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QUANDO SUCESSO E DIGNIDADE NÃO COMBINAM EM SALVADOR




O Brasil já é um país de arrivistas, cujo modelo de moral religiosa se empenha, quase sempre, em proteger os abusos dos outros, como se a dignidade de um aflito se medisse na complacência ou mesmo na servidão a quem subiu na vida de maneira desonesta ou inconveniente.

Tanto isso ocorre que há um certo exagero na pregação de religiosos para os aflitos "retrabalharem as energias" para saírem de seus infortúnios. Na verdade, isso também é um meio, de, através da misericórdia e do perdão (não seriam "riquesicórdia" e "ganhão"?) a um abusador, poupado e mantido nos seus privilégios desmerecidos, se passe pano nas desigualdades que se agravam no nosso país?

As religiões, por meio desse procedimento, tentam fazer os aflitos se convencerem de que é preciso ter sangue de barata para viver. Não se pode sequer gemer de dor, quanto mais reclamar da cida. Se a pessoa vive um drama kafkiano, que então se sinta como o homem tornado barata, na metamorfose astral mediante aos absurdos surreais da vida humana no Brasil.

Em Salvador, dois exemplos principais mostram o quanto o arrivismo brasileiro e, com maior intensidade e mau-caratismo, na capital baiana, se projetam e ainda precisam se autoafirmar cooptando pessoas que simbolizam aquilo que esses fenômenos não representam com naturalidade. 

E isso numa capital estadual onde há um ganancioso, cínico e desumano cantor de axé-music, Bell Marques, que não é a pessoa maravilhosa que tenta parecer sob os holofotes, e de um "médium" picareta que montou sua instituição sem obter alvará do poder público, para depois explorar funcionários, crianças carentes e ofender gordas e louras oxigenadas nas piadas ditas durante suas "doutrinárias" para "alegrar a noite".

Já se falou do caso da Rádio Metrópole, mais deplorável do que se pode pensar. A sua origem remete a um vergonhoso esquema de corrupção cometido pelo então prefeito de Salvador, Mário Kertész, que, usando o dinheiro público, construiu sua fortuna pessoal, em clara ofensa ao povo baiano, inclusive negro e pobre, que mal consegue ser gente numa cidade cuja elite aristocrata é das mais sórdidas do nosso país.

O prefeito promete realizar grandes obras para Salvador, que facilitariam o direito de ir e vir dos soteropolitanos e, de repente, deixa tudo parado e desvia as verbas federais, vindas de impostos do próprio povo, para alimentar empresas fantasmas de Kertész e um parceiro. Kertész aproveitou a grana para comprar veículos de Comunicação pelo simples objetivo de aumentar o seu poder.

Sem formação em Jornalismo - o que impede Kertész de se autoproclamar "redator-chefe" de seus programas, limitando-se a se creditar como "diretor-geral" - , o ex-prefeito de Salvador e hoje astro-rei da Rádio Metrópole desejava ter ao seu lado jornalistas de verdade para serem uma espécie de ghost writers de seus comentários tendenciosos. Pois a Metrópole é o maior símbolo de tendenciosismo midiático na capital baiana. 

Eu já recebi sugestões diferentes de procurar a rádio, sob a promessa de alavancar minha carreira jornalística. Não abri mão da minha dignidade e, embora eu não tivesse dado respostas em cada contato que gerou esta sugestão, eu nunca quis procurar a rádio paracentrar no mundo encantado do dinheiro fácil e da visibilidade plena.

Nem promessas de livre pensamento, de exercício "responsável" do jornalismo "autêntico", de melhor proveito das mobilizações sociais - como nos protestos estudantis contra o aumento das passagens de ônibus, episódio do qual Kertész se apropriou na cobertura tendenciosa a favor dos estudantes - , me fizeram aceitar trabalhar nesta rádio. Perdi oportunidade de ser famoso, rico e prestigiado, mas minha dignidade fica em primeiro lugar e munha solidariedade ao povo baiano, lesado pela corrupção do então prefeito, falou mais alto.

Outro caso é do grupo É O Tchan, hoje símbolo de um saudosismo de fachada que eu chamo de "brega vintage". Surgido depois que o empresário Cal Adan comprou o grupo Gerasamba e mudou sua formação, colocando dançarinas de forte apelo erótico, o É O Tchan teve como seu primeiro sucesso a música "Segura o Tchan", cuja segunda estrofe é uma clara apologia ao estupro.

O grupo depois não mediu escrúpulos para mostrar seu som para o público infantil, enquanto programas de TV aproveitavam o sucesso do grupo para embarcar na erotização infantil. Um evento filantrópico "espírita", pasmem, realizou um desfile escolar com crianças ao som de sucessos do grupo.

Apesar de tantos absurdos, só mesmo o Brasil das conveniências e do famoso "jeitinho" para blindar o sucesso do É O Tchan. Se Mário Kertész, filhote da ditadura militar e político corrupto, arrumou um jeito para obter a pretensa reputação de "jornalista respeitável de esquerda (?!?!)", de vez em quando se promovendo nacionalmente quando entrevista Lula, o É O Tchan arrumou uma maneira de ser, agora, símbolo da "alegria plena" do nosso país.

As dançarinas viram o primor daquela "positividade" bem caraterística do mundo ilusório do Instagram, caprichando até nas poses de empoderamento feminino, apesar do forte apelo machista do conjunto baiano. E o público maos jovem de hoje, desinformado do que está por trás das armadilhas do É O Tchan, foi dar grande audiência ao grupo, quando apareceu no programa Altas Horas da Rede Globo.

Tudo muito tóxico, pois é aquela "alegria" obsessiva, dentro do próprio contexto da axé-music, que transforma a "alegria" ou um simples ato de beijar na boca como "mercadorias", que se combina com o clima de positividade tóxica das redes sociais.

Pior é que uma das dançarinas, apesar de um casamento sólido, ter jogado tudo pelo alto após uma segunda lua-de-mel e, desde então, descontado um breve namoro, passou a se vender como "solteirona incurável" à procura de um "grande amor". E isso quando a dançarina é um dos símbolos dessa erotização gratuita, em que glúteos volumosos se tornam em si fonte de expressão de um entretenimento voltado a um público machista juvenil.

Pior é que nos dois casos, não há arrependimento. O dublê de jornalista ocultando seu passado de corrupção política e a dançarina que faz o papel de objeto sexual, se afirmando pelo par de glúteos e depois se achando empoderada e "solteirona carente". Dois casos em que o sucesso e a dignidade não andam de mãos dadas, mas separados e divergentes, numa Salvador com elites estúpidas que maltratam o povo negro e pobre. A elite do bom atraso tem em Salvador um de seus maiores parques de diversões no Brasil.

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