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O TRISTE DESFECHO DO PRÉDIO DA GAMA FILHO, ONDE ESTUDEI


Este é apenas uma amostra grátis da situação degradante do Rio de Janeiro, não só a ex-Cidade Maravilhosa, mas sua região metropolitana, incluindo o provincianismo vassalo de Niterói, o fanatismo evangélico de São Gonçalo e a pistolagem na Baixada Fluminense.

Anteontem, ocorreu um incêndio no prédio principal do antigo campus Piedade da Universidade Gama Filho, onde estudei em 1989, quando tinha 18 anos de idade.

Para começo de conversa, a Gama Filho era uma universidade privada, seu fundador foi ministro da ditadura militar e, neste caso, não se deve ter ilusões quanto a esta instituição, que não era o paraíso do ensino superior.

Mesmo assim, dentro dos limites da mentalidade mercadológica do ensino pago, a Gama Filho era uma boa instituição. Consegui ter bons professores lá e, surpreendentemente, tive bom desempenho na matéria Introdução à Economia, embora tivesse péssimo desempenho em Estatística.

A Gama Filho surgiu em 1939 e tinha vários campus. O da Piedade, na Rua Manuel Vitorino - pela qual passava a linha de ônibus 636 Saens Peña / Gardênia Azul - , era o mais destacado. E o mais movimentado.

Eu via muita movimentação, que ocorria até na manhã de sábado. Tinha uma lanchonete e comprava uns pasteizinhos de queijo deliciosos para lanchar. E havia jogos eletrônicos que eu via os outros jogarem para me distrair.

Eu morava no Viradouro, em Niterói, e pegava ônibus de fretamento, inicialmente pela extinta Anatur, e, depois, pela São Jorge, que muitos anos depois virou Transportes Blanco.

Eu estudei entre 1989 e início de 1990. Por ser filho de militar, pude, ao me mudar para Salvador, me transferir para a Universidade Federal da Bahia sem fazer novo vestibular.

O vestibular que me colocou na Gama Filho, por segunda chamada, foi o da Cesgranrio, organizado para várias universidades privadas, se não me falha a memória.

Foi bom eu estudar na Gama Filho. O campus era simpático e bonito. O prédio principal, imponente, com sua biblioteca com instalações atraentes e confortáveis. Havia também vários pequenos prédios onde as aulas eram realizadas. E um ginásio de esportes, para Educação Física.

Eu participei de um concurso de poesia com o poema "Aurora", de inspiração ultrarromântica. 

O poema está presente no meu livro "Versos em Praça Pública", disponível na Amazon. Vão lá adquirir. Custa mais barato que muito best seller que parece barato, mas é apenas um volume enrustido de uma série que, no fim, pesa mais no bolso do leitor médio.

O concurso premiava em dinheiro os três colocados. 

Infelizmente, não cheguei a tais lugares. Os três que venceram fizeram poemas "impessoais" que soavam pastiches medíocres e banais de Carlos Drummond de Andrade.

Algumas lembranças dos tempos da Gama Filho me vêm à tona.

Uma foi em 21 de agosto de 1989 quando, depois de tomar o café da manhã, me desloquei do conjunto Almirante Sílvio de Noronha para a Rua Lions, para pegar o fretamento da Anatur.

Ao entrar, o rádio estava tocando "Gita", de Raul Seixas, e depois o locutor anunciou o falecimento do famoso roqueiro.

Creio que não era a Rádio Cidade, que o rádio do ônibus costumava sintonizar, mas talvez, nessa ocasião, a antiga Alvorada FM, no espaço da atual Sul América Paradiso FM.

Em 1989, a Rádio Cidade desistiu de ser pop rock, uma aventura louca e depois radicalizada de 1995 para cá, fruto do ressentimento do dono da marca, que nunca engoliu ver a sua emissora ser passada para trás pela Fluminense FM e se encanou em perseguir o prestígio da rival.

Há 31 anos, a Rádio Cidade voltou a se assumir pop, podendo respirar melhor fora da jaqueta de couro que virou sua camisa de força de 1995 para cá, com maior intensidade desde 2014.

Ela tocava tolices até engraçadas como Inimigos do Rei, além de Carly Simon, Tears For Fears, Erasure e Madonna. Sim, a Rádio Cidade lançou Madonna no dial carioca e, naquele 1989, músicas como "Like a Prayer" e "Spanish Eyes" eram muito tocadas nos 102,9 mhz.

Voltando à Gama Filho, um momento insólito foi quando eu, fazendo um comentário durante a aula, falei a expressão "usufruto", de fruir uma coisa alheia, e os colegas estranharam. Foi constrangedor para mim.

Em 1989, a Viação Mauá chegou a operar na variante da linha 533D São Gonçalo / Méier (hoje é Alcântara / Méier) para a Piedade, que depois chegou a ter código próprio, 534D.

O Rio de Janeiro estava às vésperas de uma decadência vertiginosa. Claro que o Rio de Janeiro estava decaindo aos poucos, ao perder o posto de capital do país, deixar surgir e crescer o crime organizado e perder seus benefícios culturais.

Mas, até 1989, o Rio de Janeiro ainda poderia manter algum charme, alguma relevância cultural, respirava alguma modernidade que, nos anos 1990, passou a ruir de vez até chegar ao ponto que chegamos.

E aí, a Universidade Gama Filho, que já não existia desde 2012, viu sua tragédia se consolidar.

O imponente edifício do seu campus se incendiou. Há muito o campus ficou abandonado, virou moradia de mendigos, ponto de consumo de drogas etc.

Com o fim da Gama Filho e o abandono do campus Piedade, o seu entorno, que envolve Engenho de Dentro, Água Santa e Quintino, decaiu e perdeu o movimento, tornando-se perigoso.

Nem a inauguração do Engenhão, no outro lado da linha de trem, resolveu o problema. A Rua Manuel Vitorino passou a ter um aspecto soturno, mesmo no período diurno.

E vemos agora o imponente prédio em chamas. Um prédio bonito que há muito perdeu tal beleza.

E o que muitos não conseguem acreditar é que isso é apenas uma amostra ilustrativa do que está vivendo e pode viver o Rio de Janeiro, cuja decadência tende a se agravar cada vez mais e sem qualquer tipo de controle. Triste.

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