Pular para o conteúdo principal

INTERNET NAS ESCOLAS PÚBLICAS VAI FURAR A BOLHA DAS REDES SOCIAIS?


A princípio, é salutar permitir que alunos da rede pública de ensino estejam conectados à Internet e tenham acesso aos computadores disponibilizados nas escolas. Seria uma forma de democratizar a rede mundial de computadores e permitir que se quebre as narrativas oficiais da bolha social da classe média abastada, que ultimamente monopoliza as narrativas nas mídias digitais.

Só que o grande problema, como se observa na recente iniciativa do governo Lula - que no terceiro mandato realiza poucos e mornos acertos enquanto comete erros preocupantes - , que decidiu pela parceria com a Fundação Lemann, do super-rico Jorge Paulo Lemann, o homem que vende a cerveja consumida pela maioria dos brasileiros, é que a democratização da Internet sai comprometida.

Em primeiro lugar, porque o uso da Internet, "monitorado" pela burocracia escolar, irá praticamente intervir e domesticar intelectualmente os jovens pobres, que já sofrem com o culturalismo brega-popularesco trazido pela mídia corporativa. O povo pobre dificilmente consegue fugir do estereótipo trabalhado pelas novelas e humorísticos e que se aproxima mais do "pobre remediado" de que fala o sociólogo Jessé Souza.

Como explicar para o povo de hoje que a pobreza real brasileira se aproxima mais de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, e de Eles Não Usam Black Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, ou, no cinema, a adaptação do mesmo Vidas Secas pelo diretor Nelson Pereira dos Santos e Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. A pobreza real, lembremos, não a "pobreza feliz" do imaginário da intelectualidade "sem preconceitos", mas muito preconceituosa, que pensa que as favelas são paraísos onde os miseráveis dançam Carnaval 365 ou 366 dias por ano.

Em segundo lugar, há o uso hierarquizado da Internet e dos computadores, e eu, nos anos 1990, senti na pele isso. A burocracia da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, em Salvador, limitava o uso de Internet e dos computadores em si, e eu, na época em que não tinha computador pessoal, fazia o zine Tarântula View - para conhecer sua trajetoria, adquira o livro O Melhor de Tarântula View - , e eu praticamente era proibido de fazer o zine nos computadores da faculdade.

Eu ia de gaiato trabalhar o zine na sala de Informática de outra faculdade da UFBA, a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, para exercitar minha produção de textos jornalísticos. Quis muito fazer um zine que fosse um diferencial, menos mainstream, pois a mesmice estava invadindo a cultura independente de tal forma que ser indie era praticamente um puxadinho do mainstream, um cantinho de gente supostamente esquisita reservado pelo "esquemão".

O motivo do veto é que a Faculdade de Comunicação só reservava os computadores para estudantes de Pós-Graduação, essa verdadeira loja de flanelas que se tornou esse setor do ensino superior, passando pano adoidado no tema escolhido para transformar problemática em patrimônio fenomenológico (ou seja, uma ideia tida como "indiscutível").

Os burocratas da FaCom vetavam os estudantes de graduação para produzir atividades jornalísticas independentes porque achavam que isso era brincadeira. Enquanto isso, havia estudante de pós-graduação que via páginas de entretenimento e até eróticas escondido e consultava muita bobagem, em janelas de Internet cuidadosamente escondidas entre outras que continham textos acadêmicos, abertos para disfarçar.

Esses acadêmicos falam em democracia, em socializar o Conhecimento, em trazer o Saber para o público, mas tudo isso é conversa para boi dormir. Eles fazem parte de uma classe média abastada, e vimos como essa "panelinha" de professores e outros agentes - como jornalistas culturais e cineastas documentaristas - foi defender a idiotização cultural da bregalização, sob a desculpa do "combate ao preconceito", tema descrito no meu livro Esses Intelectuais Pertinentes..., esta sim uma obra vítima de preconceito, vindo daqueles que justamente "abominam todo tipo de preconceito".

Eis a grande hipocrisia. É sério fazer um trabalho acadêmico creditando um ritmo marcado pelo rodopiar de glúteos de pessoas alucinadas, o "funk", como se fosse algo altamente relevante, e acham brincadeira fazer uma revista independente, artesanal, falando de rock alternativo, MPB, política progressista, História e outros assuntos culturais realmente interessantes e de grande proveito?

Com esses projetos de "democratização" nas escolas públicas, não creio que isso irá furar a bolha das redes sociais. Os pobres apenas repetirão as narrativas domesticadas de sempre e a Fundação Lemann não será um diferencial diante de outras instituições domesticadoras de pobres como a Fundação Roberto Marinho e a Legião da Boa Vontade. 

Por trás de tudo isso há o bom-mocismo das elites dominantes, hoje cada vez mais disfarçando seu passado histórico golpista e escravocrata, fingindo serem altruístas e progressistas, atualmente. Mas isso é apenas um jogo de cena, pois essas elites estão apenas investindo na anestesia social dos pobres, para que assim deixem os pobres satisfeitos com sua situação social, amenizada com paliativos, tudo feito pelo objetivo maior que é não ameaçar os privilégios abusivos dos mais ricos. Dessa maneira, Jorge Lemann recorreu a Lula, na esperança do "rei da cerveja" ser excluído da lista de taxação dos super-ricos.
 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESQUISISMO E RELATORISMO

As mais recentes queixas a respeito do governo Lula ficam por conta do “pesquisismo”, a mania de fazer avaliações precipitadas do atual mandato do presidente brasileiro, toda quinzena, por vários institutos amigos do petista. O pesquisismo são avaliações constantes, frequentes e que servem mais de propaganda do governo do que de diagnóstico. Pesquisas de avaliação a todo momento, em muitos casos antecipando prematuramente a reeleição de Lula, com projeções de concorrentes aqui e ali, indo de Michelle Bolsonaro a Ciro Gomes. Somente de um mês para cá, as supostas pesquisas de opinião apontavam queda de popularidade de Lula, e isso se deu porque os próprios institutos foram criticados por serem “chapa branca” e deles se foi cobrada alguma objetividade na abordagem, mesmo diante de métodos e processos de pesquisa bastante duvidosos. Mas temos também outro vício do governo Lula, que ninguém fala: o “relatorismo”. Chama-se de relatorismo essa mania de divulgar relatórios fantásticos sobre s...

SIMBOLOGIA IRÔNICA

  ACIMA, A REVOLTA DE OITO DE JANEIRO EM 2023, E, ABAIXO, O MOVIMENTO DIRETAS JÁ EM 1984. Nos últimos tempos, o Brasil vive um período surreal. Uma democracia nas mãos de um único homem, o futuro de nosso país nas mãos de um idoso de 80 anos. Uma reconstrução em que se festeja antes de trabalhar. Muita gente dormindo tranquila com isso tudo e os negacionistas factuais pedindo boicote ao pensamento crítico. Duas simbologias irônicas vêm à tona para ilustraresse país surrealista onde a pobreza deixou de ser vista como um problema para ser vista como identidade sociocultural. Uma dessas simbologias está no governo Lula, que representa o ideal do “milagre brasileiro” de 1969-1974, mas em um contexto formalmente democrático, no sentido de ninguém ser punido por discordar do governo, em que pese a pressão dos negacionistas factuais nas redes sociais. Outra é a simbologia do vandalismo do Oito de Janeiro, em 2023, em que a presença de uma multidão nos edifícios da Praça dos Três Poderes, ...

A PRISÃO DE MC POZE E O VELHO VITIMISMO DO “FUNK”

A prisão do funqueiro e um dos precursores do trap brasileiro, o carioca MC Poze do Rodo, na madrugada de ontem no Rio de Janeiro, reativou mais uma vez o discurso vitimista que o “funk” utiliza para se promover. O funqueiro, cujo nome de batismo é Marlon Brandon Coelho Couto Silva, e que já deixou a Delegacia de Repressão a Entorpecentes para ir a um presídio no bairro carioca de Benfica, tem entre o público da Geração Z e das esquerdas identitárias a reputação que Renato Russo teve entre o público de rock dos anos 1980, embora o MC não tenha 0,000001% do talento, pois se envolve em um ritmo marcado pela mais profunda precarização artístico-cultural. No entanto, MC Poze do Rodo foi detido por acusações de apologia ao crime organizado, ao porte ilegal de armas e à violência. Em várias vezes, Poze aparecia com armas nas fotos das redes sociais, o que poderia sugerir um funqueiro bolsonarista em potencial. A polícia do Rio de Janeiro enviou o seguinte comunicado:: “De acordo com as inves...

O ATRASO CULTURAL OCULTO DA GERAÇÃO Z

Fico pasmo quando leio pessoas passando pano no culturalismo pós-1989, em maioria confuso e extremamente pragmático, como se alguém pudesse ver uma espessa cabeleira em uma casca de um ovo. Não me considero careta e, apesar dos meus 54 anos de idade, prefiro ir a um Lollapalooza do que a um baile de gala. Tenho uma bagagem cultural maior do que mimha idade sugere, pelas visões de mundo que tenho, até parece que sou um cidadão mediano de 66 anos. Mas minha jovialidade, por incrível que pareça, está mais para um rapazinho de 26 anos. Dito isso, me preocupa a existência de ídolos musicais confusos, que atiram para todos os lados, entre um roquinho mais pop e um som dançante mais eroticamente provocativo, e no meio do caminho entre guitarras elétricas e sintetizadores, há momentos pretensamente acústicos. Nem preciso dizer nomes, mas a atual cena pop é confusa, pois é feita por uma geração que ouviu ao mesmo tempo Madonna e AC/DC, Britney Spears e Nirvana, Backstreet Boys e Soundgarden. Da...

LÉO LINS E A DECADÊNCIA DE HUMORISTAS E INFLUENCIADORES

LÉO LINS, CONDENADO A OITO ANOS DE PRISÃO E MULTA DE MAIS DE R$ 300 MIL POR CONTA DE PIADAS OFENSIVAS. Na semana passada, a Justiça Federal, através da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, condenou o humorista Léo Lins a oito anos de prisão, três deles em regime inicialmente fechado, e multa no valor de R$ 306 mil por fazer piadas ofensivas contra grupos minoritários.  Só para sentir a gravidade do caso, uma das piadas sugere uma sutil apologia ao feminicídio: "Feminista boa é feminista calada. Ou morta". Em outra piada machista, Léo disse: "Às vezes, a mulher só entende no tapa. E se não entender, é porque apanhou pouco". Léo também fez piadas agredindo negros, a comunidade LGBTQIA+, pessoas com HIV, indígenas, evangélicos, pessoas com deficiência, obesos e nordestinos, entre outros. O vídeo que inspirou a elaboração da sentença foi o espetáculo Perturbador, um vídeo gravado em 2022 no qual Léo faz uma série de comentários ofensivos. Os defensores de Léo dizem qu...

ELITE DO BOM ATRASO PIROU NAS REDES SOCIAIS

A BURGUESIA DE CHINELOS NÃO QUER OUTRO CANDIDATO EM 2026. SÓ QUER LULA. A elite do bom atraso, a “frente ampla” social que vai do “pobre de novela” - tipo que explicaremos em outra postagem - ao famoso muito rico, mas que inclui também a pequena burguesia e a parcela “legal” da alta burguesia, enlouqueceu nas redes sociais, exaltando o medíocre governo Lula e somente desejando ele para a Presidência da República na próxima eleição. Preso a estereótipos que deixaram de fazer sentido na realidade, como governar para os pobres e deixar a classe média abastada em segundo plano, Lula na prática expressa um peleguismo que é facilmente reconhecido por proletários, camponeses, sem-teto e servidores públicos, que veem o quanto o presidente “quer, mas não quer muito” trabalhar para o bem-estar dos brasileiros. Lula tem como o maior de seus inúmeros erros o de tratar a reconstrução do Brasil como se fosse uma festa. Esse problema, é claro, não é percebido pela delirante elite do bom atraso que, h...

GOVERNO LULA AGRAVA SUA CRISE

INDICADO POR LULA PARA O BANCO CENTRAL, GABRIEL GALÍPOLO PREFERIU MANTER OS JUROS ALTOS "POR MUITO TEMPO". Enquanto o governo Lula limita gastos mensais com universidades federais, a farra das ONGs nas ditas “emendas parlamentares” é de R$ 274 milhões. Na viagem para a China, Lula é acusado de gastar café com valor equivalente a R$ 56 e de conprar um terno no valor equivalente a R$ 850. Quanto às universidades públicas, a renomada Academia Brasileira de Ciências acusa o governo Lula de desmontar as instituições de ensino superior público através desses cortes financeiros. Lulistas blindam Janja quando ela quebrou o protocolo da conversa entre o marido e o presidente chinês Xi Jinping, para falar de sua preocupação com o Tik Tok. Em compensação, Lula não cumpriu a promessa de implantar o Plano Nacional de Transição Energética, que iria tirar o Brasil da dependência de combustível fóssil. Mas o presidente ainda quer devastar a Amazônia Equatorial para extrair mais petróleo. Lul...

QUANDO A CAPRICHO QUER PARECER A ROCK BRIGADE

Até se admite que o departamento de Jornalismo das rádios comerciais ditas “de rock” é esforçado e tenta mostrar serviço. Mas nem de longe isso pode representar um diferencial para as tais “rádios rock”, por mais que haja alguma competência no trabalho de seus repórteres. A gente vê o contraste que existe nessas rádios. Na programação diária, que ocupa a manhã, a tarde e o começo da noite, elas operam como rádios pop convencionais, por mais que a vinheta estilo “voz de sapo” tente coaxar a palavra “rock”. O repertório é hit-parade, com medalhões ou nomes comerciais, e nem de longe oferecem o básico para o público iniciante de rock. Para piorar, tem aquele papo furado de que as “rádios rock” não tocam só os “clássicos”, mas também as “novidades”. Papo puramente imbecil. É aquela coisa da padaria dizer que não vende somente salgados, mas também os doces. Que diferença isso faz? O endeusamento, ou mesmo as passagens de pano, da imprensa especializada às rádios comerciais “de rock” se deve...

A ILUSÃO DE QUERER PARECER O “MAIS LEGAL DO PLANETA”

Um dos legados do Brasil de Lula 3.0 está na felicidade tóxica de uma parcela de privilegiados. A obsessão de uns poucos bem-nascidos em parecer “gente legal”, em atrair apoio social, os faz até manipular a carteirada para cima e para baixo, entre um sentimento de orgulho aqui e uma falsa modéstia ali, sempre procurando mascarar a hipocrisia que não consegue se ocultar nas mentes dessas pessoas. Com a patrulha dos negacionistas factuais, “isentões” designados para promover o boicote ao pensamento crítico nas redes sociais, a “boa” sociedade que é a elite do bom atraso precisa parecer, aos olhos dos outros, as mais positivas possíveis, daí o esforço desesperado para criar um ambiente de conformidade e até de conformismo, sobretudo pela perigosa ilusão de acreditar que o futuro do Brasil será conduzido por um idoso de 80 anos. Quando ouvimos falar de períodos de supostas regeneração e glorificação do “povo brasileiro”, nos animamos no primeiro momento, achando que agora o Brasil será a n...

APOIO DAS ESQUERDAS AO "FUNK" ABRIU CAMINHO PARA O GOLPE DE 2016

MC POZE DO RODO, COM SEU CARRO LAMBORGHINI AVALIADO EM TRÊS MILHÕES DE REAIS. A choradeira das esquerdas médias diante da prisão de MC Poze do Rodo tenta reviver um hábito contraído há 20 anos, quando o esquerdismo passou a endossar o discurso fabricado pela Rede Globo e pela Folha de São Paulo para "socializar" o "funk", um dos ritmos do comercialismo brega-popularesco que passou a blindar por uma elite de intelectuais sob inspiração do antigo IPES-IBAD, só que sob uma retórica "pós-tropicalista". A revolta contra a prisão do funqueiro e alegações clichês como "criminalização da cultura" e "realidade da favela" feita por parlamentares e jornalistas da mídia esquerdista se tornam bastante vergonhosas e, em muitos casos, descontextualizada com a real preocupação com as classes pobres da vida real, que em nenhum momento são representadas ou se identificam com o "funk" ou o trap. O "funk" e o trap apenas falam sobre o ...