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LULA TROCARÁ PRIVATIZAÇÕES POR PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS


Temos que encerrar de vez com todo o subjetivismo de ver Lula como um político de esquerda ou idealizá-lo como um "leão gigante a rugir no mundo inteiro". Levar as coisas pelo sentimentalismo é agradável, agrega mais pessoas, faz todo mundo dormir tranquilo, mas toda essa festa do sonho e da fantasia sempre gera, como ressaca, uma séria briga com os fatos. Dorme-se feliz com o sonho idealizado, até acordar encarando um sério conflito com a realidade.

O que se tem que fazer é entender o governo Lula não como aquele que "fará mais e melhor". Esqueçam a ideia de "Brasil feliz de novo", de "brasileiro voltar a sonhar", de nosso país alcançar o Primeiro Mundo e virar potência com desenvolvimento pleno e prosperidade em níveis escandinavos. Desistam dessa fantasia antes que a decepção amargure as almas sonhadoras.

Os recentes fatos envolvendo o governo Lula mostram que a coisa não será fácil. Na cerimônia de posse de Bruno Dantas como novo presidente do Tribunal de Contas da União, ocorrida ontem, Lula aparece ao lado de José Sarney e Geraldo Alckmin, o que certamente reacenderá a indignação dos antipetistas, já fervente através dos protestos antidemocráticos dos bolsonaristas.

No âmbito do Ministério da Cultura a ser renascido, surge um clima de "saia justa" entre a anunciada nova ministra, a cantora Margareth Menezes e a primeira-dama que indicou a artista baiana, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja. 

Margareth quer como secretário-executivo o ex-presidente da Fundação Palmares e um dos diretores da Fundação Pedro Calmon, ligada à Secretaria de Cultura do Governo da Bahia, Zulu Araújo. Janja, por sua vez, quer Márcio Tavares, historiador com doutorado pela Universidade de Brasília (UnB) e mestrado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A questão não está fechada, mas creio que Margareth e Janja resolverão as coisas com muito entendimento e diálogo.

Uma coisa que eu já havia previsto é que, durante os anúncios dos economistas Gustavo Galípolo, também ex-banqueiro que presidiu o Banco Fator, como secretário-executivo do Ministério da Fazenda, e Bernard Appy, como secretário especial para reforma tributária, o titular da pasta ministerial, Fernando Haddad (candidato derrotado à Presidência da República em 2018 e ao Governo de São Paulo este ano) anunciou que vai instituir a PPP, Parceria Público-Privada, uma das bandeiras do vice-presidente Geraldo Alckmin.

Eu havia previsto isso durante a campanha presidencial, quando os lulistas, delirantemente, imaginavam que as privatizações recentes, da Eletrobras e BR Distribuidora, seriam revertidas e que o Estado atuaria de maneira forte durante o próximo governo Lula.

A Parceria Público-Privada não é ruim. Eu mesmo, se eu fosse chefe do Executivo municipal, estadual ou mesmo federal, adotaria a mesma medida. O problema não é a participação da iniciativa privada em projetos decididos pelo poder público. O problema é quando o poder privado passa a se sobrepor ao poder público, priorizando os interesses particulares do empresariado envolvido.

Lula adotará concessões de serviço. Até aí, tudo bem. Mas o que se deve considerar é que a iniciativa privada, ainda que possa ter algum lucro na sua participação de um projeto de natureza pública, deve atuar como prestador de serviço, submetido ao interesse público, ou seja, terá que priorizar sempre o serviço à sociedade, ao povo brasileiro, mesmo sob o risco de investir mais e ter um lucro abaixo do desejado.

Pessoalmente, ando muito cético quanto à prevalência do interesse público nas atividades do governo Lula. A participação da direita moderada não é passiva e nem as elites passaram a sentir entusiasmo em ajudar o povo pobre ou as classes trabalhadoras.

A reação dos "notáveis" mentores do Plano Real, os economistas Pérsio Arida, Armínio Fraga e Pedro Malan, em relação ao teto de gastos, sinaliza que a burguesia não aderiu a Lula de graça. E o que se nota é que Lula sinaliza uma forte inclinação para o neoliberalismo, negociando a substituição do teto de gastos por um novo critério de responsabilidade fiscal, que criasse um "limite" de gastos públicos compatível com as demandas econômicas do nosso país.

Na melhor das hipóteses, o novo governo Lula será bem menos ousado e bem menos eficiente que os dois anteriores, do contrário das promessas grandiloquentes do hoje presidente eleito. O governo Lula a ser iniciado no próximo ano tende a estar abaixo dos parâmetros do governo Juscelino Kubitschek que, embora tivesse sido de direita moderada, teve órgãos que debateram os problemas estruturais da Economia, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e da Cultura, o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes.

Contrário a isso, os dois governos Lula tiveram a sabotagem de uma elite intelectual neoliberal mas pretensamente "provocadora", descrita no meu livro Esses Intelectuais Pertinentes..., que em nome de interesses comerciais ocultos, foi defender a bregalização cultural como pretenso "combate ao preconceito" que acabou prejudicando o povo pobre, que se tornou refém de narrativas caricaturais, idiotizantes e pejorativas divulgadas pela mídia empresarial.

Esse dito "combate ao preconceito" criou mazelas para a cultura brasileira que nem mesmo o novo governo Lula irá resolver, até porque alguns ícones do culturalismo vira-lata, como Valesca Popozuda, Pabblo Vittar e Tati Quebra-Barraco, cantarão na posse do petista. A bregalização desmobilizou as classes populares, enfraqueceu os movimentos sociais e isolou as forças progressistas em um debate de cúpula, pois o povo, que deveria participar, foi desviado para o entretenimento popularesco.

É por causa dessa deterioração cultural que o Brasil não irá para o Primeiro Mundo. E Lula não fará "mais e melhor". Ele mesmo está demonstrando que terá que estabelecer um mínimo denominador comum entre uma política neoliberal inflexível e o desejo pessoal do petista de atender às demandas do povo brasileiro. Tudo sairá na bacia das almas. 

Na melhor da todas as hipóteses, o máximo que Lula irá fazer é retomar os parâmetros do Brasil do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Um neoliberalismo com crescimento econômico e algum relativo progresso social. Só isso.
 

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