Em total demonstração de falta de respeito e sutil racismo, o apresentador Sílvio Santos cometeu uma injustiça não só contra os espectadores, mas também contra a candidata mais votada.
Tudo começou quando, no Programa Sílvio Santos, a produção escolheu o sucesso da Internet, "Caneta Azul", para ser interpretado por quatro candidatas.
Era o quadro "Quem Você Tira?" e as quatro cantoras interpretaram o sucesso de maneira esforçada.
Jennyfer Oliver, a candidata negra, se destacou com sua voz.
Ela então foi a mais votada pela audiência, com vantagem disparada: 84 votos. Fora ela, Bia Morais, a segunda colocada, só teve oito votos.
Sílvio Santos então leu o resultado da votação, pareceu reconhecer a vitória de Jennyfer e aí fez um comentário cheio de ironias.
Deu R$ 500 reais para Jennyfer, pediu mais dinheiro para a produção e soltou a sua opinião.
"Vai ser 500 para cada uma, porque eu vou escolher a melhor das quatro e dar mais 500. Deixa eu ver quem eu escolheria se eu estivesse em casa vendo pela televisão… Juliani, você ganhou, você é muito bonita, canta bem e ganhou mais 500", disse o apresentador e dono do SBT.
E aí deu outros R$ 500 reais a mais a Juliani, que é branca, e que Sílvio considerou vencedora por "ser mais bonita".
Jennyfer ficou constrangida e postou um vídeo desabafando de sua situação. Sílvio não deixou esconder seu racismo, ao discriminar a verdadeira vencedora em favor de uma outra com votação abaixo do medíocre.
Ela admitiu, no entanto, que não tem condições para processar Sílvio Santos, não porque ela não pode arrumar um advogado para tal iniciativa.
É porque Sílvio Santos, por ser um homem muito rico e poderoso, além de hoje ser um dos apoiadores do governo Jair Bolsonaro, pode inverter a situação e acabar processando Jennyfer.
Sílvio Santos anda decepcionando muito.
Remanescente dos astros de televisão em atividade em 1961 - ano do qual estou escrevendo um livro - , quando começou sua carreira, Sílvio nem tem mais a voz desenvolta que o marcou.
Sua voz está cansada e seu senso de humor despudoradamente grotesco e ofensivo.
Que Sílvio Santos foi um sujeito conservador em toda a vida, isso não há como discutir.
Mas não da forma decadente que só assinala o fim gradual do apresentador que já foi muito talentoso e brilhava com seu antigo senso de humor desde os tempos da TV Paulista (atual TV Globo São Paulo).
Aqui vai as críticas que se faz às esquerdas que, adotando como "seus" os paradigmas culturais da direita midiática - como a música brega-popularesca e os fenômenos "populares demais" - , acolheram, sem querer, valores próprios da Rede Globo, Folha de São Paulo e SBT.
Sim, boa parte dos ídolos popularescos "guevarizados" pela intelligentzia infiltrada na mídia progressista foi lançada ou popularizada pelo mesmo SBT que hoje apoia Jair Bolsonaro.
Sílvio Santos foi um dos que deram sua contribuição decisiva para o "desenho" de uma suposta "cultura popular", através da bregalização do Brasil.
Ele lançava cantores medíocres, idiotizava as plateias, e, machista, transformava a plateia feminina de "colegas de trabalho" num "modelo" para as "solteiras trash" que hoje ocupam as redes sociais, com suas personalidades piegas, cafonas e com piores referenciais culturais.
Os preconceitos sociais e moralistas, se havia, eram mais sutis. Sílvio Santos apoiou a ditadura, lançou a "Semana do Presidente" para cortejar o general João Figueiredo.
E suas pregações moralistas que acabou sendo transmitidas para seus descendentes, vide Patrícia Abravanel, por exemplo, que criticou o feminismo.
As esquerdas passaram pano em tudo isso. Viam a fenomenologia da bregalização apenas sob o ponto de vista da plateia, de pessoas sem culpa, sim, mas vítimas desse processo selvagem de degradação cultural.
É como o pessoal de Paraisópolis, que não tem culpa de curtir e dançar o "funk" trazido pela Rede Globo e claramente apoiado por Luciano Huck.
A bregalização cultural não é um patrimônio do povo pobre, como lamentavelmente insiste a retórica repetida ad nauseam pela intelectualidade "bacana" que pensa ser mais povo que o povo.
Pelo menos ultimamente Sílvio Santos mostra, com suas atitudes explícitas, que a máscara caiu.
O sonho da bregalização nada tem de progressista, do contrário que a "intelectualidade mais legal do Brasil", "totalmente sem preconceitos" mas terrivelmente preconceituosa, queria nos fazer crer.
Pelo contrário, essa suposta cultura, dita "popular demais" - com o grande público aderindo feito um gado bovino - , é marcada pela mediocrização artística e pela idiotização cultural.
Dá pena antropólogos, jornalistas culturais e cineastas documentaristas, que se gabam em se autoproclamarem "de esquerda", abraçarem a imbecilização cultural como se fosse "a expressão genuína das periferias".
E as esquerdas em geral continuam em silêncio diante de intelectuais supostamente progressistas que, em parte, apoiam tudo o que Sílvio Santos difunde?
É hora das esquerdas começarem a desconfiar de supostos aliados intelectuais comprometidos com a imbecilização e desmobilização do povo pobre, mesmo os farofafeiros auto-apelidados "lula da silva".
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