Para a "boa" sociedade, a elite do bom atraso que se acha "a humanidade", os parquiletes são "uma das melhores invenções do planeta". Do inglês parklets, esses verdadeiros currais humanos vendem a falsa imagem de "praças públicas", mas atendem prioritariamente a interesses meramente comerciais, representando um verdadeiro desperdício de mobilidade urbana.
Para quem vive de curtição, os parquiletes são uma maravilha. Dá para tirar onda de "americano", criar um pretenso clima "Route 66" e o rapagão sarado e bem barbudo pode tomar sua cervejinha de marca estrangeira (tipo Budweiser, Heineken e Stella Artois, franqueadas pelo super-rico Jorge Paulo Lemann), tentando cantar a música "Proud Mary", do Creedence Clearwater Revival (que o rapagão pensa ser de autoria de Emmerson Nogueira) balbuciando: "Woulwin' / Woulwin' / Woulwin' to the Ribou".
Neste Brasil problemático em que o senso crítico, a conscientização social e a vigilância humanas atingem graus mais baixos, a pobreza real que não aparece em novelas e humorísticos cresce e aparece. Não fico um dia sem ver algum sem-teto gritando ou resmungando enlouquecido, por falta de alguém para recorrer e pedir socorro.
E agora, imitando os terríveis parquiletes, os moradores de rua colocam suas barracas nos meios-fios de algumas ruas, pelo menos o que se vê aqui em São Paulo. Na Barra Funda, em pleno terminal de ônibus do lado da Av. Mário de Andrade, algumas barracas são instaladas no meio-fio, e o propósito dos sem-teto é bem diferente da boçalidade dos donos de estabelecimentos comerciais que fazem dos parquiletes os currais para o gado boêmio que toma essa mamadeira para adulto chamada cerveja.
Os sem-teto querem chamar a atenção, colocando as barracas no meio-fio. Claro que o gancho são os parquiletes, pois agora as ruas passam a ser preenchidas por instalações que afrontam a mobilidade urbana. Mas, como já descrevi, a intenção é outra, que é protestar contra a falta de moradia, pois é uma humilhação os sem-teto ficarem vivendo em barracas de acampamento, quando eles deveriam ganhar uma casa, um curso profissionalizante e um emprego. Pobre custa caro no orçamento da União.
Pressinto que os próprios moradores de rua passem a invadir os próprios parquiletes, construções que se anunciam como "provisórias" mas teimam em ser permanentes. Em Niterói, os parquiletes parecem filhotes bastardos e tardios do antigo trampolim, que teve a sua razão de ser mas, depois, se tornou enferrujado, inseguro e mortal.
Os parquiletes, que ficam muito tempo desocupados - sorte de quem promove esses currais humanos como "praças públicas", porque elas nunca ficam lotadas de fregueses e ninguém precisa tirar do lugar uma pessoa que não consome produtos no estabelecimento mantenedor - , um dia poderão virar dormitórios para mendigos e usuários de crack, quando a aparente vigilância dos mantenedores, que por outro lado não irão ficar 24 horas vigiando esses currais, irá se afrouxar cada vez mais.
E aí veremos o quanto a "boa" sociedade não entende de uso do espaço urbano. Ela também não entende de pobreza, de mobilidade urbana, e só quer ficar no seu hedonismo sem explicação. Mas o preço a ser cobrado por isso será muito caro.
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