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A SELETIVIDADE DA "BOA SOCIEDADE" QUANTO AO VIRALATISMO CULTURAL

 A JULGAR PELO SENSO COMUM DOMINANTE NO BRASIL, O VIRA-LATA É UM CÃO RAIVOSO DAS RICAS ELITES. VIRALATISMO?

Falta eu decidir se eu caio na gargalhada ou choro de preocupação diante do que a "boa sociedade", aquela que influi na chamada opinião pública (ou a "opinião que se publica", que tem mais visibilidade e influência e lacra nas redes sociais), define como "viralatismo cultural".

Num momento em que os maiores formadores de opinião e de aparente consenso são pessoas consideradas "isentas" ou "de esquerda", é constrangedora a simbologia do que seria o "viralatismo cultural" de acordo com seu ponto de vista.

Como essa parcela da "boa sociedade" tende a glorificar tudo aquilo que é alegre e não representa raiva, o que faz com que, da parte das esquerdas, sejam aceitos os chamados "brinquedos culturais" da direita, ou seja, fenômenos de caráter mais conservador que, transmitidos pela mídia como "valores positivos", são erroneamente vistos como "progressistas".

Um exemplo aberrante disso é a forma como as esquerdas veem ideias religiosas próprias da Teologia do Sofrimento, embora sem reconhecer este nome. Imaginam que essa corrente religiosa, originária da Idade Média, é "positiva" porque a forma que seus ideólogos - através de setores do Catolicismo e, com surpreendente intensidade, pelo Espiritismo feito no Brasil - descrevem essa teoria, as esquerdas pensam que é uma doutrina de libertação e evolução humana.

Grande erro. Aliás, não só grande como gigantesco. Ou, já que falamos de religião, em proporções bíblicas. Só para se ter uma ideia do que é a Teologia do Sofrimento, nem precisa explicar muito. Basta ver o caso dos assassinatos de presos políticos da ditadura militar e achar que as vítimas são "felizardas" diante de tão trágico destino, depois de tantas torturas e humilhações.

Isso mostra o quanto a "boa sociedade" age como imbecil quando credita o "viralatismo cultural" através de um estranho combo que reúne grandes fortunas e sentimentos de raiva e ressentimento. Ou seja, um viralatismo que não tem muito de vira-lata, pois, analisando sua simbologia, o resultado acaba sendo um cão feroz, tipo Rottweiler, fazendo vigília numa mansão da alta sociedade. Pior é que nem lata de cerveja alemã se viu revirada pelo violento cachorro.

O que é isso? Durante muito tempo, o culturalismo vira-lata se limitou ao noticiário político. Depois a compreensão da "boa sociedade" flexibilizou um pouco, para humorísticos sociopatas, que humilham negros, gordos, mulheres, índios, gays etc. Depois, incluiu no foco os bregas bolsonaristas, com um mal disfarçado remorso das esquerdas terem dado alguma consideração à dupla Zezé di Camargo & Luciano.

Mas ainda há muita dificuldade no reconhecimento do "viralatismo cultural", porque há um maniqueísmo fácil na avaliação do culturalismo conservador, só reconhecido de fato quando ele percorre o terreno da raiva, falando hidrofobês e vomitando intolerância social.

Só que a "boa sociedade" se esquece que o viralatismo cultural, ou o culturalismo conservador, é em grande parte tudo aquilo que ela acha "positivo" ou "legal": ídolos brega-popularescos em geral, "médiuns espíritas", subcelebridades, neoliberais fantasiados de esquerdistas etc. Como ninguém dessa turma toda fala o idioma do ódio, muita gente reaça recebe o carimbo de "progressista" apenas pelo simples fato de falar mais calmo.

Pode ser o "médium" mais ultraconservador, ou o político dublê de jornalista reacionário, ou o funqueiro mais machista ou a mulher-objeto preocupada somente com a erotização do seu corpo. Se evitam algum discurso raivoso, são "progressistas", "modernos", "futuristas", "tudo de bom". Tudo isso dentro do "generoso" juízo de valor de uma "boa sociedade" que não é mais do que uma elite do atraso "do bem", agora boazinha na sua aversão tendenciosa a Jair Bolsonaro.

Afinal, o Brasil é uma grande novela. O culturalismo conservador está a serviço do maniqueísmo, apenas voltando o alvo de críticas e repúdios quando o fenômeno ou a personalidade atuam no terreno da raiva e da agressividade explícita. Pouco importa o conteúdo, muita gente progressista com senso crítico afiado é demonizada e incluída no mesmo balaio de reacionários histéricos como os bolsonaristas.

Enquanto isso, muito reaça convicto que aparece com criança negra e pobre no seu colo, que promete a paz mundial, muito defensor da desgraça humana como um pretenso atalho para o céu, ganha de graça o rótulo de "progressista" porque, em vez de rosnar, fala macio e representar algo de positivo para a "boa sociedade".

Desta forma, o verdadeiro viralatismo cultural fica oculto em muito lixo cultural e fenomenológico tratado como se fosse ouro. Enquanto isso, vira-lata é o cachorro da família rica que faz vigília na mansão de luxo. Não dá para entender...

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