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A DECADÊNCIA SIMBÓLICA DA VELHICE, TAL COMO ENTENDEMOS

LUÍSA MELL E GILBERTO ZABOROVSKI FORAM ATACADOS NA INTERNET 

Lendo o texto de Nina Lemos sobre os ataques que Luísa Mell, apresentadora e ativista em prol dos animais, teve ao ser casada com Gilberto Zaborovski, passei a escrever esta postagem.

Luísa foi atacada porque Gilberto - empresário que foi casado, antes, com a atriz Vivianne Pasmanter, hoje com 49 anos a serem completos daqui a poucos meses - , 16 anos mais velho que a ativista, estava muito doente por conta do coronavírus.

Ontem a piora parou e Gilberto, que anos antes havia feito tratamento contra uma doença grave, está se recuperando da Covid-19 em casa, vivendo quarentena com a esposa e o filho do casal.

Luísa Mell tem 42 anos, e Gilberto, 58. Por conta da diferença etária, ela sofreu ataques do tipo "quem mandou casar com um velho?".

É uma postura cruel, marcada de preconceito, é verdade.

E além disso Gilberto tem a mesma idade que Tom Cruise, Jon Bon Jovi, João Barone (Paralamas do Sucesso), Nasi e Edgard Scandurra (Ira!). Já falecido, o "casseta" Bussunda também nasceu no mesmo ano. Ou seja, símbolos, de certa forma, de uma cultura marcadamente juvenil.

Mas hoje a própria "velhice" é marcada de preconceito, mesmo o preconceito "positivo" da "aceitação", que durante anos foi vista como "combate ao preconceito" e isso é o contrário.

O conceito de velhice está em decadência, da forma que conhecemos. E eu prevejo que a velhice tende a ser a fase mais complicada e difícil da vida. É doloroso afirmar isso, e isso vai apanhar sobretudo a chamada "sociedade de sucesso", as elites que detém o poder e o comando.

A geração nascida em 1950, 1960 e, mesmo nos primeiros anos da década de 1970, na qual eu estou inserido (tenho 49 anos), está em profunda crise. Já é uma geração perdida, diga-se de passagem.

Escrevo isto poucos minutos de eu acordar, de um cochilo da tarde, depois de sonhar que eu brincava com um garoto de 14 anos e seu irmãozinho de nove, que estavam cercando um grilo, num pequeno labirinto montado em um quarto retangular.

Eu brincava com eles - no contexto, eu tinha os mesmos 49 anos da vida real - com a cumplicidade de um adolescente, não era um tiozão fingindo que adora brincar com os mais jovens só para agradar.

Meus cabelos apresentam fios brancos, e nem por isso penso em maturidade, que, para mim, é uma grande ilusão. No fundo, maturidade é uma grande criancice a tentar preencher o vazio imaginativo das pessoas a partir dos 50 anos.

A geração nascida entre 1950 e 1974 eu chamo de "geração W" (da primeira letra das perguntas que lembram a fórmula do comunicólogo estadunidense Harold Lasswell - as perguntas "what", "who", "why" e "how" ("o quê", "quem", "por quê" e "como"), a última com "w" no final.

Afinal, é uma geração que chegou aos 50 anos com uma grande crise de identidade, carregando em si neuroses adormecidas na juventude.

Daí que eu costumo considerar que a adolescência vem com tudo a partir dos 50 anos. Muitos falam que os 50 anos são os "novos 30", mas eu brinco dizendo que eles devem ser os "novos 15".

Em todo caso, a "geração W" tornou-se perdida, porque se recusou a herdar o "poder jovem" da geração da Contracultura, majoritariamente desenvolvida por gente nascida nos anos 1940.

ROBERTO JUSTUS É DE UMA GERAÇÃO DE EMPRESÁRIOS QUE, NASCIDA NOS ANOS 1950, SE ENCANOU EM SE APROPRIAR DE REFERENCIAIS DOS ANOS 1940, EXPRESSANDO UM PEDANTISMO "VINTAGE".

O pedantismo vintage de Roberto Justus e contemporâneos de sobrenome Montgomery, Menga, Ghiaroni, Mundell etc, é na verdade um tipo de criancice.

É como crianças querendo se intrometer em conversas de adultos e querendo, de maneira pedante, entender e imitar o mundo deles.

Sejamos matemáticos. Temos um menino de oito anos, com um pai de 32 e amigos mais ou menos da idade do genitor. Some tudo isso com 50 ou 60 anos.

Dá a mesma proporção. "Meninos" de 68 anos querendo se intrometer em conversas de homens de 92 anos. Com a devida diferença de contexto, é o mesmo pedantismo.

Afinal, Justus e seus similares, que chegaram aos 50 anos casando com moças mais jovens, eram os "mauricinhos" dos anos 1970, que só queriam saber de ouvir soft rock e pop adulto, disco music e ver seriados de aventura na televisão.

Eles ficavam no seu quintal temporário dos anos 1970 e somente aos 50 anos eles se encanaram em perceber que os anos 1940 existiram e queriam se apropriar deles, dentro daquela perspectiva oportunista do "capital cultural" de que nos fala o sociólogo Jessé Souza.

Esse pedantismo "vintage" partiu de uma geração de empresários que não queria entender a MTV que suas esposas curtiam, mas em contrapartida era incapaz de entender o que foi a TV Excelsior.

Daí uma compreensão pedante, apressada e oportunista de uma cultura "vintage", cuja principal trilha sonora era o jazz que essa rapaziada nunca curtiu e nem curte exatamente, mas era usado para pura promoção pessoal dentro da sociedade chique e refinada.

Devemos nos lembrar que era um "jazz" mais próximo do Dixieland (jazz comportado e branco), nada que lembrasse as aventuras musicais de Dave Brubeck, Stan Getz, Gerry Mulligan, John Coltrane ou Charles Mingus.

Se bem que nem mesmo o romantismo soturno de Chet Baker essa geração consegue compreender. E Stan Kenton lhe é completamente desconhecido. E, de bateristas de jazz, Gene Kruppa e Buddy Rich praticamente "inexistem". Mas, afinal, quem foi o mais marcante baterista de Frank Sinatra?

Aliás, os "coroas granfinos" não conseguem entender sequer um Frank Sinatra "enferrujado", por "leituras" que os brasileiros fizeram dele no ocaso de sua carreira, quando se apresentou no Brasil em 1980.

E olha que Frank Sinatra não foi necessariamente um jazzista, apenas teve eventuais experiências no gênero, sem ser alguém mais adentrado no mesmo.

Só o complexo de vira-lata para fazer esses "meninos" de quase 70 anos se promoverem com uma forçada e pedante apreciação do jazz.

Mas, voltando à questão da velhice, isso cria mil dilemas, mil constrangimentos, tanto no que se diz à obsessão errada pela juventude como também o horror, na meia-idade, por tudo que soar associado ao universo juvenil.

Temos um contexto machista que produz tanto Roberto Justus quanto Solange Gomes - a ex-musa da Banheira do Gugu que, recentemente, usou os bustos siliconados para "pedir aos brasileiros que fiquem em casa" - , esta um paradigma de mulher-objeto levado às últimas consequências.

De um lado, um empresário que parece ter os pés presos num par de sapatos de couro, chamando a Covid-19 de "gripezinha" (depois ele voltou atrás) e falou que "quem vai morrer são os velhinhos e doentes". Como se Justus não fosse um "velhinho", apesar de 65 anos.

Aliás, o que é ser "velhinho"? Pete Shelley, dos Buzzcocks, e o nosso Kid Vinil também teriam 65 anos, hoje. E Rita Cadillac já passou disso, tem 66 anos.

E isso permite que Solange Gomes, com 46 anos, fique "sensualizando demais" como se tivesse 18 anos, no alvorecer dos hormônios e da libido? Não.

Mas aí isso envolve outros problemas, até porque o "feminismo" da suposta "liberdade do corpo" (essa praga que escraviza certas consciências femininas) não passa de um machismo enrustido, pois trabalha a sensualidade feminina sob uma ótica machista.

Só que isso é um outro assunto. Falemos da questão da "maturidade" da "geração W".

A geração W - que vai mais ou menos da geração de Justus até a de Luciano Huck - foi a que mais cometeu uma burrada digna de moleques de 15 anos.

Não conseguiram dar aos seus filhos uma formação cultural relevante. Daí que estes passaram a ouvir um pop mais rasteiro, mais cafajeste, mais ultracomercial. Ou a ler apenas literatura anestésica como são a maioria dos "diários de youtuber" que, salvo exceções, são irrelevantes.

Mas os próprios pais surtaram, não aceitando as mudanças na humanidade no século XXI, e resolveram defender Donald Trump, Jair Bolsonaro, Brexit e os retrocessos sociais.

Os "velhos" de hoje pedem respeito a eles, mas eles desrespeitaram os mais velhos, sobretudo no Brasil, onde os legados do Modernismo e da Era Vargas eram ridicularizados.

Daí que tivemos uma intelectualidade pró-brega, puxada por Paulo César de Araújo, que de forma preconceituosa via no legado modernista um "patrimônio das elites burguesas preconceituosas".

Falavam em "combate ao preconceito" com uma repetição que mais parece aquele ditado: "quem muito diz ser, no fundo não é". A bregalização era defendida por uma elite intelectual que eu defini como "sem preconceitos", mas muitíssimo (e cruelmente) preconceituosa.

E no caso da política? Senhores com cabelos grisalhos ou brancos apedrejando a caravana do Lula, jogando lixo no chão, escrevendo besteiras nas redes sociais?

E tantos "coroas" tresloucados nas passeatas golpistas de 2015-2016 e, depois, nas passeatas fascistas das quais a insanidade mental é tamanha que andam tocando hinos militares a qualquer hora?

Gente falando mal de um "comunismo" que, de tão abstrato e indefinido, soa tão risível, pois, no momento atual, chegou-se ao ponto de chamar a Rede Globo de "comunista", vejam só!

E isso quando homens de 65 anos, justamente aqueles senhores com jeitão "amadurecido" e "ar paternal", são acusados, também, de assédio sexual, de corrupção política, de administrações desastrosas, de tratamento leviano com as leis.

Nunca se foi tão imaturo aos 50, 60 e 70 anos.

A "geração W" não criou condições para o desenvolvimento da ciência, do meio ambiente nem da cidadania. Não conto as exceções, mas elas destoam do contexto geral de seus contemporâneos, correm por fora do "gado grisalho" de hoje.

Renegaram as lições da Contracultura, que se tornou mais relevante do que imaginava.

Afinal, ao ver as matérias antigas de O Cruzeiro, em 1971, me surpreendi quando o recém-falecido Daniel Azulay, que eu curti na minha infância, começou sua carreira parecendo um "hippie sujo", imagem preconceituosa que a sociedade fazia dos jovens contraculturais da época.

Pois Daniel Azulay fez muito mais em prol da formação social de nossas crianças do que mil "homens de bem" impecavelmente "elegantes" e "sofisticados".

Se Azulay não conseguiu mudar o nosso país, foi porque ele não pôde alcançar a visibilidade necessária para tal finalidade, ele que era considerado "sem graça" para os padrões comerciais da grande mídia.

Infelizmente, a própria ditadura contribuiu para a má formação de nossos "velhos". Como por exemplo as religiões favorecidas e patrocinadas pelos militares e pela "sociedade civil" associada: os evangélicos "neopentecostais" e a religião "espírita".

Estas duas categorias religiosas, a primeira um pastiche do verdadeiro Protestantismo, a segunda um arremedo mofado e neo-medieval do Catolicismo, criaram neuroses em seus seguidores.

Seitas como a Igreja Universal do Reino de Deus, a Assembleia de Deus e a Igreja Internacional da Graça de Deus geraram fiéis reacionários e tresloucados numa compreensão "terraplanista" da realidade.

Defendem um Brasil caricato, se enrolam numa bandeira brasileira, como se fosse toalha de banho, para louvar a Estátua da Liberdade através de uma réplica instalada em cada filial da Havan, ao som de hinos militares.

Os "espíritas", por sua vez, vivem de apreciar "contos de fadas para adultos", na masturbação pelos olhos a cada estória trágica que ouvem, com o prazer sádico de ver gente sofrer, mas sob a desculpa de ouvirem "casos de fé e superação".

Apreciam literatura fake tão ruim e falsa quanto as fake news que seus filhos veem através de páginas como "Folha Política" e "Terça Livre".

E cultuam um "médium de peruca" cuja trajetória não foi muito diferente da de Jair Bolsonaro, e também foi acusado de ter tido problemas mentais, além de ser um reacionário incurável.

São essas duas abordagens religiosas, igualmente medievais, com "evangélicos" pedindo "intervenção militar", "espíritas" dizendo que "sofrer é tão bonito", e ambos acreditando, à sua maneira, que o Brasil vai "dominar o mundo", que desnorteiam a sociedade.

E, o que é pior, também fazendo depreciar o sentido que antes se tinha de "maturidade" e "velhice".

Por um lado, isso é bom. Afinal, a glamourização da velhice trazia cobranças pesadas nos mais velhos, obrigados a sempre ostentar sabedoria e querer ensinar aquilo que não sabem.

Isso é perigoso, uma vez que a mente humana se desgasta e o ideal não é jogar "mais coisas" nas mentes dos vovôs, mas fazê-los manter intatos aquilo que aprenderam e sabem.

Vergonhoso ver empresário, médico e economista de 65, 68 anos fazendo palestras com o roteiro e a redação feitos pelos seus filhos mais velhos. Na obsessão em "querer ensinar", comete-se esse vexame enquanto se tem vergonha em cursar uma nova faculdade, depois dos 50 anos.

Talvez tenhamos que passar um bom tempo nos acostumando do vazio da velhice, porque o sentido dela estará passando por uma transformação difícil, porque conflituosa e complexa.

Isso é muito doloroso, mas teremos que aceitar isso. O consolo é que em breve não precisaremos ter a obrigação em insistir numa criancice chamada "maturidade", apenas deixando a vida fluir como sempre fluiu.

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