O mês de outubro deste ano foi marcado pelo anúncio do fim de duas emissoras durante muito tempo associadas à cultura jovem no Brasil: a filial da Music Television, a MTV Brasil, e a Rede Transamérica de Rádio.
O fim definitivo da marca MTV Brasil foi anunciado nos EUA, através de um comunicado da Paramount Global, que resolveu enxugar sua estrutura empresarial cancelando uma série de canais, com o objetivo de priorizar o streaming.
A Paramount Global decidiu extinguir os canais musicais derivados da MTV, cuja matriz, hoje, mais está para uma emissora de reality shows, como Jersey Shore, Geordie Shore, Teen Mom e Ex On the Beach (este tendo gerado uma franquia brasileira, "De Férias com o Ex"). Os canais musicais ceifados são MTV Music, MTV 80s, MTV 90s, Club MTV e MTV Live, previstos para saírem do ar no fim deste ano.
A MTV britânica também sairá do ar, conforme o anúncio da Paramount Global. No Brasil, a MTV Brasil e a Nickelodeon Brasil também desaparecerão, enquanto todo o seu espólio passará para os canais Pluto e Paramount Plus.
Já no caso da Rede Transamérica, a famosa rede de emissoras FM - lembrando que hoje o rádio FM está praticamente extinto, reduzido hoje a apenas uma vitrine publicitária para webradios, retransmitidas por essa banda radiofônica - , que surgiu como propriedade do banqueiro Aloísio Faria, já falecido, também proprietário da rede de hotéis Transamérica, houve também mudanças profundas.
Enquanto a rede de hotéis Transamérica passou a ser controlada pela Atlantica Hospitality International desde quatro anos atrás, a rede de rádios passou a ser controlada pelo Grupo Camargo de Comunicação, que cresceu o seu poder de maneira exorbitante a ponto de adotar esse nome em substituição ao anterior Esfera Brasil.
Atualmente o Grupo Camargo de Comunicação controla rádios como a Alpha FM, Rádio Disney - obtendo a franquia da famosa marca Disney e adquirindo ações do empresário Paulo Henrique Cardoso, filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - e 89 FM, que, apesar do nome "A Rádio Rock", cada vez tem menos representatividade entre o público roqueiro. Controlado por João Camargo, o mais poderoso empresário da Faria Lima, o GCC também é sócio da franquia noticiosa CNN Brasil.
A Transamérica deu lugar à TMC, webradio especializada em notícias, debates e esportes, e cuja inauguração já causou um escândalo, quando o jornalista Flávio Gomes, quatro anos depois de ser contratado pela emissora, foi demitido ao se posicionar, no seu perfil nas redes sociais, apoiador da reeleição do presidente Lula.
PARA ALÉM DA SIMPLES NOSTALGIA
Saindo dos clichês da simples nostalgia, nota-se que, nos dois casos, o fim já teria ocorrido bem antes da extinção formal.
A MTV Brasil, com as suas virtudes de uma emissora surgida em 1990 com programação criativa, VJs talentosos e uma farta exibição de videoclipes e outras atrações interessantes, já deixou de existir em 2013, quando ela deixou de ser uma franquia do Grupo Abril, que então passava por uma reestruturação empresarial que, ao longo dos anos também eliminou diversas publicações e jogou algumas outras apenas para a Internet.
Sempre foi um exagero dizer que a MTV é a "TV do rock", pois seu conteúdo era eclético. Não dava para tratar a MTV Brasil como um "edifício-garagem". E o ecletismo era bom, tanto que a MTV Brasil dos tempos áureos teve a façanha de divulgar a MPB para o público jovem, algo que era considerado impensável nos idos dos anos 1990.
Em 2013, a MTV Brasil passou a ser controlada diretamente da então empresa Viacom, depois CBS Viacom e hoje Paramount Global. O marido da atriz Carolina Dieckmann, Tiago Worcman, tornou-se entao o executivo intermediário entre as filiais brasileiras da MTV e Nickelodeon e responsável por comandar a adaptação das orientações dos canais matrizes, fazendo com que a MTV Brasil estivesse mais dependente da matriz dos EUA, diferente da autonomia dos tempos do Grupo Abril.
Aliás, desde 2008, mesmo sob a franquia da Abril, a MTV Brasil já não vivia um grande tempo porque estava deixando de ser um canal de música para ser um canal de reality shows. Haver game shows ainda vai, até porque programas como o Total Request Live - cuja versão brasileira ganhou o nome de Quiz MTV - tinham seu charme e captavam muito bem o estado de espírito da Music Television.
A marca MTV, portanto, ficará nos EUA, enquanto os canais musicais que relembravam a fase áurea da emissora vão desaparecendo. Na ironia do primeiro videoclipe exibido na MTV ter sido uma canção de 1979 do grupo Buggles, do músico, vocalista e produtor Trevor Horn, "Video Killed the Radio Star", hoje os tempos estão mais para "Social Media Killed the MTV Star".
Quanto à Transamérica, a rede, na prática, já "morreu" há 30 anos, quando, num acordo secreto para firmar a concorrente Jovem Pan no mercado, fez com que emissoras concorrentes deixassem o pop dançante para fazer a emissora de Tutinha ter prioridade.
Tendo repercutido de maneira negativa ao adquirir, em 1994, a Rádio Fluminense FM, antiga rádio de rock de Niterói, a Jovem Pan negociou o recuo das concorrentes do segmento pop dançante, principalmente no dial FM do Grande Rio. A RPC FM, por exemplo, teve que ser extinta e se transformar na atual rádio de brega-popularesco FM O Dia.
Já a Transamérica, no conjunto de sua rede, e a Rádio Cidade, no Rio de Janeiro - antiga rede de rádios pop que deixou de existir, pulverizando o nome "Cidade" para rádios dos mais variados perfis - , tiveram que virar arremedos de "rádios rock" com um desempenho mais do que vergonhoso. No caso da Transamérica, a emissora só explorou o segmento durante um ano, dando tempo para a Jovem Pan firmar sua marca como rede de rádios pop.
Na época, surgiu um boato de que o radialista e jornalista Leopoldo Rey, antigo gerente artístico da extinta 97 Rock - atual Energia 97 - , estaria coordenando a programação da Transamérica, mas a verdade é que ele apenas foi contratado como consultor de um programa da rádio, o T-Rock, de rock mais antigo, e ganhou uma coluna na Revista Transamérica.
Depois disso, a Transamérica teve um breve momento retomando o perfil pop, mas em seguida a rádio decaiu, a partir de 1998, quando passou a ser uma "rádio de aluguel" para DJs de casas noturnas e dirigentes esportivos, sinalizando uma morte operacional melancólica, marcada por quedas vertiginosas de audiência.
Na onda do "AeMão de FM", quando emissoras FM, em concorrência predatória, exploravam o mesmo filão de programação das rádios AM, a Transamérica passou a transmitir jornadas esportivas tão mofadas que as transmissões de partidas pareciam extraídas de algum arquivo de rádio dos anos 1970.
Era a época em que o jabaculê das FMs flertava com as negociatas dos "cartolas" (apelido dado aos dirigentes esportivos), transformando a Frequência Modulada em "caixa dois" das federações estaduais de futebol.
Acompanhei esse processo em Salvador, quando a Transamérica Salvador, a Rádio Metrópole, a Salvador FM e outras emissoras foram denunciadas em diversos escândalos de propinas com dirigentes dos times baianos Bahia e Vitória. Comprava-se até sintonia em postos de gasolina, táxi, botecos e até papelarias e livrarias em shoppings da capital baiana para forçar, através da poluição sonora, uma "grande audiência" dessas transmissões, num caso escancarado de jabaculê esportivo para anabolizar o Ibope.
Nos últimos tempos, as transmissões esportivas passaram a imitar o som e o ritmo das transmissões de TV, sem muito sucesso. Acordos com empresas de ônibus em São Paulo fizeram com que motoristas sintonizassem a Transamérica durante transmissões de jogos, uma inconveniência se lembrarmos que, nos ônibus, há o aviso de que é proibido ligar aparelhos sonoros dentro de seus recintos.
No fim de sua existência, a Transamérica só emplacava entre os chamados "fanáticos modulados", ou seja, ouvintes de rádios que, sob o pretexto de cultuar o hobby radiofônico, passavam a defender os interesses de grupos empresariais. Para esse pessoal, em que pese a "saudade" que sentem da Transamérica, a mudança para a atual TMC será bem aceita por esse pequeno mas barulhento público.
Diante dessa ciranda de meios de comunicação, o que se vê e que o Brasil torna-se um cenário midiático e cultural bastante complexo e os tempos de hoje estão mais distópicos, com o aumento do poder dos empresários da mídia.
O Grupo Camargo de Comunicação, por exemplo, mostra que a Faria Lima influi muito mais nas mentes da sociedade brasileira do que se pensa. O "ar puro" que flui na cultura jovem de hoje vem do ar condicionado dos escritórios das grandes empresas no Itaim-Bibi, em São Paulo.
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