Pular para o conteúdo principal

JANGO PROMETIA REALIDADE; LULA PROMETE SONHOS

A VIÚVA DE JOÃO GOULART, MARIA THERESA, ESTARÁ COM O FILHO DO CASAL, JOÃO VICENTE, NO PROTESTO CONTRA OS 60 ANOS DO GOLPE MILITAR. ELA APARECE AO LADO DO MARIDO NO COMÍCIO DA CENTRAL, NO RIO DE JANEIRO, EM 1964.

A vida dá voltas e tive que descobrir que as elites que bradavam pela queda de João Goulart, em março de 1964 - lembrando que o golpe foi concluído em Primeiro de Abril, já sob a mentira de ser proclamado uma "revolução democrática" - , é a mesma que hoje apoia Lula.

Há 60 anos, a elite do atraso estava enfurecida quando Jango, presidente do Brasil, prometia desapropriar terras e realizar a reforma agrária, a principal de muitas reformas prometidas naquela época. Lembremos às gerações que "reforma", no tempo de Jango, teve um sentido ideológico inverso do que quando a mesma palavra foi usada para o pacote de malefícios do governo Michel Temer.

Jango já fez os oficiais das Forças Armadas saltarem das cadeiras quando, na condição de ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, em 1953, aumentou o salário mínimo em 100%. É como se, 70 anos depois, o valor de R$ 1.320 fosse reajustado para R$ 2.640. Vargas teve, depois, que destituir a contragosto o amigo e herdeiro político, e o próprio Jango quase foi impedido de assumir a Presidência da República após a crise da renúncia de Jânio Quadros, em 1961.

O golpe militar, na verdade um golpe civil-militar com apoio da mídia, do empresariado estrangeiro, do Departamento de Estado dos EUA e da burguesia brasileira e cujo espectro de apoiadores ia do Comando de Caça aos Comunistas ao Espiritismo brasileiro, sepultou o projeto progressista de João Goulart, que levou quase quatro décadas para reaparecer na agenda presidencial, ao menos em parte.

Podemos admitir que, quando Lula chegou ao primeiro mandato, seu projeto governamental lembrava, de leve, o que Jango queria implantar e não conseguiu. Algo como uma versão light do governo Jango, com progressos sociais até certo ponto expressivos. O segundo mandato de Lula, longe de ser mais ousado, foi o melhor, no sentido de que Lula governou com melhor desenvoltura. Afinal, ela era sucessor de si mesmo.

Vieram as conhecidas reviravoltas políticas e Lula, depois da prisão, não conseguiu ampliar de forma adequada seu leque de alianças. Sua frente ampla demais não trouxe o apoio suficiente para Lula ganhar no primeiro turno.

E aí a boa odeia de adaptar o projeto progressista de Jango, nos dois primeiros mandatos de Lula, deram até resultados, mas houve a sabotagem cultural, comandada por Pedro Alexandre Sanches (cria do Projeto Folha), que acabou prejudicando o cenário cultural brasileiro, favorecendo a ascensão do golpismo.

Com isso, o projeto progressista não recuperou, no plano cultural, os debates do CPC da UNE nem o engajamento musical, teatral e cinematográfico de protesto contra a então iniciante ditadura militar. Sanches fez com que o projeto progressista de Lula, no plano econômico, coexistisse com paradigmas culturais mais caraterísticos do período ditatorial, sobretudo nos governos dos generais Médici e Geisel. A permanência desses paradigmas, sob a desculpa da "provocatividade" e do "combate ao preconceito", prejudicou as esquerdas e ofereceu munição para os questionamentos da direita reacionária contra a bregalização cultural.

E aí vieram os episódios que abriram caminho para o projeto golpista enquanto a bregalização ampliava mercados e enriquecia os empresários do entretenimento a níveis estratosféricos. E de repente o golpe ocorreu, com seus retrocessos e suas necropolíticas, passando pela tragédia coletiva da Covid-19.

Só que, por baixo dos panos, a elite golpista se dividiu e passou a expurgar os mais radicais. Oficialmente, a elite do atraso só considera o elenco bolsonarista e lavajatista. Como em todo naufrágio de um navio pirata, os capangas do chefe pulam para o barco rival e se passam pelo grupo inimigo.

No naufrágio do bolsolavajatismo, a nata da aristocracia historicamente genocida, escravocrata e golpista resolveu se repaginar, dotando-se dos mais novos métodos de comunicabilidade e persuasão, enquanto passam toda a conta de seus erros e crimes para Bolsonaro, Moro, Malafaia e companhia.

Desta forma, gente tão reacionária e egoísta quanto a trupe bolsolavajatista passou a se conter no discurso raivista e a se moderar nas neuroses ultraconservadoras. Os antigos escravocratas e golpistas se transformaram na burguesia de chinelos, invisível a olho nu porque utiliza sua fantasia cotidiana de "gente simples". Seus avós não suportavam um segundo de governo João Goulart, mas os netinhos, sem abrir mão de sua essência burguesa, com seus julgamentos de valor, seus conceitos meritocráticos e suas práticas paternalistas, passaram a apoiar Lula incondicionalmente, até defendendo sua reeleição.

Assim, nossas elites do atraso se mantém no poder, jogando no lixo os anéis que machucavam seus dedos. E se essas elites continuam sentindo nojo de ver Jango vendendo a realidade, hoje ficam tranquilos quando veem Lula vendendo sonhos, sem mais a força visceral dos antigos ativistas sociais e políticos.

Camponeses e proletários desacreditados. Estudantes domesticados. Filósofos suicidas, agricultores famintos e sobrinhos de "médiuns de peruca" desapareceram debaixo dos arquivos. Roqueiros obedientes, emepebistas carneirinhos, antigos focos de contestação desativados. 

E o povo pobre está tão caricato quanto o das novelas da TV. Sem as mobilizações viscerais do passado, substituídas pelas micaretas identitárias das esquerdas festivas, até dá para a burguesia fingir ser de esquerda, com seu socialismo de butique e de boteco.

Nos próximos dias, estão previstas manifestações solidárias ao presidente Lula e sua "democracia do eu sozinho". Paralelo a isso haverá atos da esquerda raiz em protesto contra o golpe de 1964, com as presenças da viúva e do filho de Jango, Maria Theresa Goulart e João Vicente Goulart, que se lançou na campanha presidencial de 2018 sob o codinome João Goulart Filho.

E aí Lula, mesmo sem querer, acaba fazendo o papel do Jango que a direita antijanguista gosta. No atual mandato Lula chega a ser mais moderado do que os já muito moderados mandatos anteriores. Hoje nem precisa de golpe contra Lula, pois o atual presidente do Brasil se amenizou tanto que hoje ele posa de esquerdista sem ofender nem assustar a burguesia. Exceto, é claro, quem ainda é bolsonarista.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESQUISISMO E RELATORISMO

As mais recentes queixas a respeito do governo Lula ficam por conta do “pesquisismo”, a mania de fazer avaliações precipitadas do atual mandato do presidente brasileiro, toda quinzena, por vários institutos amigos do petista. O pesquisismo são avaliações constantes, frequentes e que servem mais de propaganda do governo do que de diagnóstico. Pesquisas de avaliação a todo momento, em muitos casos antecipando prematuramente a reeleição de Lula, com projeções de concorrentes aqui e ali, indo de Michelle Bolsonaro a Ciro Gomes. Somente de um mês para cá, as supostas pesquisas de opinião apontavam queda de popularidade de Lula, e isso se deu porque os próprios institutos foram criticados por serem “chapa branca” e deles se foi cobrada alguma objetividade na abordagem, mesmo diante de métodos e processos de pesquisa bastante duvidosos. Mas temos também outro vício do governo Lula, que ninguém fala: o “relatorismo”. Chama-se de relatorismo essa mania de divulgar relatórios fantásticos sobre s...

SIMBOLOGIA IRÔNICA

  ACIMA, A REVOLTA DE OITO DE JANEIRO EM 2023, E, ABAIXO, O MOVIMENTO DIRETAS JÁ EM 1984. Nos últimos tempos, o Brasil vive um período surreal. Uma democracia nas mãos de um único homem, o futuro de nosso país nas mãos de um idoso de 80 anos. Uma reconstrução em que se festeja antes de trabalhar. Muita gente dormindo tranquila com isso tudo e os negacionistas factuais pedindo boicote ao pensamento crítico. Duas simbologias irônicas vêm à tona para ilustraresse país surrealista onde a pobreza deixou de ser vista como um problema para ser vista como identidade sociocultural. Uma dessas simbologias está no governo Lula, que representa o ideal do “milagre brasileiro” de 1969-1974, mas em um contexto formalmente democrático, no sentido de ninguém ser punido por discordar do governo, em que pese a pressão dos negacionistas factuais nas redes sociais. Outra é a simbologia do vandalismo do Oito de Janeiro, em 2023, em que a presença de uma multidão nos edifícios da Praça dos Três Poderes, ...

A PRISÃO DE MC POZE E O VELHO VITIMISMO DO “FUNK”

A prisão do funqueiro e um dos precursores do trap brasileiro, o carioca MC Poze do Rodo, na madrugada de ontem no Rio de Janeiro, reativou mais uma vez o discurso vitimista que o “funk” utiliza para se promover. O funqueiro, cujo nome de batismo é Marlon Brandon Coelho Couto Silva, e que já deixou a Delegacia de Repressão a Entorpecentes para ir a um presídio no bairro carioca de Benfica, tem entre o público da Geração Z e das esquerdas identitárias a reputação que Renato Russo teve entre o público de rock dos anos 1980, embora o MC não tenha 0,000001% do talento, pois se envolve em um ritmo marcado pela mais profunda precarização artístico-cultural. No entanto, MC Poze do Rodo foi detido por acusações de apologia ao crime organizado, ao porte ilegal de armas e à violência. Em várias vezes, Poze aparecia com armas nas fotos das redes sociais, o que poderia sugerir um funqueiro bolsonarista em potencial. A polícia do Rio de Janeiro enviou o seguinte comunicado:: “De acordo com as inves...

O ATRASO CULTURAL OCULTO DA GERAÇÃO Z

Fico pasmo quando leio pessoas passando pano no culturalismo pós-1989, em maioria confuso e extremamente pragmático, como se alguém pudesse ver uma espessa cabeleira em uma casca de um ovo. Não me considero careta e, apesar dos meus 54 anos de idade, prefiro ir a um Lollapalooza do que a um baile de gala. Tenho uma bagagem cultural maior do que mimha idade sugere, pelas visões de mundo que tenho, até parece que sou um cidadão mediano de 66 anos. Mas minha jovialidade, por incrível que pareça, está mais para um rapazinho de 26 anos. Dito isso, me preocupa a existência de ídolos musicais confusos, que atiram para todos os lados, entre um roquinho mais pop e um som dançante mais eroticamente provocativo, e no meio do caminho entre guitarras elétricas e sintetizadores, há momentos pretensamente acústicos. Nem preciso dizer nomes, mas a atual cena pop é confusa, pois é feita por uma geração que ouviu ao mesmo tempo Madonna e AC/DC, Britney Spears e Nirvana, Backstreet Boys e Soundgarden. Da...

LÉO LINS E A DECADÊNCIA DE HUMORISTAS E INFLUENCIADORES

LÉO LINS, CONDENADO A OITO ANOS DE PRISÃO E MULTA DE MAIS DE R$ 300 MIL POR CONTA DE PIADAS OFENSIVAS. Na semana passada, a Justiça Federal, através da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, condenou o humorista Léo Lins a oito anos de prisão, três deles em regime inicialmente fechado, e multa no valor de R$ 306 mil por fazer piadas ofensivas contra grupos minoritários.  Só para sentir a gravidade do caso, uma das piadas sugere uma sutil apologia ao feminicídio: "Feminista boa é feminista calada. Ou morta". Em outra piada machista, Léo disse: "Às vezes, a mulher só entende no tapa. E se não entender, é porque apanhou pouco". Léo também fez piadas agredindo negros, a comunidade LGBTQIA+, pessoas com HIV, indígenas, evangélicos, pessoas com deficiência, obesos e nordestinos, entre outros. O vídeo que inspirou a elaboração da sentença foi o espetáculo Perturbador, um vídeo gravado em 2022 no qual Léo faz uma série de comentários ofensivos. Os defensores de Léo dizem qu...

ELITE DO BOM ATRASO PIROU NAS REDES SOCIAIS

A BURGUESIA DE CHINELOS NÃO QUER OUTRO CANDIDATO EM 2026. SÓ QUER LULA. A elite do bom atraso, a “frente ampla” social que vai do “pobre de novela” - tipo que explicaremos em outra postagem - ao famoso muito rico, mas que inclui também a pequena burguesia e a parcela “legal” da alta burguesia, enlouqueceu nas redes sociais, exaltando o medíocre governo Lula e somente desejando ele para a Presidência da República na próxima eleição. Preso a estereótipos que deixaram de fazer sentido na realidade, como governar para os pobres e deixar a classe média abastada em segundo plano, Lula na prática expressa um peleguismo que é facilmente reconhecido por proletários, camponeses, sem-teto e servidores públicos, que veem o quanto o presidente “quer, mas não quer muito” trabalhar para o bem-estar dos brasileiros. Lula tem como o maior de seus inúmeros erros o de tratar a reconstrução do Brasil como se fosse uma festa. Esse problema, é claro, não é percebido pela delirante elite do bom atraso que, h...

GOVERNO LULA AGRAVA SUA CRISE

INDICADO POR LULA PARA O BANCO CENTRAL, GABRIEL GALÍPOLO PREFERIU MANTER OS JUROS ALTOS "POR MUITO TEMPO". Enquanto o governo Lula limita gastos mensais com universidades federais, a farra das ONGs nas ditas “emendas parlamentares” é de R$ 274 milhões. Na viagem para a China, Lula é acusado de gastar café com valor equivalente a R$ 56 e de conprar um terno no valor equivalente a R$ 850. Quanto às universidades públicas, a renomada Academia Brasileira de Ciências acusa o governo Lula de desmontar as instituições de ensino superior público através desses cortes financeiros. Lulistas blindam Janja quando ela quebrou o protocolo da conversa entre o marido e o presidente chinês Xi Jinping, para falar de sua preocupação com o Tik Tok. Em compensação, Lula não cumpriu a promessa de implantar o Plano Nacional de Transição Energética, que iria tirar o Brasil da dependência de combustível fóssil. Mas o presidente ainda quer devastar a Amazônia Equatorial para extrair mais petróleo. Lul...

QUANDO A CAPRICHO QUER PARECER A ROCK BRIGADE

Até se admite que o departamento de Jornalismo das rádios comerciais ditas “de rock” é esforçado e tenta mostrar serviço. Mas nem de longe isso pode representar um diferencial para as tais “rádios rock”, por mais que haja alguma competência no trabalho de seus repórteres. A gente vê o contraste que existe nessas rádios. Na programação diária, que ocupa a manhã, a tarde e o começo da noite, elas operam como rádios pop convencionais, por mais que a vinheta estilo “voz de sapo” tente coaxar a palavra “rock”. O repertório é hit-parade, com medalhões ou nomes comerciais, e nem de longe oferecem o básico para o público iniciante de rock. Para piorar, tem aquele papo furado de que as “rádios rock” não tocam só os “clássicos”, mas também as “novidades”. Papo puramente imbecil. É aquela coisa da padaria dizer que não vende somente salgados, mas também os doces. Que diferença isso faz? O endeusamento, ou mesmo as passagens de pano, da imprensa especializada às rádios comerciais “de rock” se deve...

A ILUSÃO DE QUERER PARECER O “MAIS LEGAL DO PLANETA”

Um dos legados do Brasil de Lula 3.0 está na felicidade tóxica de uma parcela de privilegiados. A obsessão de uns poucos bem-nascidos em parecer “gente legal”, em atrair apoio social, os faz até manipular a carteirada para cima e para baixo, entre um sentimento de orgulho aqui e uma falsa modéstia ali, sempre procurando mascarar a hipocrisia que não consegue se ocultar nas mentes dessas pessoas. Com a patrulha dos negacionistas factuais, “isentões” designados para promover o boicote ao pensamento crítico nas redes sociais, a “boa” sociedade que é a elite do bom atraso precisa parecer, aos olhos dos outros, as mais positivas possíveis, daí o esforço desesperado para criar um ambiente de conformidade e até de conformismo, sobretudo pela perigosa ilusão de acreditar que o futuro do Brasil será conduzido por um idoso de 80 anos. Quando ouvimos falar de períodos de supostas regeneração e glorificação do “povo brasileiro”, nos animamos no primeiro momento, achando que agora o Brasil será a n...

APOIO DAS ESQUERDAS AO "FUNK" ABRIU CAMINHO PARA O GOLPE DE 2016

MC POZE DO RODO, COM SEU CARRO LAMBORGHINI AVALIADO EM TRÊS MILHÕES DE REAIS. A choradeira das esquerdas médias diante da prisão de MC Poze do Rodo tenta reviver um hábito contraído há 20 anos, quando o esquerdismo passou a endossar o discurso fabricado pela Rede Globo e pela Folha de São Paulo para "socializar" o "funk", um dos ritmos do comercialismo brega-popularesco que passou a blindar por uma elite de intelectuais sob inspiração do antigo IPES-IBAD, só que sob uma retórica "pós-tropicalista". A revolta contra a prisão do funqueiro e alegações clichês como "criminalização da cultura" e "realidade da favela" feita por parlamentares e jornalistas da mídia esquerdista se tornam bastante vergonhosas e, em muitos casos, descontextualizada com a real preocupação com as classes pobres da vida real, que em nenhum momento são representadas ou se identificam com o "funk" ou o trap. O "funk" e o trap apenas falam sobre o ...