TECLADISTA JOHN FOSSIT, NO MOMENTO EM QUE TOCAVA "EVIDÊNCIAS".
Foi bastante constrangedor o que ocorreu no último domingo, durante a apresentação de Bruno Mars no evento The Town, ocorrido no Autódromo de Interlagos, aqui em São Paulo, O tecladista da banda do cantor, conhecido por sucessos como "Talking to the Moon", o músico John Fossit, num momento de pausa do artista (que também toca piano, teclados e guitarra) , tocou uma instrumental da música "Evidências", um dos sucessos do "brega vintage" que embala o falso saudosismo popularesco brasileiro.
A plateia caiu em delírio e resolveu cantar como num karaokê improvisado, enquanto o tecladista apenas tocava a canção, tida como um "clássico de Chitãozinho & Xororó", mas composta pelo bolsonarista José Augusto, que gravou também a versão original.
A mídia exaltou a "façanha", como se fosse uma "brilhante homenagem à música brasileira". Ultimamente vemos a nova "santíssima trindade" dessa nostalgia fajuta, Chitãozinho & Xororó, Michael Sullivan e É O Tchan, serem exaltadas como se seus repertórios horríveis fossem alguma maravilha. Só que não. E, comparando o caso dos EUA, que recentemente perdeu o grande cantor e compositor Jimmy Buffett, de "Survive", vemos que, diante deste falecido músico, Michael Sullivan parece uma pulga.
É claro que não vamos exigir muito do The Town, cujas atrações decentes, como, entre outros, Foo Fighters, Yeah Yeah Yeahs, Garbage, Stanley Jordan, Ney Matogrosso, Hermeto Paschoal, Ivan Lins (que, apesar da passagem de pano em Ivete Sangalo e Alexandre Pires, é um grande artista) e Seu Jorge (apesar do dueto caça-níqueis com Alexandre Pires), são mais exceção do que regra.
Vale aqui mencionar a chance de ver o rock energético de Foo Fighters, depois que no ano passado a apresentação foi cancelada devido à morte de Taylor Hawkins e, no lugar, um constrangedor evento com hip hop que não teve a delicadeza de se apresentar com banda e um grupo de "pop-rock" muito inócuo. Com novo baterista, John Freese, o grupo está no The Town para lavar as almas dos fãs que esperam um rock orgânico e robusto.
A maioria das atrações desse genérico do Rock In Rio, já que o evento também é gerenciado pela Artplan, de Roberto Medina - um dos magnatas dos eventos musicais internacionais no Brasil, de um clube empresarial que envolve também rádios como 89, Cidade, Mix e, até pouco tempo atrás, a hoje desgastada Jovem Pan - , é lamentável, não bastasse a Artplan ter fornecido ônibus velhos para transportar o público que já paga caro por ingressos e serviços (como refeições e camisetas) e ainda teve que aturar o incêndio de um dos veículos que complicou o trânsito na Av. Vinte e Três de Maio.
As âncoras do The Town são nomes cultuados pela Geração Tik Tok, pelos mileniais que nunca viram cultura de verdade, como Luísa Sonza, Post Malone, MC Cabelinho (e outros nomes do tal do trap, aquele ritmo que no Brasil tem batida com som de lata de ervilha), Ludmilla, Alok e Bebe Rexha.
Daí que é esse público que, assistindo ao Bruno Mars - um cantor até competente, embora de repertório irregular, com eventuais bons momentos - , vibrou quando, num pequeno intervalo da performance do cantor, John Fossit tocou "Evidências". Não é coisa para se levar a sério, mas nossa imprensa cultural, há muito bastante deteriorada, salvo exceções, levou e levou a sério demais, com direito à celebração dos comentários de Xororó ("Linda demais", disse ele em relação à performance de Fossit) e sua filha Sandy, também orgulhosa pela iniciativa do tecladista.
Mas isso é efeito de um viralatismo enrustido, movido por uma sociedade midiatizada e mercantilizada que finge ser "orgânica". É coisa de uma elite do bom atraso, uma burguesia que parece ter mais apetite para ouvir músicas brega-popularescas do que o povo pobre, que só "ouve o que está disponível no rádio".
É vergonhoso ver um evento que, ao menos, deveria ser de gente descolada, ter que destacar uma performance de uma canção como "Evidências". Por sorte, The Town está a mil anos luz abaixo do Woodstock 1969, em termos de relevância artística e cultural. Se fosse no Woodstock original, "Evidências"seria vista como a escória da caretice de uma sociedade retrógrada e decadente. E olha que Chitãozinho e Xororó são o que há de mais conservador na música comercial brasileira.
Fora das bolhinhas sociais dos jovens burgueses que celebram barbaridades musicais como "Um Dia de Domingo", "Dança da Cordinha", "Dança do Bumbum", "Segura o Tchan" e "Evidências", o povo pobre sofre horrores, com a violência em Salvador - ontem, no Campo Santo, onde cheguei a andar nos dias úteis de manhã, no mesmo período houve tiroteio entre policiais e assaltantes - matando gente inocente nas favelas, e se seguem também dramas similares nas favelas cariocas e nos subúrbios paulistanos e nas cracolândias.
Não canso de ver, nos últimos dias, gente em situação de rua enlouquecida de raiva, gritando sozinha, seja em áreas como a Rua Ator Paulo Gustavo, em Icaraí, Niterói, ou na Avenida Paulista, aqui em São Paulo. Tudo isso está fora do mundo encantado das canções popularescas que a grana da Rede Globo de Televisão, arrecadada com as demissões em massa de centenas de bons profissionais, patrocina para tentar transformar Sullivan, Tchan e Chitãozinho & Xororó em "relíquias nostálgicas". Tudo entulho pintado como falso ouro para enganar quem vive fora da realidade.
Comentários
Postar um comentário