Pular para o conteúdo principal

CLASSE MÉDIA DE ESQUERDA QUER "MILAGRE BRASILEIRO" SEM DOI-CODI NEM AI-5


A impressão que se tem é que as esquerdas médias estão cansadas de serem de esquerda. Nominalmente, continuam se declarando "esquerdistas" e acreditando que o presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva fará um mandato "mais à esquerda" do que os dois anteriores, o que sabemos que é uma grande mentira. 

A manutenção do teto de gastos públicos, legado de Michel Temer, apenas negociando a flexibilização do valor-limite, é uma sinalização de que o terceiro governo Lula nada terá de progressista, sepultando o que havia de esquerdismo que já não era tanto e desapareceu assim que o petista saiu da prisão.

As esquerdas médias pouco se importam. Lula vai fazer privatização maquiada de concessão de serviço privado de uma instituição pública? Lula vai dar um aumento salarial medíocre, acrescentando apenas R$ 107 ao R$ 1.212 deste ano? Lula vai socorrer as famílias pobres apenas com R$ 600 de Bolsa Família? A cobrança de impostos aos mais ricos ficará só na promessa? Para as esquerdas médias, isso pouco lhes importa.

Se nos governos anteriores de Lula tivemos que enfrentar o culturalismo neoliberal da intelectualidade "bacana", que sabotou o projeto progressista defendendo a bregalização cultural - aquela choradeira de "combate ao preconceito" (ver Esses Intelectuais Pertinentes...) - , hoje já nem temos, de progressista, o projeto econômico, restando agora um neoliberalismo com alguma concessão social.

Lula não foi eleito prioritariamente pelas classes trabalhadoras, que o viram como um traidor, um pelego. Ele foi eleito prioritariamente pela classe média, que pode ser considerada "bem de vida", ainda que abaixo dos valores dos ricos propriamente ditos e dos super-ricos.

Essa classe média segue uma linhagem que vem do "milagre brasileiro". Foram pessoas felizes no tempo da ditadura militar. Viveram no conforto, felizes vendo a bregalização na TV, consumindo os "brinquedos culturais" de uma mídia que julgavam "isenta" e "imparcial", daí que nunca desconfiaram que coisas como a bregalização musical e o obscurantismo religioso (do qual o Espiritismo brasileiro é seu exemplo mais engenhoso) que serviam aos interesses do culturalismo ditatorial.

Mesmo entre as esquerdas de classe média, há essa "pedagogia" trazida pelo "milagre brasileiro". Daí a visão distorcida das classes populares, sempre naquela ilusão paternalista e etnocêntrica de acreditar numa "pobreza linda", na "admirável vida" nas favelas, trabalhando na prostituição e no comércio clandestino, se divertindo no alcoolismo, e as meninas pobres, algumas ainda crianças, "recebendo educação sexual" sem precisar ler Simone de Beauvoir, transando em plenos "bailes funk".

É triste, mas essas coisas são consideradas "lindas" por uma intelectualidade que se diz "sem preconceitos" e se julga "a mais legal do Brasil". Pessoas consideradas "santas" nas buscas do Google, porque seus discursos, embora no fundo vejam o povo pobre de maneira pejorativa, são desprovidos de raiva e de retórica de intolerância.

Muita gente de esquerda agora nem quer saber mais da polarização entre valores neoliberais e valores socialistas, a antiga dicotomia direita versus esquerda. Agora é raivismo versus positividade, e hoje se os valores de direita são servidos sem a gramática do hidrofobês, qualquer valor conservador vira "progressista", mesmo que prejudique as classes populares.

Os "brinquedos culturais", com seus funqueiros, "médiuns", futebolistas, mulheres-objetos etc, estão guardados no armário das esquerdas médias. Elas tentam moderar no culturalismo, num momento em que, em contrapartida, um Lula castrado politicamente por Geraldo Alckmin - reeditando a fase parlamentarista de João Goulart sob a batuta de Tancredo Neves, em 1961-1962 - estabelece uma agenda cada vez menos progressista.

E aí vemos que as esquerdas médias só querem discurso macio, sorrisos, aceitação, pessoas que mais ouvem do que falam e, quando falam, só falam coisas boas, jogam conversa fora ou contam piada. Já não querem uma agenda de esquerda, pois o que o pessoal fala agora como "esquerda" é apenas a Psicologia da Conformidade.

E não é porque o único sobrevivente da antiga reunião do AI-5, o ministro do governo Costa e Silva, Delfim Netto, seja hoje um apoiador de Lula (o que eu não vejo, pessoalmente, um problema, porque Delfim mudou muito, embora seja de "centro"). É porque a nata dos esquerdistas mainstream, que predominam na mídia progressista, é em grande parte de pessoas que eram crianças ou adolescentes nos anos de chumbo, e que viam felizes a bregalização correr solta na televisão.

É certo que esses esquerdistas descartaram antigos "heróis", como Sílvio Santos e Roberto Carlos, ambos de certa forma colaboradores da bregalização nos anos 1970. As esquerdas médias não querem mudar o mundo. Elas querem apenas ter sua parcela de benefícios dentro do sistema de valores neoliberal e conservador que o Brasil vive.

Ou seja, a classe média de esquerda quer um "milagre brasileiro" sem DOI-CODI, sem AI-5, sem prisões de inocentes de qualquer espécie, de hippies a opositores da ditadura. Tira-se apenas o aparato censor e repressivo, mas de conservador se mantém a breguice do espetáculo midiático, do obscurantismo religioso pretensamente filantrópico, do sensacionalismo televisivo sem ódio, mas que faça apenas rir, e do fanatismo futebolístico de sempre.

Se não houver o idioma do hidrofobês, a gramática do raivismo e a retórica da intolerância, vale qualquer retrocesso narrado com lábios de mel e escrito com dedos cheirando a jardins floridos. Vive-se a ilusão de que qualquer coisa conservadora e retórica servida sem a estética da raiva é "progressista". Vão entender as esquerdas de hoje...
 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

ESQUERDAS CORTEJANDO UMA CANTORA IDENTITARISTA... MAS CAPITALISTA

CARTAZ DA BOITEMPO JUNTANDO KARL MARX E MADONNA NO MESMO BALAIO. O Brasil está tendo uma aula gratuita do que é peleguismo, com Lula fazendo duplo jogo político enganando o povo pobre e se aliando com os ricos, e do que é pequena burguesia, com uma elite de classe média abastada que aoosta num esquerdismo infantilizado, identitarista e indiferente aos verdadeiros problemas das classes trabalhadoras. As esquerdas mainstream do Brasil, as esquerdas médias, são a tradução local da pequena burguesia falada pela teoria marxista. Uma esquerda que quer soar pop e que, através dos “brinquedos culturais” que fazem do Brasil a versão vida real da novela das 21 horas da Rede Globo, quer o mundo da direita moderada convertido num pretenso patrimônio esquerdista. Isso faz as esquerdas soarem patéticas em muitos momentos. Como se observa tanto na complacência do jornalista Julinho Bittencourt, da Revista Fórum, com o fato da apresentação de Madonna em Copacabana, no Rio de Janeiro, não ter músicos e

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

O PESADELO GAÚCHO QUE DESAFIA O "SONHO BRASILEIRO"

O CENTRO DE PORTO ALEGRE COM ÁGUA QUE ATINGIU CINCO METROS DE ALAGAMENTO. Não há como sonhar grande. O risco de cair da cama é total. A terrível tragédia do temporal no Rio Grande do Sul é algo que nos faz parar para pensar. Isso é normal para um país próspero? Falta alguma consciência ambiental no nosso país? Até o fechamento deste texto, 56 pessoas morreram e vários estão entre feridos, desabrigados e desaparecidos. Porto Alegre, Caxias do Sul e Gramado estão entre as inúmeras cidades atingidas por chuvas intensas, vendavais, trovoadas e transborda de rios, entre eles o Guaíba. E nós manifestamos pesar sobre essa traumatizante ocorrência e solidariedade às vítimas. A situação é muito triste, mas não deixa de ser lamentável o oportunismo das subcelebridades, aspirantes a super-ricos, de oferecer doações milionárias para as vítimas das enchentes. Uma sociedade que, em condições naturais, quer demais para si e, egoísta, não quer abrir mão do supérfluo para ajudar o próximo a ter o neces

BRASIL NO APOGEU DO EGOÍSMO HUMANO

A "SOCIEDADE DO AMOR" E SEU APETITE VORAZ DE CONSUMIR O DINHEIRO EM EXCESSO QUE TEM. Nunca o egoísmo esteve tão em moda no Brasil. Pessoas com mão-de-vaca consumindo que nem loucos mas se recusando a ajudar o próximo. Poucos ajudam os miseráveis, poucos dão dinheiro para quem precisa. Muitos, porém, dizem não ter dinheiro para ajudar o próximo, e declaram isso com falsa gentileza, mal escondendo sua irritação. Mas são essas mesmas pessoas que têm muito dinheiro para comprar cigarros e cervejas, esses dois venenos cancerígenos que a "boa" sociedade consome em dimensões bíblicas, achando que vão viver até os 100 anos com essa verdadeira dieta do mal à base de muita nicotina e muito álcool. A dita "sociedade do amor", sem medo e sem amor, que é a elite do bom atraso, a burguesia de chinelos invisível a olho nu, está consumindo feito animais vorazes o que seus instintos veem como algo prazeroso. Pessoas transformadas em bichos, dominadas apenas por seus instin

FLUMINENSE FM E O RADIALISMO ROCK QUE QUASE NÃO EXISTE MAIS

É vergonhoso ver como a cultura rock e seu mercado radiofônico se reduziram hoje em dia, num verdadeiro lixo que só serve para alimentar fortunas do empresariado do entretenimento, de promotoras de eventos, de anunciantes, da mídia associada, às custas de produtos caros que vendem para jovens desavisados em eventos musicais.  São os novos super-ricos a arrancar cada vez mais o dinheiro, o couro e até os rins de quem consome música em geral, e o rock, hoje reduzido a um teatro de marionetes e um picadeiro da Faria Lima, se tornou uma grande piada, mergulhada na mesmice do hit-parade . Ninguém mais garimpa grandes canções, conformada com os mesmos sucessos de sempre, esperando que Stranger Things e Velozes e Furiosos façam alguma canção obscura se popularizar. Nos anos 1980, houve uma rádio muito brilhante, que até hoje não deixou sucessora à altura, seja pelos critérios de programação, pelo leque amplo de músicas tocadas e pela linguagem própria de seus locutores, seja pelo alcance do s