Pular para o conteúdo principal

QUANDO A PROVOCATIVIDADE ATROPELA OS INTERESSES SOCIAIS


A provocatividade como um fim em si mesmo causa problemas, na medida em que atropelam os interesses sociais das classes populares.

Somos o Brasil da mediocridade cultural, o único em que intelectuais querem a degradação cultural e musas se afirmam como meros objetos sexuais e ainda se vê tais posturas como "libertárias".

Elas se passam por "libertárias", apesar de evocar valores retrógrados - racismo, machismo, elitismo - , pois a intelectualidade "bacana" vai para a mídia esquerdista esfregar esses valores nas caras de seus editores e empurrar tais abordagens, dignas de colunista de Veja, nas páginas progressistas.

Mais um episódio mostra o quanto provocar, por si só, nada tem de libertário.

No Shopping Rio Sul, em Botafogo, Rio de Janeiro, manequins negros foram colocados num painel montado com os dizeres "Liquidação Reserva Mini". Só que os manequins foram colocados de cabeça para baixo, pendurados, em uma posição aparentemente inexplicável.

A imagem acabou sugerindo racismo, lembrando as condenações dadas a escravos obedientes.

Embora haja uma diferença entre manequins pendurados de ponta-cabeça e escravos rebeldes amarrados numa pilastra para serem linchados pelo capataz de engenho, o sentido de crueldade é bem próximo.

A grife que fez essa "provocação" foi a Reserva.

Ela foi famosa pelas frases e imagens preconceituosas da série Use Huck.

Entre elas, manequins com cabeças de veado e macaco ilustrando a frase "O preconceito está na sua cabeça".

A grife Reserva tem como sócio o apresentador Luciano Huck, criador da gíria "balada" e um dos maiores divulgadores do "funk carioca" para todo o Brasil.

A própria gíria "balada" tem seu modo "use huck" de ser.

A gíria tem origem clubber. Ela se inspirou no jargão "bala", que é o que os frequentadores de festas noturnas apelidam os comprimidos alucinógenos que consomem, como o ecstasy.

Luciano Huck, como é o "rei da visibilidade", fez a gíria "balada" se popularizar além da conta, ultrapassando sua própria função de gíria, voltada a um público restrito e a duração efêmera, e até hoje a gíria tenta resistir aos limites do tempo e do espaço, graças a LH e à reaça Jovem Pan.

Dizem que Luciano Huck deixou de ser sócio da grife. Mas outras fontes dizem que ele continua participando como um dos empresários da marca.

Um internauta, Douglas Soares, fez um comentário lúcido que define muito bem o problema.

"Reserva. Sempre um mau gosto para montar vitrines e passar mensagens. Práticas de tortura e racismo em pleno shopping. E não sou só eu que está falando. Eu nem tinha reparado na vitrine até uma senhorinha negra passar ao meu lado e falar para si mesma: 'que horror!'", escreveu Douglas.

Isso nos faz refletir sobre esse uso oportunista do "mau gosto" para "provocar" as pessoas.

Pois intelectuais faziam mais ou menos isso, dentro de uma roupagem "séria" de "objetividade", seja em reportagens e artigos longos, seja em monografias e documentários de cinema e TV.

Chegavam a usar técnicas de narrativa "roubadas" de autores como Marc Bloch e Tom Wolfe para dizer "o quanto é legal" o povo pobre ser grotesco, retrógrado, ultrapassado.

Meio na linha Use Huck, a intelectualidade "mais legal do país" apelava para o "fim do preconceito" e aceitar as classes populares na sua visão caricatural de cidadãos culturalmente confusos que tomavam como "sua" a pseudo-cultura empurrada pelos barões da mídia.

Um antropólogo baiano, Roberto Albergaria, já falecido, já falou na aberrante ideia de "autoesculhambação", pois, na sua mente "sem preconceitos" mas muito preconceituosa, a meta das classes populares é aceitar suas condições de ridículas impostas pela manipulação midiática.

A intelectualidade "bacana", "provocativa" e "transbrasileira", tentava empurrar tudo isso para a mídia esquerdista, sobretudo o "funk carioca", que nunca passou de um Frankenstein sonoro patrocinado pelas Organizações Globo.

Só que os apelos para aceitar o "funk" em veículos como Caros Amigos e Fórum eram os mesmos que, via Rede Globo, a gente via através do Esquenta!, do Fantástico, do Jornal Nacional e, sobretudo, do Caldeirão do Huck, que, claro, é apresentado pelo "homem de bem" Luciano Huck.

Os funqueiros até mostraram sua gratidão criando a expressão "é o caldeirão" para definirem algo que é considerado "o máximo".

Para eles, tanto faz manequins negros de ponta-cabeça. Desde que o "funk" possa ser consumido pela classe média, graças à campanha persuasiva da Rede Globo, tudo bem.

E a intelectualidade "bacana" só mostra o quanto as elites são preconceituosas.

Mulheres que só mostram seus corpos, por sinal siliconados, negros que só querem rebolar, caipiras que não sabem onde vivem e só querem ser caubóis do asfalto, tudo isso é visto como "ruptura do preconceito" por uma intelectualidade tida como "admirável" e "corajosa".

Mas essa intelectualidade reflete o preconceito social que os ditos "sem preconceito" escondem.

Intelectuais assim não são diferentes de publicitários preconceituosos, socialites preconceituosas, estilistas de moda preconceituosos.

São todos pessoas abastadas que não conseguem entender o povo pobre.

Para eles, o pobre é um idiota que só precisa ter um cantinho seu nos espaços de entretenimento dos "bacanas".

Que ele seja desdentado, ignorante, tarado, tolo, pornográfico e canastrão, e apresente tudo isso para os espaços de MPB, de etnografia, feiras de artes plásticas e desfiles de moda de vanguarda.

É essa a atitude "sem preconceitos" que esconde preconceitos cruéis.

E mostra que os defensores do "mau gosto popular" têm o preconceito em suas cabeças. Eles apenas não se transformam em palavras, mas se convertem em atos.

Não é o povo que autoesculhamba. É a mídia, o mercado e as elites associadas que "bondosamente" esculhambam o povo pobre, sob a desculpa de "combaterem o preconceito" que continua existindo nessas elites.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

BREGALIZAÇÃO CULTURAL E O PERIGO DE FALSOS SURTOS NOSTÁLGICOS

HÁ CRÍTICOS MUSICAIS QUE CONSIDERAM SUCESSOS DA MÚSICA BREGA "CLÁSSICOS" SÓ PORQUE TOCARAM NOS MOMENTOS DA INFÂNCIA, COMO OS PASSEIOS PARA A PRAIA COM A FAMÍLIA. A lembrança nostálgica, para a arte e a cultura, deveria levar em conta os critérios artísticos e a relevância cultural, critérios que não podem envolver uma simples impressão solipsista de um público ouvinte e suas recordações meramente pessoais ou grupais. O comercialismo musical, ultimamente sobre o tratamento gurmê da grande mídia, se aproveita da ingenuidade coletiva para promover surtos nostálgicos que soam postiços. Tantos falsos saudosismos são montados pela mídia e pelo mercado, visando prolongar o sucesso comercial de ídolos veteranos, vide a onda do brega-vintage que tentou reciclar com embalagem de luxo nomes da mediocridade musical como. Michael Sullivan, É O Tchan, Bell Marques e Chitãozinho & Xororó, estes com a música “ Evidências”. O brega-vintage foi uma amostra de como a bregalização cultural -...

O NEGACIONISMO FACTUAL E A 89 FM

Era só o que faltava. Textos que contestam a validade da 89 FM - que celebra 40 anos de existência no dia 02 de dezembro, aniversário de Britney Spears - como “rádio rock” andam sendo boicotados por internautas que, com seu jeito arrogante e boçal, disparam o bordão “Lá vem aquele chato criticar a 89 novamente”. Os negacionistas factuais estão agindo para manter tudo como o “sistema” quer. Sempre existe uma sabotagem quando a hipótese de um governo progressista chega ao poder. Por sorte, Lula andou cedendo mais do que podia e reduziu seu terceiro mandato ao mínimo denominador comum dos projetos sociais que a burguesia lhe autorizou a fazer. Daí não ser preciso apelar para a farsa do “combate ao preconceito” da bregalização cultural que só fez abrir caminho para Jair Bolsonaro. Por isso, a elite do bom atraso investe na atuação “moderadora” do negacionista factual, o “isentão democrático”, para patrulhar as redes sociais e pedir o voicote a páginas que fogem da assepsia jornalística da ...

LULA APROVA SALÁRIO MÍNIMO COM REAJUSTE MIXURUCA

O salário mínimo para 2026 teve um reajuste de menos de 7%, atingindo somente um índice de 6,78%, em relação a este ano. Isso significa que o valor de R$ 1.518, cujo aumento chegou a ser cogitado para R$ 1.631 e, depois, para R$ 1.627, foi acrescido somente de R$ 103, ficando para a quantia de R$ 1.621 para 2026. É um reajuste típico de sindicalistas pelegos, desses que não ameaçam os privilégios dos patrões, trazendo para os trabalhadores apenas uma parte parcial da remuneração reivindicada, garantindo apenas poucos ganhos para a população mais necessitada. A desculpa usada pelo governo Lula para dar um reajuste fajuto para o salário mínimo é que a inflação ficou mais baixa que o esperado e, portanto, só foi preciso um aumento nestes parâmetros, considerado pelos tecnocratas do Governo Federal como “aumento real”. Todavia, esse aumento só vai pesar menos para as classes mais abastadas, sobretudo a chamada burguesia ilustrada, a parte mais festiva e lúdica das classes privilegiadas. O ...

FARIA LIMA ESTÁ CASTRANDO O PENSAMENTO E A CULTURA NO BRASIL

Notaram que a cultura brasileira, em diversos aspectos, sucumbiu a um padrão degradante, que domestica o povo e garante poder maior ao empresariado? Expressões culturais de qualidade continuam existindo, mas elas tiveram seus espaços de manifestação reduzidos, colocados quase à margem da chamada opinião pública, tendo menos visibilidade e menos impacto de influência. O Brasil está social e culturalmente degradado, acumulando retrocessos que se transformaram nos “novos normais” que passaram a ser aceitos dentro das zonas de conforto da complacência coletiva. Mesmo com a redemocratização, não recuperamos os parâmetros socioculturais que se desenhavam nos tempos de Juscelino Kubitschek e João Goulart. Ainda mantemos os resíduos dos tempos dos generais Emílio Médici e Ernesto Geisel, e, o que é pior, com vários desses entulhos promovidos a falsos tesouros nostálgicos. E como é que muitos acreditam que o Brasil ainda vai chegar ao Primeiro Mundo com uma precarização sociocultural em níveis ...

“JORNALISMO DA OTAN” BLINDA CULTURALISMO POPULARESCO DO BRASIL

A bregalização e a precarização de outros valores socioculturais no Brasil estão sendo cobertos por um véu que impede que as investigações e questionamentos se tornem mais conhecidos. A ideologia do “Jornalismo da OTAN” e seu conceito de “culturalismo sem cultura”, no qual o termo “cultura” é um eufemismo para propaganda de manipulação política, faz com que, no Brasil, a mediocridade e a precarização cultural sejam vistas como um processo tão natural quanto o ar que respiramos e que, supostamente, reflete as vivências e sentimentos da população de cada região. A mídia de esquerda mordeu a isca e abriu caminho para o golpismo político de 2016, ao cair na falácia do “combate ao preconceito” da bregalização. A imprensa progressista quase faliu por adotar a mesma agenda cultural da mídia hegemônica, iludida com os sorrisos desavisados da plateia que, feito gado, era teleguiada pelo modismo popularesco da ocasião. A coisa ainda não se resolveu como um todo, apesar da mídia progressista ter ...

JUVENTUDE DESCOLADA MOSTRA UM BRASIL DECADENTE SOB HEDONISMO TÓXICO

FARIA LIMA EM FESTA - JUVENTUDE WOKE  INDO "PRA BALADA" COM A BURGUESIA ILUSTRADA. Enquanto no exterior vemos atores e atrizes ligadas ao universo juvenil ouvindo rock clássico e música folk  e buscando hábito de leitura em livros, no Brasil o hedonismo tóxico é que impera e a juventude woke  parece atuar como um bando de marionetes do empresariado da Faria Lima. Nas conversas que eu ouço, o hedonismo viciado impera. Num dia, é o fanatismo pelo futebol. Noutro, é a adoração a ritmos popularescos, como piseiro, "pagode romântico", "funk" e sofrência. Em seguida, é uma tal de "ir pra balada", "balada LGBT", "balada isso, balada aquilo", usando e abusando desse jargão farialimer . Mais adiante, é falar sobre marcas de cerveja. Noutra, é exaltar aquele intervalo para fumar um cigarro. É esse o Brasil que está pronto para se tornar país desenvolvido? Que geração é essa que vai liderar o futuro da nação? Gente aderindo a um hedonism...

O BRASIL DOS SONHOS DA FARIA LIMA

Pouca gente percebe, mas há um poder paralelo do empresariado da Faria Lima, designado a moldar um sistema de valores a ser assimilado “de forma espontânea” por diversos públicos que, desavisados, tom esses valores provados como se fossem seus. Do “funk” (com seu pseudoativismo brega identitário) ao Espiritismo brasileiro (com o obscurantismo assistencialista dos “médiuns”), da 89 FM à supervalorização de Michael Jackson, do fanatismo gurmê do futebol e da cerveja, do apetite “original” pelas redes sociais, pelo uso da gíria “balada” e dos “dialetos” em portinglês (como “ dog ”, “ body ” e “ bike ”), tudo isso vem das mentes engenhosas das elites empresariais do Itaim Bibi, na Zona Sul paulistana, e de seis parceiros eventuais como o empresariado carnavalesco de Salvador e o coronelismo do Triângulo Mineiro, no caso da religião “espírita”. E temos a supervalorização de uma banda como Guns N'Roses, que não merece a reputação de "rock clássico" que recebe do público brasile...

O APOIO DA BURGUESIA ILUSTRADA A LULA É ALGO A CONSIDERAR

Nas narrativas oficiais trazidas pela mídia patronal e compartilhadas pelas redes sociais, Lula é o “único” candidato da democracia pela inexistência de opções de voto convincentes. O resto é uma direita ao mesmo tempo neurótica e atrapalhada, que, segundo essas narrativas, desmerece o voto popular. A ideia de “ou Lula ou nada” traz uma grande estranheza: o apoio de setores da alta sociedade que estariam supostamente entusiasmados com o lulismo e que teriam se adaptado aos “novos tempos” de “união e solidariedade”. Tudo parece um discurso maravilhoso, capaz de fazer a maioria da “nação” do Instagram e do Tik Tok dormir tranquila o sonho dos anjos. Mas há um ditado popular, subestimado no Brasil, que traz um alerta: “Isso é bom demais para ser verdade”. O ditado se refere a tudo aquilo que parece vantajoso e maravilhoso demais e desperta desconfiança por conta disso. Lula recebendo apoio da burguesia? Lula se aliando à burguesia? A realidade dos fatos mostra que não foi a burguesia que ...