Pular para o conteúdo principal

GOURMETIZAÇÃO DO BREGA REVELA ESTUPIDEZ DOS INTELECTUAIS "BACANAS"


Coisas de uma visão solipsista. Para quem não sabe, solipsismo é quando a pessoa concebe sua visão de mundo baseada nas suas impressões pessoais, nos seus juízos de valor e no seu nível de compreensão que, não obstante, é bastante precário. 

Dito isso, dá para perceber como muita gente boa caiu nas narrativas bastante equivocadas das elites intelectuais que, compondo a parcela mais "bacana" do seu meio, defenderam a bregalização cultural sob o pretexto choroso-festivo (?!) do "combate ao preconceito" (ver meu livro Essa Elite Sem Preconceito (Mas Muito Preconceituosa)...).

Essas narrativas não correspondem à realidade. Elas se baseiam na falácia de que a bregalização cultural seria "cultura de vanguarda" apenas por uma única, vaga e nada objetiva justificativa: a suposta provocatividade e a hipotética rejeição da chamada "alta cultura", como as críticas dadas a uma imaginária elite burguesa ortodoxa que não existia sequer no colunismo social tradicional de Jacintho de Thormes.

A ideia é tratar os ídolos cafonas como se fossem "o novo" na cultura brasileira, através de um discurso que enfatizava a rejeição de supostos setores da opinião pública, que incluíam personagens imaginários como o roqueiro ranzinza resmungando com seus cotovelos e a dondoca apavorada tomando altas doses de Rivotril.

Enquanto isso, a narrativa da provocatividade se apropriava, de maneira bastante tendenciosa e sem um pingo de lógica, tanto da estética discursiva do Tropicalismo, como se a provocatividade fosse um tipo de guerrilha cultural, quanto da descontextualização de fenômenos do passado, usando nomes há muito tempo falecidos como Oswald de Andrade, Chiquinha Gonzaga e Gregório de Matos, para assinar embaixo na bregalização e nas ondas popularescas recentes.

Era aquela coisa. Se o som popularesco era bastante americanizado - vide o forró-brega que tem mais de disco music do que de som nordestino, e o breganejo que não passa de cópia fajuta do que já é mais comercial e fajuto no Tex-Mex que une country e mariachi - , chame Oswald de Andrade e sua Antropofagia Cultural para "defender" essa tese.

Aqui temos a confusão entre Antropofagia Cultural e viralatismo cultural. A bregalização, com sua obsessão em imitar o pop comercial estrangeiro que contamina todos os fenômenos popularescos, dos antigos boleros cafonas à axé-music, do pop televisivo brega dos anos 1970 (vide Gretchen, por exemplo) ao trap, do "funk" à lambada, é viralatismo, pois as influências estrangeiras não se dão de forma horizontal, compartilhada de forma comunitária, mas vertical, transmitida "de cima" pela mídia e pelo mercado.

Se o som popularesco é muito erotizado, que sequestremos o cadáver da Chiquinha Gonzaga para forçá-lo a assinar um atestado apoiando essa sexualização vista sobretudo no "funk" e no "pagodão" baiano, este a partir do É O Tchan. Se há muita baixaria, recorramos da mesma forma para o Gregório de Matos que, coitado, falecido há mais de 300 anos, têm que assinar embaixo no que o "batidão" e a "suingueira" estão fazendo nos últimos 30 anos.

Tudo isso se permitiu por conta das carteiradas que historiadores, antropólogos, jornalistas culturais e cineastas envolvidos na campanha pela bregalização, que, sob a desculpa de promoverem o "fim do preconceito" (desculpa esfarrapada para a bregalização ampliar mercados para quem tem mais poder aquisitivo), tentaram comover a opinião pública com suas visões "objetivas" sobre os fenômenos popularescos.

Todo mundo caiu na lábia de um Paulo César de Araújo que "pesquisou muito", de um Pedro Alexandre Sanches que "entrevistou muita gente boa", de uma Denise Garcia que "mostrou várias visões nos seus documentários", de um Milton Moura "cheio de provocatividade". Todos "santificados" pelas páginas da Internet, até eu, com exclusividade, desmascarar a farsa toda no meu antigo blogue Mingau de Aço.

Esse pessoal mostra a indigência e a ignorância intelectual da elite do atraso, hoje repaginada como "elite do bom atraso", os eternos herdeiros da Casa Grande e das velhas oligarquias históricas do passado que, agora, "ressignificadas", são autoproclamadas como "a geração mais legal do planeta, predestinada a dominar o mundo com seu jeito alegre e democrático de ser". Fácil bancar o "mais legal do planeta" pouco depois de seus amados avós pedirem a queda de Jango e a instauração ao AI-5.

A "ressignificação" do Pelourinho, de um trágico local de punição dos negros escravizados para uma paisagem de consumo da burguesia de chinelos de Salvador - ouvinte da Rádio Metrópole e tiete de Bell Marques e do É O Tchan - , e a adoração de "médiuns" retrógrados que defendem radical e abertamente a ditadura militar em programas de TV e seminários, mostram o quanto essa elite "democrática" que pede "mais amor, por favor" tem um DNA golpista correndo nos seus sangues ferventes.

E aí vemos o quanto a intelectualidade pró-brega é ignorante. Cansada de ouvir as mesmas músicas tropicalistas de sempre - e somente essa elite ouvia, porque o chamado "povão" mal conseguia conhecer a MPB autêntica que a Rede Globo autorizava ser divulgada através das trilhas sonoras de novelas - , só essa burguesia intelectual é que via na cultura brega uma "novidade", eles nunca viram a bregalização de perto e, quando viram, perceberam algo que era "inédito" somente para eles.

Trancados em suas mansões e apartamentos de luxo, a intelligentzia tentava nos convencer do falso vanguardismo do brega e de todos os derivados da música popularesca que veio em seguida. Tudo por conta de uma narrativa da pretensa provocatividade e de uma gourmetização de todos os aspectos de pobreza e inferioridade social que existem nessa suposta "cultura popular com P maiúsculo".

Mas sabemos que esse vanguardismo é uma grande mentira. O brega, como todo fenômeno popularesco que se seguiu, nunca foi, nem é nem será de vanguarda, pois ele sempre se sustentava por modismos estrangeiros ultrapassados. 

Portanto, o brega é retaguarda, não vanguarda. E não adianta intelectual gastar voz nem parágrafo tentando justificar o contrário, alegando a suposta "forma própria" dos brasileiros trabalharem, na bregalização, a influência estrangeira, porque isso é desprovido de qualquer fundamento e objetividade.

E isso é bastante curioso, pois revela a hipocrisia e a ignorância dessas elites intelectuais, que exigem demais quando nós queremos fazer pós-graduação com temáticas sérias e relevantes, mas que falham na cosmética discursiva das monografias rebuscadas (ou seja, não conseguimos escrever de maneira "difícil" para agradar as bancadas acadêmicas).

No entanto, são essas mesmas elites, que arrotam pretensa superioridade técnica, que permitem que um Milton Moura escreva bobagens defendendo o "pagodão" pós-Tchan e teses sobre o "funk" e sua "sociologia de fachada", usando de maneira leviana técnicas narrativas do Novo Jornalismo (Tom Wolfe) e da História das Mentalidades (Marc Bloch) para dar um verniz "científico" à causa, mascarando teses sem pé nem cabeça por conta de narrativas ao mesmo tempo agradáveis e que sejam convincentes a um público mais desavisado. E como tem gente desavisada no nosso país...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

INFANTILIZAÇÃO E ADULTIZAÇÃO

A sociedade brasileira vive uma situação estranha, sob todos os aspectos. Temos uma elite infantilizada, com pessoas de 18 a 25 anos mostrando um forte semblante infantil, diferente do que eu via há cerca de 45 anos, quando via pessoas de 22 anos que me pareciam “plenamente adultas”. É um cenário em que a infantilizada sociedade woke brasileira, que chega a definir os inócuos e tolos sucessos “Ilariê” e “Xibom Bom Bom” cono canções de protesto e define como “Bob Dylan da Central” o Odair José, na verdade o “Pat Boone dos Jardins”, apostar num idoso doente de 80 anos para conduzir o futuro do Brasil. A denúncia recente do influenciador e humorista Felca sobre a adultização de menores do ídolo do brega-funk Hytalo Santos, que foi preso enquanto planejava fugir do Brasil, é apenas uma pequena parte de um contexto muito complexo de um colapso etário muito grande. Isso inclui até mesmo uma geração de empresários e profissionais liberais que, cerca de duas décadas atrás, viraram os queridões...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

BRASIL QUER SER POTÊNCIA COM VIRALATISMO

A "CONQUISTA DO MUNDO" DO BRASIL COMO "POTÊNCIA" É APENAS EXPRESSÃO DE UMA ELITE QUE SE SENTE NO AUGE DO PODER, A BURGUESIA ILUSTRADA. A vitória de uma equipe de ginástica rítmica que se apresentou ao som da tenebrosa canção "Evidências", composição do bolsonarista José Augusto consagrada pela dupla canastrona Chitãozinho & Xororó, mostra o espírito do tempo de um Brasil que, um século depois, vive à sua maneira os "anos loucos" ( roaring twenties ) vividos pelos EUA nos anos 1920. É o contexto em que as redes sociais espalham o rumor de que o Brasil já se tornou "potência mundial" e se "encontra agora entre os países desenvolvidos", sinalizando a suposta decadência do império dos EUA. Essa narrativa, própria de um conto de fadas, já está iludindo muita gente boa e se compara ao mito da "nova classe média" do governo Dilma Rousseff. A histeria coletiva em torno do presidente Lula, que superestima o episódio do ta...

TEM BRASILEIRO INVESTINDO NO MITO MICHAEL JACKSON

Já prevenimos que o cantor Michael Jackson, que teria feito 67 anos ontem, virou um estranho fenômeno "em alta" no Brasil, como se tivesse sido "ressuscitado" em solo brasileiro. Na verdade, o finado ídolo pop virou um hype  tão sem imaginação que a lembrança do astro se dá somente a sucessos requentados, como "Beat It", "Billie Jean" e "Thriller". Na verdade, essa reabilitação do Rei do Pop, válida somente em território brasileiro, onde o cantor é supervalorizado ao extremo, a ponto de inventar qualidades puramente fake  - como alegar que ele foi roqueiro, pesquisador cultural, ateu, ativista político etc - , é uma armação bem articulada tramada pela Faria Lima, sempre empenhada em ditar os valores culturais que temos que assimilar. De repente Michael Jackson começou a "aparecer" em tudo, não como um fantasma assombrando os cidadãos, mas como um personagem enfiado tendenciosamente em qualquer contexto, como numa estratégia de...

A MIRAGEM DO PROTAGONISMO MUNDIAL BRASILEIRO

A BURGUESIA ILUSTRADA BRASILEIRA ACHA QUE JÁ CONQUISTOU O MUNDO. Podem anotar. Isso parece bastante impossível de ocorrer, mas toda a chance do Brasil virar protagonista mundial, e hoje o país tenta essa façanha testando a coadjuvância no antagonismo político a Donald Trump, será uma grande miragem. Sei que muita gente achará este aviso um “terrível absurdo”, me acusando de fazer fake news ou “ter falta de amor a Deus”, mas eu penso nos fatos. Não faço jornalismo Cinderela, não estou aqui para escrever coisas agradáveis. Jornalismo não é a arte de noticiar o desejado, mas o que está acontecendo. O Brasil não tem condições de virar um país desenvolvido. Conforme foi lembrado aqui, o nosso país passou por retrocessos socioculturais extremos durante seis décadas. Não serão os milagres dos investimentos, a prosperidade e a sustentabilidade na Economia que irão trazer uma cultura melhor e, num estalo, fazer nosso país ter padrões mais elevados do que os países escandinavos, por exemplo....

MICHAEL JACKSON: O “NOVO ÍDOLO” DA FARIA LIMA?

MICHAEL JACKSON EM SUA DERRADEIRA APARIÇÃO, EM 24 DE JUNHO DE 2009. O viralatismo cultural enrustido, aquele que ultrapassa os limites do noticiário político que carateriza o “jornalismo da OTAN” - corrente de compreensão político-cultural, fundamentada num “culturalismo sem cultura”, que contamina as esquerdas médias abduzidas pela mídia patronal - , tem desses milagres.  O que a Faria Lima planeja em seus escritórios em Pinheiros e Itaim Bibi (nada contra esses bairros, eu particularmente gosto deles em si, só não curto as ricas elites da grana farta) acaba, com uma logística publicitária engenhosa, fazendo valer não só nas areias do Recreio dos Bandeirantes, mas também nos redutos descolados de Recife, Fortaleza e até Macapá. Vide, por exemplo, a gíria “balada”, jargão de jovens ricos da Faria Lima para uma rodada de drogas alucinógenas. Pois a “novidade” trazida pelos farialimeiros que moldam o comportamento da sociedade brasileira através da burguesia ilustrada, é a “ressurrei...

MÚSICA BREGA-POPULARESCA É UM PRODUTO, UMA MERA MERCADORIA

PROPAGANDA ENGANOSA - EVENTO NO TEATRO MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO EXPLORA A FALSA SOFISTICAÇÃO DO CONSTRANGEDOR SUCESSO "EVIDÊNCIAS", COM CHITÃOZINHO & XORORÓ. O Brasil tem o cacoete de gourmetizar modismos e tendências comerciais, como se fossem a oitava maravilha do mundo. Só mesmo em nosso país os produtores e empresários do entretenimento, quando conseguem entender a gramática de um fenômeno pop dos EUA e o reproduzem aqui - como, por exemplo, o Rouge como imitação das Spice Girls e o Maurício Manieri como um arremedo fraco de Rick Astley - , posam de “descobridores da roda”, num narcisismo risível mas preocupantemente arrogante. Daí que há um estigma de que nosso Brasil a música comercial se acha no luxo de se passar por “anti-comercial” usando como desculpa a memória afetiva do público. Mas não vamos nos iludir com essa mentira muito bem construída e muito bem apoiada nas redes sociais. Você ouve, por exemplo, o “pagode romântico”, e acha tudo lindo e amigável. Ouv...

BEATITUDE VERGONHOSA… E ENVERGONHADA

A idolatria aos chamados “médiuns espíritas” - espécie de “sacerdotes” desse Catolicismo medieval redivivo que no Brasil tem o nome de Espiritismo - é um processo muito estranho. Uma beatitude rápida, de uns poucos minutos ou, se depender do caso, apenas um ou dois dias, manifesta nas redes sociais ou pelo impulso a algum evento da mídia empresarial, principalmente Globo e Folha, mas também refletindo em outros veículos amigos como Estadão, SBT, Band e Abril. Parece novela ruim esse culto à personalidade que blinda esses charlatães da fé dita “raciocinada” - uma ideia sem pé nem cabeça que pressupõe que dogmas religiosos teriam sido “avaliados, testados e aprovados” pela Ciência, por mais patéticos e sem lógica que esses dogmas sejam - , tamanho é o nível de fantasias e ilusões que cercam esses farsantes que exploram o sofrimento humano.  Os “médiuns” foram e são mil vezes mais traiçoeiros que os “bispos” neopentecostais, mas são absolvidos porque conseguem enganar todo mundo com u...

LULA VIROU O CANDIDATO DA ELITE “LEGAL” QUE CONTROLA AS REDES

JOVENS DESPERDIÇANDO SEU DIREITO DE ESCOLHA APOSTANDO NA "DEMOCRACIA DE UM HOMEM SÓ" DE LULA. Um levantamento do Índice Datrix dos Presidenciáveis divulgou dados de agosto último, apontando a liderança do presidente Lula no engajamento das redes sociais. Lula teve um aumento de 55% em relação a julho e ocupa o primeiro lugar, com 24,39 pontos. Já Michelle Bolsonaro, um dos nomes da direita brasileira, cai 53%< estando com 18,80 pontos. Ciro Gomes foi um dos que mais cresceram, indo do sexto para o segundo lugar (verificar os pontos). Lula tornou-se o candidato predileto da “nação Instagram/Tik Tok”. Virou o político preferido da elite “legal” que domina as narrativas nas redes sociais. E isso acontece num contexto bastante complicado em que uma parcela abastada da sociedade aposta em Lula como fiador de um desejo insano de dominar o mundo. Vemos começar o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de envolvimento em um plano de golpe junto a outros militares. E te...

SOBRE A POLARIZAÇÃO ENTRE LULISTAS E BOLSONARISTAS

Sobre a polarização, tema a ser relembrado nas manifestações de hoje, Dia da Independência do Brasil, devemos refletir a respeito do lulismo. Os lulistas não admitem a hipótese de que Lula é o responsável pelo bolsonarismo. Em verdade, Lula não é mesmo, pelo menos por parte de seus propósitos, mas a atuação dele no poder, até em função da polarização que ele representa, acaba provocando a reação dos opositores mais radicais. Ou seja, Lula, estando no poder, sem querer acaba estimulando a reação bolsonarista. Lula não é extremista e seu esquerdismo, observando bem, é muito fraco e tão brando que não assusta a Faria Lima e nem representa rupturas com a ordem social vigente há pelo menos 50 anos. Mas, simbolicamente, Lula é um dos extremos na disputa por hegemonia no imaginário coletivo brasileiro, não podendo o presidente combater a polarização apostando num “Brasil de todos”, afinal ele é um dos polos dessa disputa, não uma força a existir fora da polarização. Isso é tão certo que, em t...