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"COMO NOSSOS PAIS" REAFIRMA TEMPERAMENTO DIFÍCIL E INCOMPREENDIDO DE BELCHIOR


Durante o evento de posse da nova diretoria do do SindmetalABC (Sindicato dos Metalúrgicos do ABC), em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, no último domingo, o presidente Luís Inácio Lula da Silva e sua esposa, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, se emocionaram com a participação de Maria Rita Mariano, que cantou "Como Nossos Pais", de Belchior, sucesso consagrado pela mãe da cantora, Elis Regina.

"Impossível não se emocionar", limitou-se a escrever Janja nas redes sociais, indicando que a comoção pela interpretação à capela de Maria Rita é, até certo ponto, merecida, mas um tanto descontextualizada, pois sabe-se que, neste caso, continuou a indiferença em relação à letra da canção de Belchior.

A letra é dura, é uma grande bronca na juventude da Contracultura dos anos 1960, principalmente a brasileira. Se observarmos o que quis dizer Belchior, ele reclamava do fracasso das manifestações estudantis, dos movimentos artísticos e do ativismo sociopolítico dos hoje considerados grupos identitários (que, no contexto dos anos 1960, tinham maior relevância e contundência em relação aos movimentos inócuos de hoje).

Belchior reclamava do fato de que os jovens haviam repetido os erros do passado, além de terem se acomodado quando a ditadura militar se tornou mais repressiva. Nem a Passeata dos Cem Mil conseguiu recuperar a democracia, e a música de 1976 - tanto Belchior quanto Elis gravaram a canção naquele ano - era um soco na barriga dos que passaram a aceitar o "novo normal" do Brasil popularesco, místico, festivo, surgido a partir do "milagre brasileiro".

Era uma bronca ao desbunde e à bregalização, a tudo aquilo que, hoje, é visto como "vintage" ou "vanguarda", por conta de pessoas que eram crianças e adolescentes naquela época e supervalorizam o culturalismo de então por causa da memória solipsista dos passeios familiares, por lembranças do tipo "eu comi cachorro-quente com Coca-Cola pela primeira vez quando estava no parquinho e rolava no rádio aquele sucesso do Paulo Sergio".

A juventude perdeu o poder de contestar, de se mobilizar, preferiu a "curtição" alucinógena e entorpecente nas praias exóticas da Bahia, como Trancoso. E na época "a viagem" tinha um duplo sentido nesse culturalismo imbecil, podendo ser tanto as sensações do consumo de alucinógenos ou maconha quanto pode ser o nome de uma novela "espírita" que trouxe azar para a TV Tupi (e, no remake da Rede Globo, arruinou com a carreira de cineasta de Guilherme Fontes, que completou o filme sobre o dono da TV Tupi depois de tanta demora e infortúnios, e parou por aí).

Belchior tinha um temperamento difícil, tanto que em 2009 ele simplesmente sumiu, e foi visto como um "anormal" por isso. Ele passou a ser esnobado pela mídia e pelas redes sociais, num momento em que "normal" era o cantor Belo bancando o falso emepebista. O "desaparecimento" de Belchior era uma forma de reagir às pressões da sociedade, uma amostra da insubmissão do cantor e compositor, que simplesmente não estava aí para dar satisfação a quem quer que seja.

Belchior, falecido em 2017, agora virou um pretenso ídolo dos brega-identitários de hoje, a fina flor das esquerdas festivas que descendem ou derivam justamente da geração desbunde dos anos 1970. Até apareceu uma camiseta com a foto do cantor no controverso comercial da Volkswagen, aquele que usou imagens de Elis Regina montadas pela Inteligência Artificial para "interagir" digitalmente com a filha.

E infelizmente o governo Lula se rendeu completamente àqueles que buscaram sabotar o projeto progressista original, a ponto deste ter sido diluído até não sobrar senão uma pálida sombra dele. Lula complacente com a Faria Lima e não convencendo ao brincar de ser Brizola no caso da Eletrobras, só trouxe medidas paliativas, dando muito pouco para os pobres, enquanto enche de muita grana os bolsos dos deputados do Centrão, da classe artística mais endinheirada de dos jornalistas da mídia alternativa, agora convertida, pelo menos da parte do Brasil 247, no Fã-Clube Oficial do Presidente Lula.

Ou seja, a geração que hoje apoia Lula não difere muito, em acomodação e indiferença, em curtição alienada e no consumismo de bens caros e emoções baratas, àquela reprovada por Belchior. Mesmo aparentemente cultuado, Belchior continua sendo incompreendido e certamente seu temperamento difícil não veria com bons olhos essa bajulação toda à sua imagem pessoal.

Ver que os lulistas de hoje ainda são os mesmos que vivem como os seus pais que pediram a queda de João Goulart e a implantação do AI-5, e viveram as benesses do "milagre brasileiro", que seus filhos querem que seja mantido apenas repaginado, retirando apenas os aspectos negativos do antigo fenômeno econômico.

Desse modo, elimina-se os generais, os censores, os repressores e órgãos tipo DOI-CODI e DOPS, e o próprio AI-5 substituído por um AI-SIMco que rejeitasse o senso crítico e a contestação para que, tão calados quanto nos anos de chumbo, os brasileiros possam transformar o Brasil num "Primeiro Mundo de mentirinha", um parque de diversões para as esquerdas festivas do desbunde brega atual curtirem.

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