Está em decadência um tipo de religiosidade conservador, dissimulado pelo discurso manso, pela aparente emotividade piegas e pelo tom conciliador e tolerante de seu discurso, além de um pretenso ecumenismo. Essa dissimulação durante muito tempo tentou se passar por "progressista", pelas promessas de "vida melhor", "paz mundial", "salvação divina pelo sofrimento" etc.
É o "humanismo de resultados" que envolve os clichês mais conhecidos de uma religiosidade brega de tão sentimentalista: apreço a "histórias lindas" de pessoas que perdem tudo e só ficam com a fé religiosa, "frases lindas" de obscurantistas religiosos e a adoração a pretensos filantropos que se promovem alojando doentes e órfãos ou distribuem pequenos pacotes de donativos a famílias pobres numerosas.
É aquele papo da pessoa que entra nas redes sociais e despeja uma das "frases lindas" de um ídolo religioso do momento para "alegrar o dia". Como num tumor maligno, surgem perfis religiosos nas redes sociais, como Facebook, Instagram e YouTube, com mensagens pseudo-filosóficas - afinal, seu compromisso com a verdade é nulo - e algumas até levando como crédito personalidades mortas, como um falso Paulo Gustavo falando em "cura gay" e um suposto Cláudio Cavalcânti (ator da novela Irmãos Coragem) falando de "colônias espirituais" como se fosse a vida na Barra da Tijuca.
O "humanismo de resultados" e sua lógica da "paz sem voz" mostra o quanto a elite do atraso, que se recusa a ser assim reconhecida senão desaba em lágrimas copiosas, tem uma religiosidade obtusa, um espiritualismo aparentemente eclético, marcado por todo um verniz de mansidão, positividade por sinal tóxica e uma obsessão em parecer, senão perfeito ou iluminado, um simpatizante da paz e da fraternidade.
O escândalo do atual detentor do título de Dalai Lama, Tenzun Gyatso, beijando um adolescente na boca e, dizem, de língua, é mais um escândalo que desafia as mentes acostumadas em contestar religiões quando elas usam a linguagem do raivismo e se servem de intolerância e apreço a personalidades como Jair Bolsonaro e Donald Trump.
Anos atrás, o jornalista inglês Christopher Hitchens definiu Madre Teresa de Calcutá como "anjo do inferno" e denunciou maus tratos dessa cosplei da "Bruxa do Mar" (Seahag no original, a vilã do desenho do Popeye) aos alojados de suas "casas de caridade". Madre Teresa também está associada a ideias ultraconservadoras, voltadas à Teologia do Sofrimento (espécie de "holocausto do bem") e à complacência com magnatas abusivos e políticos tiranos.
De origem albanesa, Madre Teresa recebeu um prêmio em 1985 nas mãos do presidente dos EUA Ronald Reagan, então empenhado em patrocinar genocídios cometidos por grupos paramilitares e esquadrões da morte em Guatemala, com o objetivo de exterminar qualquer foco de movimentos populares no país centro-americano.
Apesar disso, e apesar do jeito claramente ranzinza de Madre Teresa, e apesar das denúncias consistentes de Hitchens, confirmadas por pesquisas universitárias sérias no Canadá, os brasileiros, mesmo os de esquerda, continuaram e ainda continuam passando pano na terrível beata, iludidos com a imagem de "bondosa" construída pelo jornalista Malcolm Muggeridge, um catolico conservador inglês.
Pelo menos os beatos de Madre Teresa, que virou santa com a ajuda de uma intoxicação alimentar tendenciosamente creditada como um "câncer terminal", deveriam canonizar Malcolm Muggeridge, por ter promovido o milagre de transformar uma mentira em verdade absoluta, produzindo uma fantasia para fazer as pessoas emocionalmente mais vulneráveis dormirem tranquilas.
Esse imaginário das pessoas do Ocidente, principalmente no Brasil, são um engodo que mistura práticas e algumas lições do pensamento oriental, misturadas com conceitos do Catolicismo medieval, como a Teologia do Sofrimento e sua falácia de "combater o inimigo de si mesmo". São dogmas que se vendem como "modernos", "progressistas" e até "futuristas", mas seu obscurantismo não é muito diferente do ideário bolsonarista e é tão "humanista" quanto Nelson Piquet, Cássia Kis e Regina Duarte nos modos bolsonaristas dos últimos anos.
O "humanismo de resultados" mistura o trigo com o joio. Do trigo, temos a apreciação de pessoas como Anne Frank, Martin Luther King, Mahatma Gandhi, Nelson Mandela e Charles Chaplin, que se misturam a figuras duvidosas como o farsante Sai Baba, o atual Dalai Lama e Madre Teresa de Calcutá, e no Brasil com os chamados "médiuns espíritas" cujo escândalo recente envolveu um deles, um baiano tido como "maior defensor da paz", apoiando as violentas invasões na Praça dos Três Poderes, em Brasília, em oito de janeiro último.
Mas quem se informa das coisas sabe que outro "médium", falecido em 2002 e que usava peruca e terminou a vida como cosplei do Eustáquio de Coragem, O Cão Covarde (Courage, the Cowardly Dog), atuante nas suas últimas décadas em Uberaba, tem pontos sombrios contra ele, que, num país menos ingênuo, teriam ferido de morte o mito que ainda goza no imaginário de muitos brasileiros.
O "médium da peruca" tem tantos pontos contra ele, incluindo um exame médico divulgado pela renomada revista Realidade em novembro de 1971, mostrando a farsa de sua "mediunidade" (o exame concluiu que tudo não passava de alucinação mental) e "fogos amigos" de uma escritora "espírita" que, sem querer, divulgou que o "médium" fazia fraudes literárias e um fotógrafo que registrou o "médium" apoiando a farsante Otília Diogo, como se fosse cúmplice e até orientador dela, que a passagem de pano que o blinda em niveis surreais mostra a burrice de quem apoia o Espiritismo no Brasil.
Vemos um semiólogo capaz de desvendar as maiores complicações semióticas de filmes poloneses e sul-coreanos e identificar nuances manipulativas do discurso religioso evangélico norte-americano, mas brocha diante do "médium de peruca" de Uberaba, a ponto de definir a fictícia cidade de Nosso Lar, de um livro plagiado de uma obra britânica do reverendo George Vale Owen, como "descrição científica" de uma "cidade espiritual que realmente (sic) existe". Se o tal semiólogo age dessa forma, então estamos perdidos.
Tudo tem que vir de fora. O Me Too, movimento de mulheres atrizes denunciando abusos cometidos por homens poderosos do cinema estadunidense, teve que ser feito para que, no Brasil, se fizesse o mesmo com atrizes brasileiras denunciando abusos sexuais de diretores, produtores e outros técnicos da dramaturgia. Não fosse o caso Harvey Weinstein, antes o "deus" do cinemão dos EUA, tudo permaneceria no Brasil como se nada de ruim ocorresse, num país em que mulher-objeto é considerada "feminista".
Dalai Lama é símbolo do budismo e o atual titular, Tenzin Gyatso, sempre se revelou uma personalidade conservadora, adotando posturas machistas. É um líder budista que, no entanto, chega a ser mais apreciado pelos "humanistas" de fachada, por setores conservadores enrustidos de nossa sociedade, defensores ferrenhos de uma religiosidade e um espiritualismo mofados.
O escândalo do Dalai Lama ainda vai refletir em escândalos religiosos brasileiros, já aos poucos denunciando farsantes "espiritualistas" ou mesmo "espíritas" acusados de falsidade ideológica e envolvidos em casos de assédio sexual e desvio de dinheiro da caridade para seu enriquecimento ilícito.
O caso de Dalai Lama e do "médium" bolsonarista de Pau da Lima, Salvador, Bahia (que, no auge de sua carreira, usava o dinheiro da caridade para fazer turnês pela Europa e EUA), revelam que os escândalos religiosos já começam a sair do perímetro do raivismo histriônico dos neopentecostais, os únicos que no Brasil, ao lado de alguns setores levianos do Catolicismo, eram alvo de contestações e repúdios da opinião que se define como pública, a "opinião que se publica".
Esses escândalos já chegam, como o tsunami da Indonésia de 2004 entrava "serenamente" pelas casas, inundando e matando por afogamento muita gente, ao terreno do não-raivismo dessa religiosidade conservadora, ameaçando a supremacia dos "humanistas" de redes sociais. Ainda se falará do reacionarismo de Madre Teresa, mas também se revelará um dado muito macabro e verídico envolvendo o ultra-blindado "médium da peruca" de Uberaba.
Em 09 de agosto de 1958, um jornal de Minas Gerais e a revista Manchete publicaram denúncias do sobrinho do "médium", Amauri Pena, que era forçado a realizar as mesmas atividades do tio, produzindo literatura fake que, usando nomes de mortos, fazia pregações religiosas medievais combinadas com um perigoso ufanismo que, na condição de "Pátria do Evangelho", faria do Brasil uma teocracia fascista.
Manchete adiantou que Amauri sofria ameaças de morte pelo "meio espírita", e é surpreendente que a causa da morte também era adiantada: envenenamento. Três anos após a matéria, Amauri faleceu supostamente por hepatite alcoólica, com 28 anos incompletos. O "movimento espírita" fingiu pesar pelo falecimento, mas há suspeitas de que foi um dirigente, que tutela o "médium de peruca" como uma espécie de "empresário", o mandante do crime.
Li numa fonte que a suspeita teria ocorrido a partir de possíveis fatos: Amauri foi alvo de campanha difamatória, único detalhe confirmado, acusado de "ladrão" e "alcoólatra". Acusações soltadas ao vento, feitas com o único objetivo de destruir a reputação de Amauri, uma campanha caluniosa e odiosa vinda dos "espíritas" que juram serem "contra qualquer ato de calúnia, difamação e ódio até ao pior dos inimigos".
Outros dados, que merecem investigação, teriam vindo a seguir: internado num sanatório de Sabará, Minas Gerais, Amauri teria sido vítima de maus tratos e agressões de funcionários. Saindo do sanatório, ele teria sido assediado por um falso amigo, que, convidando o jovem a tomar cerveja e conversar, teria aproveitado a distração do rapaz para botar veneno na sua bebida. Excelente pauta para um jornalismo investigativo corajoso.
O "médium da peruca" não foi mandante nem mentor do crime, mas "lavou as mãos" e viu na morte do sobrinho a vantagem de continuar usando os mortos como trampolins para sua "escadaria para o céu", seguindo com suas farsas "mediúnicas" sustentadas por uma fajuta "caridade de fachada", com distribuição de precários pacotes de donativos que mal conseguiam fazer famílias pobres sobreviverem por mais de dois dias. Uma "caridade" que blinda o pretenso benfeitor e faz pouco pelo próximo é um vexame!
O "médium" defendeu abertamente a ditadura militar e, felizmente, fez com que um texto que chegou a ser publicado num portal de esquerda há poucos dias fosse retirado, tamanhas as brigas violentas que adeptos e críticos do "médium" de Uberaba travam nos últimos nos nas redes sociais, no esforço de tentar acabar com a imagem glamourizada do farsante que usurpou a memória de Humberto de Campos e enganou um dos herdeiros do escritor. Uma imagem construída no auge da ditadura militar que o suposto "médium dos descamisados" defendeu com mais entusiasmo que Cabo Anselmo.
Há coisas ainda tenebrosas no Espiritismo brasileiro. Um outro "médium", pintor falsário que em suas palestras, frequentadas pela elite do atraso de Salvador (os herdeiros da Casa Grande escravocrata que vivem nos prédios de luxo do Corredor da Vitória e se divertem em Villas do Atlântico), faz piadas contra sogras, pessoas gordas e mulheres louras (inclusive as "oxigenadas"), é acusado de trancar crianças em alojamentos e explorar adolescentes como flanelinhas na instituição localizada no bairro de Pituaçu.
Numa religião como o Espiritismo brasileiro, em que eu mesmo pude testemunhar entrevistadores do "auxílio fraterno" sorrindo de alegria quando ouvem uma pessoa aflita falar de seus pesados dramas pessoais, há coisas sombrias que não são denunciadas porque muitos que poderiam investigar são abduzidos pelo "bombardeio de amor" dos apelos afetuosos dos charlatães da paranormalidade, dissimulados pela imagem associada ao suposto socorro de crianças pobres. Mas se até Jim Jones, de trágica lembrança, pôde aparecer ao lado de crianças pobres...
No caso do Dalai Lama, muitos alegam que se trata de uma "saudação cerimonial" que o titular do título religioso fez com o menino ao beijar seus lábios. Mas nada impede que seja um ato de pedofilia, como ocorreu também com muitos religiosos que, por trás do voto de celibato, também assediavam sexualmente crianças e adolescentes.
Há também uma simbologia desse assédio com outras que religiões como o Espiritismo brasileiro fazem, que é o assédio a ateus, agnósticos e céticos em geral, na tentativa de atrai-los para a conversão religiosa, sob a desculpa que estes leigos da fé seriam "virgens de crença". Exemplo disso é a conversão do ator Danton Mello ao obscurantismo da chamada "fé espírita", como um triunfo que este Catolicismo medieval de botox faz a muitos "sem religião" que cometem o papelão de sentirem fascinação por "médiuns" feiosos e rabugentos.
O que mais surpreende é que este episódio não está associado a pastores e bispos que, com camisas de colarinho, extorquem dinheiro dos fiéis através de um discurso marcado pela raiva e pelo alarmismo odioso. Está associado àquele "espiritualismo ecumênico", o mesmo que promove até o assistencialismo-ostentação de José de Paiva Netto na tendenciosa Legião da Boa Vontade, mas é também marcado pela idolatria a pretensos filantropos, cuja "caridade" mais parece ajudar esses falsos benfeitores, na medida em que o povo pobre continua sendo pobre.
Esse é um diagnóstico básico deste "humanismo de resultados" e da "paz" que eu e toda pessoa, com um mínimo de dignidade, não querem seguir. Uma "paz sem voz", do oprimido que aceita quieto os abusos dos opressores, enquanto farsantes religiosos enganam multidões com seus artifícios de palavras suaves que não têm serventia alguma para as vidas das pessoas.
Se as pessoas quiserem mesmo lições de vida, que vão trabalhar e extraiam lições de sua própria experiência, não de farsantes do pretenso espiritualismo ecumênico!
Comentários
Postar um comentário