Pular para o conteúdo principal

NÃO TENHO BOLA DE CRISTAL, MAS ANTECIPEI COISAS

 É TEMPO DE ROCK, BEBÊ? - No Brasil, a cultura rock sucumbiu ao sentar no colo da Faria Lima.

Em 1992, quando eu tinha ainda um ranço de antigo militante da Causa Operária - hoje PCO, grupo a que me associei por poucos meses naquele ano - , eu considerava a 89 FM uma rádio muito burguesa. Parecia paranoia minha, principalmente porque naquela época as rádios comerciais ditas "roqueiras" eram as "vacas sagradas" do radialismo, criticá-las era difícil.

Naqueles tempos, qualquer rádio de pop ou de popularesco que, supostamente, mudasse sua orientação para o rock, apenas fazendo pequenos arranjos, como mudar o vitrolão sem mudar a essência da linguagem e mentalidade - locutores de voz afetada e animadinha anunciavam Ramones, Nirvana, Metallica e Pearl Jam como se fossem Fábio Jr. e Mastruz Com Leite - , tocar somente os hits de rock e apenas permitir uns dois ou três programas mais especializados no fim de noite.

Para entender isso, aconselho vocês a irem correndo pegar meu livro Radialismo Rock: Por Que Não Deu Certo?, em edição ampliada com novas informações e explicações sobre como a deturpação do perfil de rádio de rock criou uma séria decadência do setor.

Pois não era paranoia minha. Sei que passei uns vinte anos apanhando por criticar a deturpação do radialismo rock, porque tinha muita gente na Internet passando pano, rasgando seda e tudo o mais. Naquela época, o rock passava por uma reputação de "cultura superior", como se somente o rock prestasse e o resto fosse uma porcaria, uma atitude preconceituosa mas que fez muita rádio pseudo-roqueira ser exaltada e blindada pela imprensa de cada região.

Mas depois o rock se desgastou, por culpa dessa mesma mídia canastrona cujos locutores entendiam tanto de rock quanto Edir Macedo entende de candomblé e o DJ Alok entende de física nuclear. Roqueiro virou um reacionário e, em parte, propagandista do bolsonarismo - só perdendo para os "padronizetes", busólogos fanáticos por ônibus com pintura padronizada - , e hoje o jogo virou e quem goza de pretensa superioridade é a música brega-popularesca que tomava surra na época.

O comentário recente do dono da 89 FM, João Camargo, em favor de sua classe de super-ricos foi uma espécie de canto de cisne da reputação superior da emissora, até então lutando para ter um prestígio igual ou maior ao da inesquecível Fluminense FM dos anos 1980. E isso mesmo sendo uma Jovem Pan com guitarras e exportando a fórmula para a canastroníssima Rádio Cidade, hoje uma webradio.

Até quem era ligado ao punk rock, geralmente hostil ao capitalismo do qual faz parte o chefão da Esfera Brasil, aceitava de bom grado mandar material para a 89 FM, exceto os punks mais orgânicos, que sempre foram desconfiados de mídias mais comerciais. Mas mesmo os punks originais mais acessíveis adotavam uma complacência com a 89 FM, achando que poderiam obter visibilidade e passar uma mensagem através desse veículo da mídia corporativa.

Juro que não tenho bola de cristal, mas algumas coisas que imaginava antes acabaram se concretizando. Por exemplo, eu via na transmissão de futebol em FM um espetáculo do mercado jabazeiro, a chamada corrupção radiofônica que fez das FMs "caixa dois" de federações regionais de futebol. Não deu outra: só em Salvador dois escândalos estouraram revelando o jabaculê esportivo de FM ("paybola"?), em 2004 e 2008, neste segundo caso quase matando de infarto o astro-rei da Rádio Metrópole, Mário Kertèsz, um dos beneficiados por esse propinoduto eletrônico.

Eu imaginava que a campanha dos intelectuais pró-brega do suposto "combate ao preconceito" iria causar muito mal ao projeto progressista de Lula, nos dois primeiros mandatos. A campanha derrubou em parte a imprensa de esquerda que divulgou fenômenos popularescos - a Caros Amigos caiu, a Fórum cancelou a versão impressa e a Carta Capital encarou uma grave crise financeira - e abriu caminho para a réplica de intelectuais reacionários que usavam a crítica ao brega-popularesco para atrair descontentes e promover, junto à Operação Lava Jato e aliados, o golpe politico de 2016.

O pessoal deveria ler mais o meu blogue, não porque sou eu quem escrevo - confesso que não me sinto disposto a ter tais vaidades - , mas porque alerto sobre coisas desagradáveis, porém realistas. Fico apreensivo com o momento político de hoje e, mais ainda, com os lulistas que querem acreditar num Brasil mais fofo do que o mundo da Barbie, por mais que admitam que "há o outro lado", as trevas oficialmente associadas ao bolsolavajatismo.

Só que vemos Lula errando muito - sei que o pessoal adora ver Lula viajando, mas não deveria ter sido essa a sua prioridade, num Brasil em reconstrução - , mas todos acreditam que tudo está fácil demais e há uma cega e obsessiva ânsia de ver o nosso país virando potência mundial até o fim do ano.

Nem em sonhos. As coisas estão fáceis demais porque é a elite do bom atraso, a "parte boa" da elite do atraso que agora apoia cegamente o governo Lula, seis décadas após seus avós bradarem pela queda de João Goulart.

Na verdade, é o Brasil medíocre que quer mandar no mundo e muita gente gostaria que eu trocasse o Linhaça Atômica pelo Mentira News, para que assim eu pudesse atrair mais leitores e mais visibilidade. Não sou negativista nem negacionista, mas até pelas dificuldades que vivo na minha vida pessoal, sei que as coisas não são fáceis.

As coisas só são fáceis para a elite do bom atraso em diversos matizes, sejam os roqueiros que ainda acreditam que irão brilhar sentando no colo da Faria Lima, sejam os descolados que ficam cantando "Evidências" ou "Um Dia de Domingo" como se fossem clássicos da vanguarda da MPB, só que não. 

E, sobretudo, as facilidades são plenas para humoristas que, atuando como dublês de jornalistas, conquistam empregos de analistas de redes sociais, para pessoas que ganham dinheiro demais para gastar com cigarros, cervejas e carrões, e para quem passa em concurso público sem estudar e depois sair por ai esculhambando o próprio emprego porque seu salário só tem quatro dígitos. Só que dá pena ver que esse pessoal que ganha demais poderá um dia perder tudo em dois minutos. O Brasil está complicado.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

ESQUERDAS CORTEJANDO UMA CANTORA IDENTITARISTA... MAS CAPITALISTA

CARTAZ DA BOITEMPO JUNTANDO KARL MARX E MADONNA NO MESMO BALAIO. O Brasil está tendo uma aula gratuita do que é peleguismo, com Lula fazendo duplo jogo político enganando o povo pobre e se aliando com os ricos, e do que é pequena burguesia, com uma elite de classe média abastada que aoosta num esquerdismo infantilizado, identitarista e indiferente aos verdadeiros problemas das classes trabalhadoras. As esquerdas mainstream do Brasil, as esquerdas médias, são a tradução local da pequena burguesia falada pela teoria marxista. Uma esquerda que quer soar pop e que, através dos “brinquedos culturais” que fazem do Brasil a versão vida real da novela das 21 horas da Rede Globo, quer o mundo da direita moderada convertido num pretenso patrimônio esquerdista. Isso faz as esquerdas soarem patéticas em muitos momentos. Como se observa tanto na complacência do jornalista Julinho Bittencourt, da Revista Fórum, com o fato da apresentação de Madonna em Copacabana, no Rio de Janeiro, não ter músicos e

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

O PESADELO GAÚCHO QUE DESAFIA O "SONHO BRASILEIRO"

O CENTRO DE PORTO ALEGRE COM ÁGUA QUE ATINGIU CINCO METROS DE ALAGAMENTO. Não há como sonhar grande. O risco de cair da cama é total. A terrível tragédia do temporal no Rio Grande do Sul é algo que nos faz parar para pensar. Isso é normal para um país próspero? Falta alguma consciência ambiental no nosso país? Até o fechamento deste texto, 56 pessoas morreram e vários estão entre feridos, desabrigados e desaparecidos. Porto Alegre, Caxias do Sul e Gramado estão entre as inúmeras cidades atingidas por chuvas intensas, vendavais, trovoadas e transborda de rios, entre eles o Guaíba. E nós manifestamos pesar sobre essa traumatizante ocorrência e solidariedade às vítimas. A situação é muito triste, mas não deixa de ser lamentável o oportunismo das subcelebridades, aspirantes a super-ricos, de oferecer doações milionárias para as vítimas das enchentes. Uma sociedade que, em condições naturais, quer demais para si e, egoísta, não quer abrir mão do supérfluo para ajudar o próximo a ter o neces

BRASIL NO APOGEU DO EGOÍSMO HUMANO

A "SOCIEDADE DO AMOR" E SEU APETITE VORAZ DE CONSUMIR O DINHEIRO EM EXCESSO QUE TEM. Nunca o egoísmo esteve tão em moda no Brasil. Pessoas com mão-de-vaca consumindo que nem loucos mas se recusando a ajudar o próximo. Poucos ajudam os miseráveis, poucos dão dinheiro para quem precisa. Muitos, porém, dizem não ter dinheiro para ajudar o próximo, e declaram isso com falsa gentileza, mal escondendo sua irritação. Mas são essas mesmas pessoas que têm muito dinheiro para comprar cigarros e cervejas, esses dois venenos cancerígenos que a "boa" sociedade consome em dimensões bíblicas, achando que vão viver até os 100 anos com essa verdadeira dieta do mal à base de muita nicotina e muito álcool. A dita "sociedade do amor", sem medo e sem amor, que é a elite do bom atraso, a burguesia de chinelos invisível a olho nu, está consumindo feito animais vorazes o que seus instintos veem como algo prazeroso. Pessoas transformadas em bichos, dominadas apenas por seus instin

FLUMINENSE FM E O RADIALISMO ROCK QUE QUASE NÃO EXISTE MAIS

É vergonhoso ver como a cultura rock e seu mercado radiofônico se reduziram hoje em dia, num verdadeiro lixo que só serve para alimentar fortunas do empresariado do entretenimento, de promotoras de eventos, de anunciantes, da mídia associada, às custas de produtos caros que vendem para jovens desavisados em eventos musicais.  São os novos super-ricos a arrancar cada vez mais o dinheiro, o couro e até os rins de quem consome música em geral, e o rock, hoje reduzido a um teatro de marionetes e um picadeiro da Faria Lima, se tornou uma grande piada, mergulhada na mesmice do hit-parade . Ninguém mais garimpa grandes canções, conformada com os mesmos sucessos de sempre, esperando que Stranger Things e Velozes e Furiosos façam alguma canção obscura se popularizar. Nos anos 1980, houve uma rádio muito brilhante, que até hoje não deixou sucessora à altura, seja pelos critérios de programação, pelo leque amplo de músicas tocadas e pela linguagem própria de seus locutores, seja pelo alcance do s