Há uma polêmica muito forte na empreitada de Reinaldo Azevedo e Glenn Greenwald divulgarem juntos uma nova conversa envolvendo a Operação Lava Jato.
Atualmente, Reinaldo Azevedo, que antes apresentava Os Pingos nos Is, na Jovem Pan, reeditou esse programa, com outros parceiros, na Band News FM, agora sob o nome O É da Coisa (o antigo nome ficou na JP).
A partir desse programa, as matérias do The Intercept ganham maior visibilidade, com seu trabalho difundido junto à mídia hegemônica.
A primeira notícia dada sob essa parceria é a de que Sérgio Moro teria ordenado a troca de procuradores que iriam participar da segunda audiência do ex-presidente Lula.
Isso foi revelado numa conversa entre os procuradores Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima.
Moro elogiou a procuradora Laura Tessler, mas não estava satisfeito com o desempenho dela na Operação Lava Jato.
Ela seria designada para a audiência, mas no seu lugar foram escolhidos "Júlio" e "Robinho", respectivamente os procuradores Júlio Noronha e Roberto Pozzebom, considerados "mais experientes".
Moro e o Ministério Público negaram que teriam substituído a procuradora, mas os fatos deixam claro que a substituíram.
Além disso, a atitude mostra a completa parcialidade de Sérgio Moro, que escolheu os procuradores que foram trabalhar no caso Lula, contrariando a natureza isenta de um juiz.
A divulgação, por Reinaldo Azevedo, foi estratégica para Glenn Greenwald, e ambos deram fim à divergência antiga, quando Reinaldo, então colunista da Veja, disse em 2013 que fez um comentário irônico sobre a decisão do jornalista estadunidense ir morar no Brasil.
O comentário remete à relação de Glenn com o hoje deputado federal David Miranda (PSOL-RJ), seu marido:
"(...) Greenwald, é um advogado convertido em jornalista, que, segundo a versão oficial, decidiu morar no Brasil em razão das tramas do coração. Encontrou aqui o seu Orfeu — o que leva parte da nossa imprensa a evocações as mais líricas".
Devemos reconhecer que Reinaldo Azevedo mudou. Do comentarista moleque e hidrófobo de Veja e uma das vozes do golpismo de 2016, ele se converteu aos poucos a um comentarista ainda de direita, mas de centro-direita e vocação legalista.
Reinaldo passou a se desapontar com a Operação Lava Jato, e, sobretudo, com a figura de Sérgio Moro e seus principais parceiros, Dallagnol e Santos Lima.
Reinaldo não virou esquerdista, continua anti-PT, mas deixou de fazer opiniões irresponsáveis.
Daí a cartada de Glenn Greenwald que recorreu à mídia hegemônica para aumentar a visibilidade de suas reportagens, e fora do espectro da mídia de esquerda.
E Reinaldo tem também ao seu lado o exemplo de Rachel Sheherazade, outra que anda revendo seus conceitos.
Às vezes algumas pessoas mudam.
O jornalista Pepe Escobar, por sua vez, havia ganho má fama por conta de suas matérias tendenciosas ou até fraudulentas. Ele era crítico musical da Folha de São Paulo e eu já li alguns textos dele publicados nos anos 1980 nesse jornal e também outros textos na Bizz.
Num dos episódios citados por Ricardo Alexandre em Dias de Luta, o músico Miguel Barella recebeu telefonema de Pepe lhe pedindo para escrever uma resenha de um disco do Echo & the Bunnymen para o crítico "utilizar".
Mas hoje Pepe Escobar é um dos melhores analistas políticos internacionais, sem deixar de estar por dentro do que acontece no Brasil, como as matérias do The Intercept do escândalo da Vaza Jato.
Pepe Escobar colabora no Brasil 247 e é uma das maiores audiências do canal, com suas análises precisas de jornalismo investigativo autêntico.
Eu também mudo de posições.
Cheguei a criticar, nos anos 1990 e 2000, Fábio Massari, Daniella Cicarelli, a banda Supergrass e hoje os admiro.
Nos anos 1980, eu detestava Itamar Assumpção. Mas hoje vejo o seu profundo valor na MPB e a audaciosa criatividade do seu legado musical.
Foi aluno do professor Wilson Gomes, da Universidade Federal da Bahia, não ia com a cara dele e fui por ele reprovado, porque tinha dificuldade de aprender suas matérias. Mas hoje paro para ler seus artigos progressistas com respeito e admiração.
Por outro lado, eu era espírita, mas ao saber o que realmente se fez com o Espiritismo francês no Brasil, passei a me envergonhar dessa religião que mais parece um "catolicismo pirata e embolorado".
Hoje oficialmente não tenho religião, mas sinto simpatia pela Igreja Católica propriamente dita.
O mundo dá voltas e, com o tempo, controlamos nossos impulsos e revemos nossos comentários.
É claro que não vou sair por aí passando a gostar de "funk" ou correndo atrás das periguetes que me paqueraram e das quais nunca senti o menor interesse nem afinidade.
E também não vou passar a acreditar que a Rádio Cidade, uma rádio pop que agora "só toca rock", é tão ou mais roqueira que a saudosa Fluminense FM dos melhores tempos.
Mas posso admitir que, por exemplo, o empresário Fred Wagner, marido da apresentadora Didi Wagner, melhorou muito, está mais descontraído e usando roupas casuais, saindo daquele estigma do empresário "prisioneiro" de seu ofício, seus paletós e sapatos de couro.
Ou então considerar que Pamela Anderson e Carmen Electra voltaram a ser musas consistentes.
É neste contexto que cabe reconhecer o esforço de Reinaldo Azevedo, hoje afastado dos proto-olavismos de seus antigos artigos.
Ver que Reinaldo vestiu a camisa das investigações contra os abusos da Operação Lava Jato é coisa louvável.
Daí que, realmente, temos que botar os pingos nos Is, em vez de jogar neles os circunflexos de nossos impulsos revoltados de outrora.
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