam para a MPB.
Infelizmente, a MPB acaba entregando os pontos, sem renovação de verdade, e com excesso de revivalismo.
Daí a irritação de Alcymar Monteiro, diante da ascensão predatória do "sertanejo universitário" e outros ritmos pós-bregas.
Não dá para "guevarizar" a monocultura dos ritmos popularescos atuais, apesar de tentativas neste sentido.
Afinal, se tratam apenas de mercadorias musicais, num contexto em que até o "empoderamento feminino" torna-se mercadoria.
É como se diz no colóquio político: "É o mercado, estúpido!".
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