Pular para o conteúdo principal

A TERRÍVEL MANIA DE MUITOS PENSAREM QUE BREGA É "VANGUARDA"


Existe um terrível e, de certo modo, irritante cacoete de boa parte da sociedade brasileira em pensar que a música brega, em geral a produzida entre 1962 e 2000, é "música de vanguarda".

Quem pensa assim deve correr para o neurologista porque é efeito de algum problema sério de cognição.

Afinal, o brega nunca foi, não é e nunca será de vanguarda. Considerar dessa forma é forçar a barra, por mais que se gaste muito latim, muito grego, muito russo e muito mandarim para explicar essa tese tão sem lógica.

Que o pessoal goste de brega e ache isso 'divertido", vá lá. Mas dizer que é "vanguarda" ou "alternativo" é um atestado de retardamento cultural profundo.

Por que será que existe essa mania, difundida há, pelo menos, pouco mais de 20 anos, pela intelectualidade "bacana" (deixemos de preguiça e vamos para a Amazon adquirir Esses Intelectuais Pertinentes...) e pela mídia em geral?

A primeira ideia é a visão solipsista da sociedade vira-lata brasileira que temos, a chamada "elite do atraso" que comanda todo o imaginário da chamada "opinião pública" que predomina nas redes sociais.

O suposto "ineditismo" dos ídolos cafonas é uma visão pessoal de uma classe média que nunca viu um ídolo cafona na vida.

Daí que a música brega só é novidade para as elites que vivem em condomínios confortáveis e no seu luxo relativo de cada dia, típico da classe média (conforme classificação de Jessé Souza).

E vamos combinar que muitos desses intelectuais que se acham "mais povo que o povo" e tentam conquistar seu meio com muito coitadismo vivem também nesse considerável conforto das elites do atraso.

Claro que, além do solipsismo das elites acharem que o brega era "novidade" só para elas, há também o etnocentrismo.

O brega é visto como "exótico" e "provocador" por conta de um nível estético tosco que a avaliação etnocentrista da sociedade influente vê como "admirável".

Esse etnocentrismo revela o quanto a classe média é um tanto hipócrita na sua apreciação falsamente solidária ao que supostamente é próprio do povo pobre: a bregalização cultural, que trata as classes populares como se elas fossem caricaturas de si mesmas.

A ideia da "esculhambação", do "deboche", da bregalização cultural, faz as elites intelectuais dormirem tranquilas. Melhor um pobre coitadista representado pelo cancioneiro brega do que um pobre indignado pedindo reforma agrária, parando rodovias ou fazendo passeatas que provocam congestionamentos.

A música brega, sobretudo a dos anos 1970, mas sem excluir as demais épocas - inclusive os hoje gourmetizados neo-bregas dos anos 1990 ("pagode romântico", "sertanejo", axé-music, "forró eletrônico") - , sempre foi uma música comercial, não tendo o menor compromisso de vanguarda.

E música comercial entendida como aquela meramente para consumo, como se consome, por exemplo, uma bala que se compra em qualquer banca, doceria ou loja de departamentos.

Só que existe todo esse papo furado de que o brega, por significar uma suposta provocação estética, é "vanguardista", e ele persiste com toda aquela enjoada visão idealizada de quem defende essa ideia sem um pingo de lógica.

Porque isso é uma questão de achismo, de juízo de valor. "Eu nunca vi brega na vida, por isso ele é vanguarda porque me parece novidade", diz a pessoa de classe média sobre os ídolos popularescos.

O brega é retaguarda, é culturalmente atrasado. E isso, sim, é que é uma visão objetiva.

Afinal, o brega sempre consiste numa vontade de imitar o fenômeno do pop estrangeiro que deixou de ser moda ontem. O brega é o último a saber, pega uma coisa fora de moda como se fosse a invenção da roda.

O brega é a expressão mais típica de viralatismo cultural, para desespero daqueles que acham que a chamada "cultura vira-lata" se limita ao noticiário político e um ou outro humorismo sociopata.

Sim, porque na chamada cultura brega, há uma relação entre colonialismo cultural e provincianismo social nas regiões rurais ou suburbanas.

Assimila-se uma cultura "de fora", através da mídia dominante em cada região, e ela ganha uma leitura "matuta" de ídolos musicais ou comportamentais locais.

Em muitos casos, a "novidade" corresponde a um modismo que já foi superado no país de origem e que é lançado através de reprises de filmes estrangeiros na TV ou no reaproveitamento da "indústria cultural" de fenômenos de entretenimento considerados antiquados.

Portanto, o brega NÃO é vanguarda. Pelo contrário, o brega é RETAGUARDA. Gostem ou não, o brega é um reflexo do atraso social existente no Brasil desde o período colonial. Não há como fugir a essa ideia.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

INFANTILIZAÇÃO E ADULTIZAÇÃO

A sociedade brasileira vive uma situação estranha, sob todos os aspectos. Temos uma elite infantilizada, com pessoas de 18 a 25 anos mostrando um forte semblante infantil, diferente do que eu via há cerca de 45 anos, quando via pessoas de 22 anos que me pareciam “plenamente adultas”. É um cenário em que a infantilizada sociedade woke brasileira, que chega a definir os inócuos e tolos sucessos “Ilariê” e “Xibom Bom Bom” cono canções de protesto e define como “Bob Dylan da Central” o Odair José, na verdade o “Pat Boone dos Jardins”, apostar num idoso doente de 80 anos para conduzir o futuro do Brasil. A denúncia recente do influenciador e humorista Felca sobre a adultização de menores do ídolo do brega-funk Hytalo Santos, que foi preso enquanto planejava fugir do Brasil, é apenas uma pequena parte de um contexto muito complexo de um colapso etário muito grande. Isso inclui até mesmo uma geração de empresários e profissionais liberais que, cerca de duas décadas atrás, viraram os queridões...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

DENÚNCIA GRAVE: "MÉDIUM" TIDO COMO "SÍMBOLO DE AMOR E FRATERNIDADE" COLABOROU COM A DITADURA

O famoso "médium" que é conhecido como "símbolo maior de amor e fraternidade", que "viveu apenas pela dedicação ao próximo" e era tido como "lápis de Deus" foi um colaborador perigoso da ditadura militar. Não vou dizer o nome desse sujeito, para não trazer más energias. Mas ele era de Minas Gerais e foi conhecido por usar perucas e ternos cafonas, óculos escuros e por defender ideias ultraconservadoras calcadas no princípio de que "devemos aceitar os infortúnios e agradecer a Deus pela desgraça obtida". O pretexto era que, aceitando o sofrimento "sem queixumes", se obterá as prometidas "bênçãos divinas". Sádico, o "bondoso homem" - que muitos chegaram a enfiar a palavra "Amor" como um suposto sobrenome - dizia que as "bênçãos futuras" eram mais dificuldades, principalmente servidão, disciplina e adversidades cruéis. Fui espírita - isto é, nos padrões em que essa opção religi...

BURGUESIA ILUSTRADA QUER “SUBSTITUIR” O POVO BRASILEIRO

O protagonismo que uma parcela de brasileiros que estão bem de vida vivenciam, desde que um Lula voltou ao poder entrosado com as classes dominantes, revela uma grande pegadinha para a opinião pública, coisa que poucos conseguem perceber com a necessária lucidez e um pouco de objetividade. A narrativa oficial é que as classes populares no Brasil integram uma revolução sem precedentes na História da Humanidade e que estão perto de conquistar o mundo, com o nosso país transformado em quinta maior economia do planeta e já integrando o banquete das nações desenvolvidas. Mas a gente vê, fora dessa bolha nas redes sociais, que a situação não é bem assim. Há muitas pessoas sofrendo, entre favelados, camponeses e sem-teto, e a "boa" sociedade nem está aí. Até porque uma narrativa dos tempos do Segundo Império retoma seu vigor, num novo contexto. Naquele tempo, "povo" brasileiro eram as pessoas bem de vida, de pele branca, geralmente de origem ibérica, ou seja, portuguesa ou...

A HIPOCRISIA DA ELITE DO BOM ATRASO

Quanta falsidade. Se levarmos em conta sobre o que se diz e o que se faz crer, o Brasil é um dos maiores países socialistas do mundo, mas que faz parte do Primeiro Mundo e tem uma das populações mais pobres do planeta, mas que tem dinheiro de sobra para viajar para Bariloche e Cancún como quem vai para a casa da titia e compra um carro para cada membro da família, além de criar, no mínimo, três cachorros. É uma equação maluca essa, daí não ser difícil notar essa falsidade que existe aos montes nas redes sociais. É tanto pobre cheio da grana que a gente desconfia, e tanto “neoliberal de esquerda” que tudo o que acaba acontecendo são as tretas que acontecem envolvendo o “esquerdismo de resultados” e a extrema-direita. A elite do bom atraso, aliás, se compôs com a volta dos pseudo-esquerdistas, discípulos da Era FHC que fingiram serem “de esquerda” nos tempos do Orkut, a se somar aos esquerdistas domesticados e economicamente remediados. Juntamente com a burguesia ilustrada e a pequena bu...

DOUTORADO SOBRE "FUNK" É CHEIO DE EQUÍVOCOS

Não ia escrever mais um texto consecutivo sobre "funk", ocupado com tantas coisas - estou começando a vida em São Paulo - , mas uma matéria me obrigou a comentar mais o assunto. Uma reportagem do Splash , portal de entretenimento do UOL, narrou a iniciativa de Thiago de Souza, o Thiagson, músico formado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) que resolveu estudar o "funk". Thiagson é autor de uma tese de doutorado sobre o gênero para a Universidade de São Paulo (USP) e já começa com um erro: o de dizer que o "funk" é o ritmo menos aceito pelos meios acadêmicos. Relaxe, rapaz: a USP, nos anos 1990, mostrou que se formou uma intelectualidade bem "bacaninha", que é a que mais defende o "funk", vide a campanha "contra o preconceito" que eu escrevi no meu livro Esses Intelectuais Pertinentes... . O meu livro, paciência, foi desenvolvido combinando pesquisa e senso crítico que se tornam raros nas teses de pós-graduação que, em s...

NEGACIONISTA FACTUAL E SUAS RAÍZES SOCIAIS

O NEGACIONISTA FACTUAL REPRESENTA O FILHO DA SOCIALITE DESCOLADA COM O CENSOR AUSTERO, NOS ANOS DE CHUMBO. O negacionista factual é o filho do casamento do desbunde com a censura e o protótipo ilustrativo desse “isentão” dos tempos atuais pode explicar as posturas desse cidadão ao mesmo tempo amante do hedonismo desenfreado e hostil ao pensamento crítico. O sujeito que simboliza o negacionista factual é um homem de cerca de 50 anos, nascido de uma mãe que havia sido, na época, uma ex-modelo e socialite que eventualmente se divertia, durante as viagens profissionais, nas festas descoladas do desbunde. Já o seu pai, uns dez anos mais velho que sua mãe, havia sido, na época da infância do garoto, um funcionário da Censura Federal, um homem sisudo com manias de ser cumpridor de deveres, com personalidade conservadora e moralista. O casal se divorciou com o menino tendo apenas oito anos de idade. Mas isso não impediu a coexistência da formação dúbia do negacionista factual, que assimilou as...

A IMPORTÂNCIA DE SABERMOS A LINHA DO TEMPO DO GOLPE DE 2016

Hoje o golpismo político que escandalizou o Brasil em 2016 anda muito subestimado. O legado do golpe está erroneamente atribuído exclusivamente a Jair Bolsonaro, quando sabemos que este, por mais nefasto e nocivo que seja, foi apenas um operador desse período, hoje ofuscado pelos episódios da reunião do plano de golpe em 2022 e a revolta de Oito de Janeiro em 2023. Mas há quem espalhe na Internet que Jair Bolsonaro, entre nove e trinta anos de idade no período ditatorial, criou o golpe de 1964 (!). De repente os lulistas trocaram a narrativa. Falam do golpe de 2016 como um fato nefasto, já que atingiu uma presidenta do PT. Mas falam de forma secundária e superficial. As negociações da direita moderada com Lula são a senha dessa postura bastante estranha que as esquerdas médias passaram a ter nos últimos quatro anos. A memória curta é um fenômeno muito comum no Brasil, pois ela corresponde ao esquecimento tendencioso dos erros passados, quando parte dos algozes ou pilantras do passado r...