Pular para o conteúdo principal

AGORA APOIAR O "FUNK" VIROU 'COOL'?

DEPOIS QUE BETH CARVALHO ACUSOU O "FUNK" DE SER LIGADO À CIA, SUA FILHA LUANA ADERE AO GÊNERO.

Num contexto em que o recém-empossado presidente dos EUA, Joe Biden, tornou-se um ícone pop, ando desconfiado com o que, no Brasil, tenta-se considerar como atitudes cool.

Para quem não sabe, cool, em que pese um falso cognato com um palavrão de duas palavras, é aquela qualidade de alguém que tenta soar ao mesmo tempo vanguardista e prestigiado.

Num país atrasado como o Brasil, "liberdade" é uma palavra usada como contexto para golpes políticos ou, no lado oposto, para um culturalismo autodepreciativo dos indivíduos, uma espécie de "prazer" nivelado por baixo.

Nos cinco anos do golpe de 2016, as esquerdas se reduziram a um identitarismo festivo que, praticamente, abandonou os trabalhadores que não têm o luxo de cobrir seus corpos famintos de tatuagem ou de gastar um ingresso para ir a um "baile funk".

No Brasil, não temos cultura alternativa. A chamada "cultura alternativa de rock" é comandada por rádios pop fantasiadas de "rádios rock" (89 FM e Rádio Cidade), e a dita "cultura alternativa de MPB" se preocupa em exaltar o bubblegum brega de Odair José.

Paciência. Ser cool, no Brasil, agora é gostar de "funk", ser "kardecista" e ver o Big Brother Brasil.

Se isso é ser o máximo, ser "parafrentex", estou fora.

Afinal, minha família vai deixar o Rio de Janeiro, que, apesar de sua decadência, espera uma chuva de dinheiro para, ao menos, retomar sua reputação de "Los Angeles brasileira".

Nunca desejei a dançarina do É O Tchan, não quis ser repórter da Rádio Metrópole em Salvador, larguei o Espiritismo brasileiro, e, se o destino me permitir formar uma banda de rock, não vou mandar CD demo para a 89 FM nem para a Rádio Cidade.

Afinal, mandar CD demo para quê? Para locutorzinho pop que nem entende de rock ficar dando pitaco sobre que tipo de música eu terei que fazer?

Se for por esse raciocínio, 99% da evolução do rock nunca teria acontecido, pois, de pitaco em pitaco, todo tipo de progresso teria sido castrado e os Beatles nunca teriam ido além de "She Loves You".

Só no Brasil é que religiões obscurantistas pseudo-intelectualizadas, ritmos popularescos tidos como polêmicos, rádios pretensamente roqueiras, programas de "riélite chow" e outras bobagens são consideradas cool.

Sim, teria que aderir a tudo isso se quisesse ser considerado "legal" e tivesse que aumentar rapidamente minha visibilidade.

O meu antigo blogue Mingau de Aço custava para ter mais seguidores, porque não aceitava passar pano no "funk".

O problema é que, infelizmente, ser de esquerda está mais próximo, hoje, da flanelização cultural, do ato de passar pano aqui e ali, do que ter um senso crítico mais afiado.

Não vou ser um coxinha direitista só porque nado contra a maré, e, por isso, abro mão de vantagens sociais imediatas que, em tese, me seriam dadas de bandeja.

A curto prazo, pago o preço de ter um senso crítico que, na Europa e EUA, são mais socialmente aceitáveis, porque, no Brasil, a sociedade "sem preconceitos", mas muitíssimo preconceituosa, confunde senso crítico com opinionismo intolerante.

Tanto isso é verdade que os males que são vistos como um perigo para a sociedade lá fora aqui são encarados como a "salvação da humanidade".

Overdose de informação aqui é "liberdade de expressão" e não um meio de sobrecarregar a mente humana com excesso de notícias e comentários.

Sociedade do espetáculo aqui é "lugar de gente feliz e livre", e não um antro de futilidades e idiotização sócio-cultural.

Bombardeio de amor, aqui, é "apelo para a paz e fraternidade" e não uma armadilha para supostos líderes espirituais seduzirem, dominarem e escravizarem espiritualmente seus seguidores.

Dito isso, vemos a grande "novidade": Luana Carvalho, filha da saudosa sambista Beth Carvalho, aderiu ao "funk".

A notícia foi dada hoje pelo jornal O Globo. Uma das matérias a respeito dessa "grande guinada" pode ser clicada aqui.

Luana segue a tendência que vemos em Alice Caymmi, neta de Dorival Caymmi e filha de Danilo Caymmi. Alice se vendeu para a bregalização geral, incluindo parceria com Michael Sullivan, aquele hitmaker que queria destruir a MPB para depois usá-la para retomar a carreira.

Apostando em clichês discursivos envolvendo "preconceito" e "apropriação cultural" e forçando o vínculo entre "funk" e samba - que, todavia, sempre valorizou os músicos, em detrimento do ritmo mais recente - , Luana tenta fazer crer que adotou uma atitude cool.

O que chama a atenção é que a falecida mãe dela havia afirmado que o "funk" é ligado à Central Intelligence Agency, a CIA, agência que monitora a América Latina a ponto de ter promovido golpes para derrubar governos progressistas, inclusive no Brasil.

E isso é, por incrível que pareça, verdade: as ONGs que atuam em parceria com a CIA, como Fundação Ford e Open Society Foundation, explicitamente patrocinam o "funk" no Brasil.

É claro que, quem é mais jovem, acha que tudo que está na moda é legal, natural e espontâneo.

Em outros tempos, tudo bem. Mas, desde os anos 1990, quando se desenvolveu uma sociedade hipermercantilizada e hipermidiatizada, a chamada "cultura jovem" hoje não passa de um mercado selvagem tramado por empresários gananciosos.

Discurso panfletário? Não. É só ver o quanto os ídolos jovens de hoje são culturalmente mais postiços do que os que haviam sido até os anos 1980, quando já havia pop comercial voraz, mas havia muito mais opções para fugir dessa supremacia.

O pop comercial hoje tenta sequestrar para seu imaginário agendas de rebeldia que antes não estavam no mainstream. Daí tantas letras "confessionais", tanta atitude "transgressora", tanto suposto empoderamento etc.

E isso tudo não rompe com o superficialismo do pop e suas canções sem pé nem cabeça que, para piorar, chegam a ter mais de dez compositores, o que indica serem um amontoado de rascunhos.

E todos os ídolos pop atuais atirando para todos os lados: pop dançante latino, hip hop, pop rock inofensivo, canções acústicas lentas etc. Todos querendo ser tudo e sem a menor diferenciação.

Comparem com as bandas de rock de 1966-1967 que queriam ser diferentes umas das outras e o pop atual no qual as diferentes cantoras, de Miley Cyrus a Cardi B, de Demi Lovato a Dua Lipa, soam essencialmente iguais?

E aqui no Brasil temos o "funk" e sua choradeira cheia de pretensão, agora como um símbolo de uma sociedade cool que se emergirá das cinzas do bolsonarismo, com todo o alto astral meticulosamente calculado e tendo o Rio de Janeiro como cenário de fundo.

E tudo isso com pessoas que fazem tudo para parecerem "legais", com sua "liberdade" que alterna entre a sexualização obsessiva e o espiritualismo místico e mistificador. Tudo muito "legal", muito "bacana", mesmo.

Daí que prefiro correr por fora. Até pelo receio de, se tivesse que ser cool, cair na armadilha de um falso cognato, um palavrão de duas letras.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

INFANTILIZAÇÃO E ADULTIZAÇÃO

A sociedade brasileira vive uma situação estranha, sob todos os aspectos. Temos uma elite infantilizada, com pessoas de 18 a 25 anos mostrando um forte semblante infantil, diferente do que eu via há cerca de 45 anos, quando via pessoas de 22 anos que me pareciam “plenamente adultas”. É um cenário em que a infantilizada sociedade woke brasileira, que chega a definir os inócuos e tolos sucessos “Ilariê” e “Xibom Bom Bom” cono canções de protesto e define como “Bob Dylan da Central” o Odair José, na verdade o “Pat Boone dos Jardins”, apostar num idoso doente de 80 anos para conduzir o futuro do Brasil. A denúncia recente do influenciador e humorista Felca sobre a adultização de menores do ídolo do brega-funk Hytalo Santos, que foi preso enquanto planejava fugir do Brasil, é apenas uma pequena parte de um contexto muito complexo de um colapso etário muito grande. Isso inclui até mesmo uma geração de empresários e profissionais liberais que, cerca de duas décadas atrás, viraram os queridões...

DOUTORADO SOBRE "FUNK" É CHEIO DE EQUÍVOCOS

Não ia escrever mais um texto consecutivo sobre "funk", ocupado com tantas coisas - estou começando a vida em São Paulo - , mas uma matéria me obrigou a comentar mais o assunto. Uma reportagem do Splash , portal de entretenimento do UOL, narrou a iniciativa de Thiago de Souza, o Thiagson, músico formado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) que resolveu estudar o "funk". Thiagson é autor de uma tese de doutorado sobre o gênero para a Universidade de São Paulo (USP) e já começa com um erro: o de dizer que o "funk" é o ritmo menos aceito pelos meios acadêmicos. Relaxe, rapaz: a USP, nos anos 1990, mostrou que se formou uma intelectualidade bem "bacaninha", que é a que mais defende o "funk", vide a campanha "contra o preconceito" que eu escrevi no meu livro Esses Intelectuais Pertinentes... . O meu livro, paciência, foi desenvolvido combinando pesquisa e senso crítico que se tornam raros nas teses de pós-graduação que, em s...

A PROFUNDA FALTA DE VISÃO DOS EMPREGADORES

A questão do emprego ainda ocorre de maneira viciada, com muita exigência para trabalhos simples e de pouco salário ou, quando função e remuneração valem a pena, a competência é o que menos importa, pois se leva em conta o status social, a aparência e até a visibilidade e contatos influentes. Neste caso, tivemos a onda de influenciadores digitais e comediantes de estandape invadindo mercados referentes a Jornalismo e Análise de Mídias Sociais. E a ilusão da aparência nos cargos de assistente administrativo, onde são contratados pessoas com “cara” de administrador, mas sem “espírito” para a função. Profundamente atrasado, o Brasil ainda tem dificuldade para achar o profissional certo. Talento só serve para patrões incompetentes se promoverem às cistas de alguém talentoso, quando seu interesse é se destacar nos negócios. Mas até isso é um processo raro, pois na maioria dos casos um patrão ruim contrata um empregado pior, mas de boa aparência e comportamento maleável. Muitas empresas cont...

“COMBATE AO PRECONCEITO” TRAVOU A RENOVAÇÃO REAL DA MPB

O falecimento do cantor e compositor carioca Jards Macalé aos 82 anos, duas semanas após a de Lô Borges, mostra o quanto a MPB anda perdendo seus mestres um a um, sem que haja uma renovação artística que reúna talento e visibilidade. Macalé, que por sorte se apresentou em Belém, no Pará, no Festival Se Rasgum, em 2024. Jards foi escalado porque o convidado original, Tom Zé, não teve condições de tocar no evento. A apresentação de Macalé acabou sendo uma despedida, um dos últimos shows  do artista em sua vida. Belém é capital do Estado da Região Norte de domínio coronelista, fechado para a MPB - apesar da fama internacional dos mestres João Do ato e Billy Blanco - e impondo a música brega-popularesca, sobretudo forró-brega, breganejo e tecnobrega, como mercado único. A MPB que arrume um dueto com um ídolo popularesco de plantão para penetrar nesses locais. Jards, ao que tudo indica, não precisou de dueto com um popularesco de plantão, seja um piseiro ou um axezeiro, para tocar num f...

BURGUESIA ILUSTRADA E SEU VIRALATISMO

ESSA É A "FELICIDADE" DA BURGUESIA ILUSTRADA. A burguesia ilustrada, que agora se faz de “progressista, democrática e de esquerda”, tenta esconder sua herança das velhas oligarquias das quais descendem. Acionam seus “isentões”, os negacionistas factuais, que atuam como valentões que brigam com os fatos. Precisam manter o faz-de-conta e se passar pela “mais moderna sociedade humana do planeta”, tendo agora o presidente Lula como fiador. A burguesia ilustrada vive sentimentos confusos. Está cheia de dinheiro, mas jura que é “pobre”, criando pretextos tão patéticos quanto pagar IPVA, fazer autoatendimento em certos postos de gasolina, se embriagar nas madrugadas e falar sempre de futebol. Isso fora os artifícios como falar português errado, quase sempre falando verbos no singular para os substantivos do plural. Ao mesmo tempo megalomaníaca e auto-depreciativa, a burguesia ilustrada criou o termo “gente como a gente” como uma forma caricata da simplicidade humana. É capaz de cele...

MASSACRE NOS COMPLEXOS DO ALEMÃO E DA PENHA E A HIPOCRISIA DO “COMBATE AO PRECONCEITO”

A chacina ocorrida nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, mostram o caráter de hipocrisia da burguesia ilustrada e de seus representantes da intelectualidade, que durante anos apelaram para a campanha do “combate ao preconceito” como forma de forçar a permanência da degradação sociocultural do povo pobre. A ideia de fazer apologia à bregalização, glamourizando a pobreza, passando pano na baixa escolaridade e no trabalho precário, incluindo o comércio clandestino e a prostituição, vinda de intelectuais badalados que se elogiavam uns aos outros, fazia com que as favelas virassem cenários definitivos, como se fossem habitats naturais do povo pobre. Tudo era feito para “prender” os pobres na sua inferioridade social e essa ideologia do dito “combate ao preconceito” enganou e sabotou as esquerdas. A ideia da “pobreza linda”, as favelas vistas como “paraísos da gente humilde” fazia antropólogos, cineastas, historiadores, músicos e críticos musicais despejarem seu elitismo cul...

LULA ESTÁ CANSANDO COMO ORADOR DE CÚPULA

Qualquer semelhança com a Rio-92 não é mera coincidência. Hoje o presidente Lula está mais próximo da figura espetaculosa de Fernando Collor do que do antigo líder sindical. E vemos o quanto anda repetitivo o ato de Lula discursar, na ânsia de buscar o reconhecimento mundial, enquanto o presidente brasileiro deveria ter falado menos, evitado a priorização da política externa no começo do terceiro mandato e focasse nos assuntos trabalhistas e na resolução de outros problemas brasileiros. Diante do aquecimento para a COP30, Lula participa da cúpula da CELAC, Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, na Colômbia, mais preocupado em ser presidente do mundo do que do Brasil. Eleito para combater a fome dos brasileiros, Lula desviou o foco e mais parece empenhado em montar o Sul Global do que em trabalhar nas pautas brasileiras, que ele deixa para última hora. Pouco importa o juízo de valor da burguesia de chinelos que acha que foi um “acerto” Lula priorizar a política externa. O...