É bastante infeliz a matéria do portal TAB, do UOL, sobre Deize Tigrona, na qual os clichês de um pretenso feminismo e do ufanismo das favelas que se repetem exaustivamente.
É o "funk" que usa e abusa do seu coitadismo para se passar por "politizado" e "militante", quando em verdade nunca passou de um ritmo dançante e comercial até a medula.
Fala-se que os "defeitos" do "funk" são "reflexo da sociedade em que vivemos", mas os funqueiros, tão "combativos" no discurso, nunca fizeram para realizar qualquer tipo de ruptura.
O "funk" apela para a apologia à prostituição - "putaria", no caso da matéria em questão - e vê na favela não um infortúnio habitacional, mas uma suposta trincheira de "resistência" e "rebelião".
Poucos admitem, mas o "funk" das intérpretes femininas é uma espécie de Tábata Amaral convertida para o modo pesadelo.
É um diversionismo estranho, como no caso histórico de Cabo Anselmo, no passado.
Esse discurso "socializante" do "funk", com um suposto feminismo de "glúteos" ou de "nervos", que demonstra ser misândrico - fala-se muito em misantropia, mas quase nunca de misandria - , é uma atitude muito estranha e muitíssimo suspeita.
Vejamos. Quando havia o "escândalo do mensalão", a primeira armação jurídico-midiática feita para tentar desmoralizar o então presidente Lula, em 2005, veio toda aquela campanha pró-bregalização do "combate ao preconceito".
Era uma "cortina de fumaça" para distrair a população enquanto a plutocracia tentava derrubar Lula associando ele ao "mensalão" e, eventualmente, à bebedeira, para reforçar o "assassinato de reputação".
Vieram o filme dramatizado Os Dois Filhos de Francisco, de Breno Silveira, e o documentário Sou Feia Mas Tô Na Moda, de Denise Garcia, ambos co-produzidos pela Globo, mas que omitiu seu crédito no segundo caso para evitar acusações de concentração de mercado.
O primeiro relatava a vida dos breganejos Zezé di Camargo & Luciano, que fizeram sua grande encenação: bancar os pseudo-esquerdistas, com a supervalorização de seu voto crítico a Lula, embora tenham votado no ruralista Ronaldo Caiado para o Legislativo federal.
O segundo relatava a vida das mulheres funqueiras, de Deize Tigrona a Valesca Popozuda, passando por Tati Quebra-Barraco, o hype da época.
A "campanha contra o preconceito", que na verdade forçava a aceitação de formas preconceituosas de expressão supostamente popular, era um meio de evitar que o povo pobre se mobilizasse em defesa de Lula.
A ideia é confinar o povo pobre no entretenimento popularesco, inventando que este, em si, "já é um ativismo", e criando narrativas persistentes e verossímeis para reforçar essa falácia toda.
O "funk" tem esse discurso zangado, combinando irritabilidade e coitadismo, e seus ideólogos passaram a emular uma retórica pseudo-revolucionária, com aquele papo ufanista de favela, prostituição, ignorância, miséria etc.
É um discurso habilidoso, mas que gourmetiza a pobreza e toda a realidade que o povo pobre, em verdade, encara a contragosto.
E aí o "funk" tenta se livrar de culpa e cai numa grande contradição.
Ao mesmo tempo que o "funk" não rompe com os problemas da sociedade e reproduz paradigmas negativos do machismo à linguagem chula, também não quer se responsabilizar por isso.
No caso do machismo, cuja simbologia não é rompida sequer pelo suposto feminismo das funqueiras, o "funk" bota a culpa na sociedade, embora na verdade seja obrigação do "funk" assumir sua responsabilidade e sua culpa por estimular o machismo nas comunidades pobres.
Num vitimismo desesperado, mas eficiente o bastante para seduzir a intelectualidade "bacana" e a burguesia descolada - que erroneamente classificam como "libertário" o discurso funqueiro - , os funqueiros não destoam da realidade reacionária do Rio de Janeiro.
O Rio de Janeiro da maioria dos valentões digitais em ação no Brasil, escondidos em comunidades do Orkut, perseguindo quem não gostava de mulheres-frutas nem de "duplas sertanejas" do porte de Zezé di Camargo & Luciano.
Aqui vai uns parênteses sobre esta dupla goiana, que vendia uma falsa imagem humanista através do filme, mas, nas redes sociais, contava com milícias digitais humilhando quem simplesmente não se interessava em curtir a dupla.
Voltando ao "funk", que nas redes sociais é mais apreciado por fascistas digitais e "coxinhas" moderados do que de gente progressista, o ritmo sempre teve um fundo conservador.
Fala-se tanto que o "funk" é "vítima de preconceito", mas o ritmo surgiu com um preconceito: aquele contra a figura do músico instrumentista e do compositor melodista, que haviam sido elementos prioritários do funk autêntico.
O "funk" sempre teve um rigor estético inflexível, duro, bruto. É uma batida, um som padronizado para todo mundo. Só varia de acordo com a vontade do DJ. E é sempre uma variação padrão, que vale para todo mundo. Se um som muda, dá lugar a um outro som padronizado.
Não há variedade, não há diversidade. O "funk" nunca foi aquela maravilha que o porralouca descolado tanto fala em textos altamente falaciosos, verdadeiros atestados de pensamento desejoso.
O "funk" é um subproduto de uma mesma mentalidade pragmática que contamina o Rio de Janeiro nos anos 90.
É uma mentalidade tacanha de se contentar com pouco e com o simplório, aceitando desde rádios pop que viram dublês de "rádios rock" (Rádio Cidade) até o "empreendedorismo" improvisado pelas milícias nas comunidades pobres.
Essa mentalidade "pariu" Jair Bolsonaro, como um suposto símbolo de moralidade, disciplina e civismo, sob a ótica tacanha do carioca e do fluminense médios.
Não faz sentido considerar o "funk" como um "oásis de progressismo libertário" num Rio de Janeiro reacionário, se o ritmo está justamente dentro de um contexto conservador, não como vítima, mas como resultado dele.
O "funk" se originou do miami bass da Flórida conservadora, e era conservador à sua maneira, embora diferente das aristocracias de imigrantes cubanos e porto-riquenhos de Miami e Orlando.
É verdade que, em tese, Rede Globo, Jair Bolsonaro e o "funk" não se bicam.
Em tese. Porque, em um momento ou outro, os três demonstram afinidades. Apenas há interesses eventuais, ou, talvez, uma vergonha de uns se associarem a outros, que faz com que aparentes divergências sejam superestimadas.
O que poucos conseguem admitir é que o "funk" nunca foi de esquerda, e seus militantes chegam a falar mal de esquerdistas nos bastidores.
"Esquerda só tem otário. A gente faz dela gato e sapato e arranca as verbas públicas facilmente", é o que os funqueiros falam pelas costas.
O que o "funk" quer é mercado, é ganhar dinheiro e enganar as pessoas com um discurso pseudo-libertário.
O "funk" não veio de Marte, assim como não veio de Havana nem de Moscou nem de Caracas.
O "funk" é um produto da mesma sociedade pragmática e conservadora que passou a dominar o Rio de Janeiro no fim dos anos 1980, gerando, da década seguinte em diante, uma visão pragmática que está degradando socialmente o Estado fluminense.
Cabe às esquerdas ter coragem para evitar o pensamento desejoso e perceber o conservadorismo de boa parte dos cariocas e fluminenses e, em particular, do "funk".
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