Pular para o conteúdo principal

A MORTE DE BELCHIOR E O DESMONTE DA MPB


Como muita coisa neste país, do rádio AM aos direitos trabalhistas, da soberania nacional à liberdade de paquera em qualquer lugar, a MPB também está sendo desmontada.

Desmonte é a palava de ordem, para que se instaure um Brasil sem graça, apátrida, insosso, insípido, cafona, insensível e caro, muito caro para se viver.

Do presidente Michel Temer ao internauta que fica fazendo trolagem ou cyberbullying, há um empenho em degradar o Brasil "na marra", pouco importando os clamores contra.

Parece que tem um lobby, seja nos quatro poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário / MP / PF e Mídia / Empresariado), seja nas mídias sociais, para transformar o Brasil num país sem graça, com aquela desculpa chata de ser "melhor que nada".

Uma espécie de pragmatismo sem sal, no qual, de básico em básico, cheguemos abaixo das necessidades básicas.

No país em que o emprego ameaça virar subemprego, num crossover entre trabalho informal e escravidão, a MPB teria que se dissolver.

A sigla que arrepiava de tantos excelentes talentos hoje está reduzida a quase nada.

Quando a MPB se recusou a ser a "casa da sogra" onde cabia até mulheres-frutas, ela foi condenada a se isolar como a Academia Brasileira de Letras musical ou viver de tempos saudosistas.

O que resta de MPB no mainstream é quase sempre de revivais, auto-tributos ao vivo, regravações, revisitações eternas do repertório já consagrado, mesmo relativamente recente.

A MPB envelhece e os mais novos talentos têm mais de 35 anos de idade.

Enquanto isso, um considerável número de cantores já estão mortos, alguns antes dos 60 anos de idade.

Emílio Santiago, Jair Rodrigues, Selma Reis, Vander Lee, Naná Vasconcellos, Dominguinhos e o letrista Fernando Brant são só algumas das perdas mais conhecidas.

Agora foi Belchior.

Tudo bem que eles partam, de uma forma ou de outra, mas não há compensações, o elenco da MPB cada vez mais se encolhe.

Enquanto isso, duplas de "sertanejo universitário" surgem com a fúria industrial de garrafas e latas de Coca-Cola.

Todas com o mesmo formato, masculinas e femininas, ou casais, casados ou não-casados.

E ainda tem o "funk", o "forró eletrônico" e o que restou da axé-music, porque pelo menos este ritmo abusou tanto da monocultura na Bahia que criou escândalos de natureza trabalhista, sexual etc.

E a intelectualidade "bacana", pioneira naquelas plagas (vide Milton Moura e seus "pagodes impertinentes"), está em baixo astral e havia sofrido baixa, morrendo Roberto Albergaria.

Mas o comercialismo brega-popularesco já fez seus milionários na Bahia e hoje até a fonte secou, o que Bell Marques, Durval Lélis, Beto Jamaica, Xanddy e companhia fazem são apenas pálidas cópias de antigos sucessos.

Músicas que perecem em seis meses, como todo brega-popularesco.

Canções que a mídia venal - e os intelectuais "bacanas" entrincheirados no terreno adversário da mídia de esquerda - definia como "poderosas" e "impactuantes", se mofam em meio ano.

"Meteoro", "Ai Se Eu Te Pego", "Show das Poderosas", "Beijinho no Ombro", "Eu Quero Tchu, Eu Quero Tchá", "Rebolation" e "Lepo Lepo" hoje têm forte odor de mofo tóxico.

Enquanto isso, músicas como a de Belchior mantém seu frescor.

"Como Nossos Pais" anda muito surrada na gravação de Elis Regina, mas a versão dela descaraterizou, no sentido positivo, a bela canção de Belchior, dando uma outra força.

E canções como "Apenas um Rapaz Latino-Americano" também se revelam com seu brilho intato.

A MPB autêntica era assim e eu mesmo, hoje, andei perto de um carro tocando Raul Seixas e vejo o quanto ele mantém sua força em suas canções que não perecem.

Belchior era dessa mesma geração visceral de Raul que, nos anos 1970, mostrou a MPB no seu vigor juvenil e contundente em grandes músicas e discos.

Uma geração que tentou sobreviver dignamente - alguns nem tanto - depois do primeiro desmonte da MPB, o mercantilismo que veio a partir de 1978.

E o que será a MPB hoje?

Será prisioneira de seus próprios revivais, que soam como uma despedida subliminar?

Será subordinada a uma falsa renovação com cantores "provocativos" que colocam a polêmica acima da música?

Ou submetida ao surgimento de cantores inócuos fazendo sub-Jovem Guarda e sub-Rock Brasil sob o rótulo de "MPB pós-tropicalista"?

Ou sucumbirá de vez à apropriação hipócrita de "sertanejos" e "pagodeiros" da geração1989-1990 que primeiro tiraram a MPB das rádios e agora querem gravar, dela, seus covers?

A sigla MPB, do contrário que era há 50 anos, está hoje desmoralizada e frágil.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

PUBLICADO 'ESSA ELITE SEM PRECONCEITOS (MAS MUITO PRECONCEITUOSA)'

Está disponível na Amazon o livro Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , uma espécie de "versão de bolso" do livro Esses Intelectuais Pertinentes... , na verdade quase isso. Sem substituir o livro de cerca  de 300 páginas e análises aprofundadas sobre a cultura popularesca e outros problemas envolvendo a cultura do povo pobre, este livro reúne os capítulos dedicados à intelectualidade pró-brega e textos escritos após o fechamento deste livro. Portanto, os dois livros têm suas importâncias específicas, um não substitui o outro, podendo um deles ser uma opção de menor custo, por ter 134 páginas, que é o caso da obra aqui divulgada. É uma forma do público conhecer os intelectuais que se engajaram na degradação cultural brasileira, com um etnocentrismo mal disfarçado de intelectuais burgueses que se proclamavam "desprovidos de qualquer tipo de preconceito". Por trás dessa visão "sem preconceitos", sempre houve na verdade preconceitos de cl

LULA, O MAIOR PELEGO BRASILEIRO

  POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LULA DE 2022 ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE FERNANDO COLLOR O QUE DO LULA DE 1989. A recente notícia de que o governo Lula decidiu cortar verbas para bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular faz lembrar o governo Collor em 1991, que estava cortando salários e ameaçando privatizar universidades públicas. Lula, que permitiu privatização de estradas no Paraná, virou um grande pelego político. O Lula de 2022 está mais próximo do Fernando Collor de 1989 do que o próprio Lula naquela época. O Lula de hoje é espetaculoso, demagógico, midiático, marqueteiro e agrada com mais facilidade as elites do poder econômico. Sem falar que o atual presidente brasileiro está mais próximo de um político neoliberal do que um líder realmente popular. Eu estava conversando com um corretor colega de equipe, no meu recém-encerrado estágio de corretagem. Ele é bolsonarista, posição que não compartilho, vale lembrar. Ele havia sido petista na juventude, mas quando decidiu votar em Lul

OS CRITÉRIOS VICIADOS DE EMPREGO

De que adianta aumentar as vagas de emprego se os critérios de admissão do mercado de trabalho estão viciados? De que adianta haver mais empregos se as ofertas de emprego não acompanham critérios democráticos? A ditadura militar completou 60 anos de surgimento. O governo Ernesto Geisel, que consolidou o Brasil sonhado pelas elites reacionárias, faz 50 anos de seu início. Até parece que continuamos em 1974, porque nosso Brasil, com seus valores caquéticos e ultrapassados, fede a mofo tóxico misturado com feses de um mês e cadáveres em decomposição.  E ainda muitos se arrogam de ver o Brasil como o país do futuro com passaporte certeiro para ingressar, já em 2026, no banquete das nações desenvolvidas. E isso com filósofos suicidas, agricultores famintos e sobrinhos de "médiuns de peruca" desaparecendo debaixo dos arquivos. Nossos conceitos são velhos. A cultura, cafona e oligárquica, só defendida como "vanguarda" por um bando de intelectuais burgueses, entre jornalist

MAIS DECEPÇÃO DO GOVERNO LULA

Governo Lula continua decepcionando. Três casos mostram isso e se tratam de fatos, não mentiras plantadas por bolsonaristas ou lavajatistas. E algo bastante vergonhoso, porque se trata de frustrações dos movimentos sociais com a indiferença do Governo Federal às suas necessidades e reivindicações. Além de ter havido um quarto caso, o dos protestos de professores contra os cortes de verbas para a Educação, descrito aqui em postagem anterior, o governo Lula enfrenta protestos dos movimentos indígenas, da comunidade científica e dos trabalhadores sem terra, lembrando que o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) já manifestou insatisfação com o governo e afirmou que iria protestar contra ele. O presidente Lula, ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, assinou, no último dia 18, a demarcação de apenas duas terras para se destinarem a ser reservas indígenas, quando era prometido um total de seis. Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT) foram beneficiadas pelo document