O FESTIVAL VARILUX DE CINEMA FRANCÊS VENDE UMA IMAGEM DE "CINEMA FOFINHO" PARA A NOUVELLE VAGUE DOS ANOS 1950-1960.
Infelizmente, o establishment de nossa mídia tenta inverter os valores.
Baseado na falácia de que tudo que é antigo vira "clássico", passou a empurrar muita porcaria musical, televisiva e cinematográfica como pretensas preciosidades cult.
E isso se reflete no Brasil com grande intensidade. Aqui, por exemplo, é o único país em que o humorismo datado do mexicano Chaves é tido como "humor de vanguarda".
No que diz ao cinema, quinze anos após a vergonhosa atitude da rede TeleCine renomear o TeleCine Classic para TeleCine Cult, com direito a lema hipócrita ("alternativo"), temos o caso inverso do Festival Varilux de Cinema Francês.
Para quem não sabe, o TeleCine Classic era um canal de filmes antigos. O nome era pretensioso, mas muito menos do que TeleCine Cult.
Afinal, este canal mistura o joio com o trigo, colocando no mesmo peso filmes de vanguarda europeus com faroestes com John Wayne e documentários anti-comunistas.
Isso sem falar que não dá para definir como "cinema alternativo" um canal cuja prioridade é passar os filmes inócuos da fase áurea de Hollywood, sobretudo dos anos 1930 aos 1950.
Esquecem a história de nossos cinéfilos do mundo inteiro, fora dos EUA e principalmente no Brasil.
A luta que Walter da Silveira e Paulo Emílio Salles Gomes em promover debates sobre cinema caiu no esquecimento.
Nos anos 1950 e 1960, questionávamos o cinema de Hollywood, defendíamos alternativas trazidas pelo cinema europeu e pelos cinemas dos países em desenvolvimento.
Tudo isso acabou sendo em vão, porque até o mais complexo cinema polonês tem agora o mesmo peso da mais retardada comédia de Hollywood dos anos 1940.
Aí a gente reclama disso nas redes sociais e vem logo engraçadinho dizendo "pelo menos não passa filme de violência, né?".
Ah, é? Pois os filmes de violência agora também são cult e passam no TeleCine Cult. Robocop agora tem o mesmo peso do que os anti-heróis surreais dos filmes de Luís Buñuel.
E se agora os bangue-bangues de John Wayne e as comédias musicais bobas de Hollywood dos anos 1940 são "intelectualizadas", vemos agora o caminho inverso: transformar a Nouvelle Vague francesa numa coisa "fofinha", inócua.
É este o tom da propaganda enganosa do Festival Varilux do Cinema Francês deste ano.
Carros passeando, casais sorridentes, beijinhos para lá e para cá, pessoas charmosas.
Até parece que a Nouvelle Vague é mais "fofa" e "ingênua" do que Hollywood. "Intelectualizados" são Frank Sinatra e Gene Kelly fazendo sapateado, né?
O que o pessoal não sabe é que a Nouvelle Vague, movimento francês inspirado no Neorrealismo do cinema italiano, é um dos movimentos mais críticos da sociedade do seu tempo.
A burguesia, que na campanha do Festival Varilux aparece fofinha, feliz e passeando pelas ruas de Paris, era ridicularizada nos filmes franceses, tratada como patética e falsa.
Fofinha, feliz e passeando pelas ruas era a burguesia de Los Angeles e Nova York naquelas comédias "clássicas" e musicais de Hollywood, nos anos 1940, que explicitamente vendiam ilusão e fantasia.
Não dá para colocar essas comédias estadunidenses no mesmo peso do Neorrealismo italiano. Assim como não dá para inverter os papéis, colocando o cinema de "roliúdi" como "intelectualizado" e a Nouvelle Vague como "inofensiva".
Há muito o que se aprender sobre cinema no Brasil, não só sobre o cinema nacional, mas também sobre o estrangeiro.
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