Pular para o conteúdo principal

A MÚSICA BRASILEIRA E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PROVOCATIVIDADE

INÊS BRASIL, KAROL CONKA E LINIKER - Provocação como um fim em si mesmo.

Não confio nos novos nomes da música brasileira.

Desde a dupla Emicida / Criolo, "subversivos" facilmente acolhidos pelo establishment, veio uma escola de "provocatividade" que põe a polêmica como um fim em si mesmo.

Eu li, ainda no final do ano passado, uma entrevista com Cadão Volpato, um dos fundadores da banda Fellini - que de vez em quando faz apresentações, porque seus membros não "vivem" da banda paulistana - , no portal da Carta Capital.

Ele falou que não gostava do rock como instituição.

"Porque aí você cria esse tipo de roqueiro velho, que vive da instituição que ele mesmo ajudou a criar. Aquela coisa de ser jovem para sempre e de ser rebelde. Então ser rebelde é você dizer que tem mais é que arrancar as unhas do cara na tortura?", explicou Cadão.

É o que eu temo que ocorra com a MPB pós-Tropicália, adaptado ao seu contexto.

O Tropicalismo, que completa 50 anos de ascensão - consta-se que, assim como a psicodelia em 1964 (ou 1961, se citarmos o "ônibus" de Ken Kesey). o Tropicalismo foi tramado em 1964 ou 1965 - , também gerou um gigantesco incômodo.

Caetano Veloso é testemunha disso, vaiado quando cantava "É Proibido Proibir".

Mas, com todos os senões, o Tropicalismo e seus derivados - me vêm à mente Jards Macalé, Jorge Mautner e a turma da Lira Paulistana - causava polêmica, mas primava pela música.

Caetano poderia usar roupa de plástico, sua irmã Maria Bethânia usar minissaia e posar ao lado de uma guitarra, Gal Costa com roupas psicodélicas.

Ou Tom Zé com suas teorizações poéticas.

Mas o pessoal vinha com música, em primeiro lugar. Afinal, quem está na música é para mostrar música e não causar polêmica por si mesma.

Hoje o que se vê é a música deixada em segundo plano, ainda que houvesse um esforço para tal.

É o inverso. Primeiro vem a polêmica, depois vem a música.

A geração "provocativa" da música brasileira - Emicida, Criolo, Karol Conka, Inês Brasil e Liniker - parece querer fazer um "Tropicalismo de resultados".

Eu faço comparação com o que ocorre com o rock'n'roll, embora este tenha se desgastado amplamente.

No rock, se vê todo aquele jogo de cena de linguinha de fora, mãozinha imitando a cara do capeta, gente de jaqueta de couro e tudo mais.

Era tanta pose e tanto aparato que tentou-se fazer do rock coisa de não-roqueiro.

Fiquei aliviado quando a Rádio Cidade deu lugar à popularesca Mania FM.

A rádio, com um desempenho desastroso, chegou ao ponto surreal de ser tolerada até pelos órfãos da Fluminense FM, tudo para ter Pearl Jam visitando todo ano o Rio de Janeiro.

Era um horror ver anúncios de programas da Cidade FM com mauricinhos botando linguinha para fora.

Ver no Facebook um monte de "gente bonita" padrão Alto Leblon, falando asneiras e achando que pode ser fã do AC/DC ouvindo apenas uma única música, "Back in Black".

O episódio do "bigode do Freddie Mercury" mostrou o caráter patético dessa rebeldia de fachada, caricatural e piegas.

E tinha gente que, no fundo, era fã do seriado Chaves, de Wando, Cristiano Araújo e do "Rap da Felicidade" que, de repente, virou "roqueiro de carteirinha" só por causa da Rádio Cidade, no qual o melhor atrativo era um besteirol sobre futebol.

Rock já deixava de ser música, para virar "instituição", "seita" etc. Era um horror.

E nem vou falar do que a 89 FM se reduziu. Era uma rádio medíocre que, hoje, mais parece um braço "roqueiro" da Jovem Pan, ideologicamente falando.

Mais próximo do Danilo Gentili do que de, por exemplo, Renato Russo e Raul Seixas.

Se o rock reduziu a isso, quando até lá fora o heavy metal passou a acolher os posers como filhos ilegítimos, semelhante apreensão se dá em relação à música brasileira.

Carecemos de renovação na MPB em todos os sentidos.

Temos uma geração "carneirinha" que mais parece fazer uma sub-Jovem Guarda ainda mais inofensiva que a original.

Temos a geração "provocativa", de Emicida, Liniker etc, em que a polêmica está em primeiro lugar.

Fora desse perímetro, temos o império brega-popularesco no qual "funk" e "sertanejo" lideram e a "geração 90" dos neo-bregas tentam se apropriar com o que resta da MPB.

E tudo isso quando se discute o futuro da MPB apenas pelo prisma econômico, debatendo as verbas da Lei Rouanet, a organização de "viradas culturais"...

De resto, é só jogar um cantor breganejo ou sambrega num programa trainée e ele fica prontinho para "fazer bonito" no próximo tributo de MPB no palco ou em disco.

E assim ficamos esperando alguma grande novidade nessa MPB fora de tom...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

INFANTILIZAÇÃO E ADULTIZAÇÃO

A sociedade brasileira vive uma situação estranha, sob todos os aspectos. Temos uma elite infantilizada, com pessoas de 18 a 25 anos mostrando um forte semblante infantil, diferente do que eu via há cerca de 45 anos, quando via pessoas de 22 anos que me pareciam “plenamente adultas”. É um cenário em que a infantilizada sociedade woke brasileira, que chega a definir os inócuos e tolos sucessos “Ilariê” e “Xibom Bom Bom” cono canções de protesto e define como “Bob Dylan da Central” o Odair José, na verdade o “Pat Boone dos Jardins”, apostar num idoso doente de 80 anos para conduzir o futuro do Brasil. A denúncia recente do influenciador e humorista Felca sobre a adultização de menores do ídolo do brega-funk Hytalo Santos, que foi preso enquanto planejava fugir do Brasil, é apenas uma pequena parte de um contexto muito complexo de um colapso etário muito grande. Isso inclui até mesmo uma geração de empresários e profissionais liberais que, cerca de duas décadas atrás, viraram os queridões...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

BRASIL QUER SER POTÊNCIA COM VIRALATISMO

A "CONQUISTA DO MUNDO" DO BRASIL COMO "POTÊNCIA" É APENAS EXPRESSÃO DE UMA ELITE QUE SE SENTE NO AUGE DO PODER, A BURGUESIA ILUSTRADA. A vitória de uma equipe de ginástica rítmica que se apresentou ao som da tenebrosa canção "Evidências", composição do bolsonarista José Augusto consagrada pela dupla canastrona Chitãozinho & Xororó, mostra o espírito do tempo de um Brasil que, um século depois, vive à sua maneira os "anos loucos" ( roaring twenties ) vividos pelos EUA nos anos 1920. É o contexto em que as redes sociais espalham o rumor de que o Brasil já se tornou "potência mundial" e se "encontra agora entre os países desenvolvidos", sinalizando a suposta decadência do império dos EUA. Essa narrativa, própria de um conto de fadas, já está iludindo muita gente boa e se compara ao mito da "nova classe média" do governo Dilma Rousseff. A histeria coletiva em torno do presidente Lula, que superestima o episódio do ta...

TEM BRASILEIRO INVESTINDO NO MITO MICHAEL JACKSON

Já prevenimos que o cantor Michael Jackson, que teria feito 67 anos ontem, virou um estranho fenômeno "em alta" no Brasil, como se tivesse sido "ressuscitado" em solo brasileiro. Na verdade, o finado ídolo pop virou um hype  tão sem imaginação que a lembrança do astro se dá somente a sucessos requentados, como "Beat It", "Billie Jean" e "Thriller". Na verdade, essa reabilitação do Rei do Pop, válida somente em território brasileiro, onde o cantor é supervalorizado ao extremo, a ponto de inventar qualidades puramente fake  - como alegar que ele foi roqueiro, pesquisador cultural, ateu, ativista político etc - , é uma armação bem articulada tramada pela Faria Lima, sempre empenhada em ditar os valores culturais que temos que assimilar. De repente Michael Jackson começou a "aparecer" em tudo, não como um fantasma assombrando os cidadãos, mas como um personagem enfiado tendenciosamente em qualquer contexto, como numa estratégia de...

A MIRAGEM DO PROTAGONISMO MUNDIAL BRASILEIRO

A BURGUESIA ILUSTRADA BRASILEIRA ACHA QUE JÁ CONQUISTOU O MUNDO. Podem anotar. Isso parece bastante impossível de ocorrer, mas toda a chance do Brasil virar protagonista mundial, e hoje o país tenta essa façanha testando a coadjuvância no antagonismo político a Donald Trump, será uma grande miragem. Sei que muita gente achará este aviso um “terrível absurdo”, me acusando de fazer fake news ou “ter falta de amor a Deus”, mas eu penso nos fatos. Não faço jornalismo Cinderela, não estou aqui para escrever coisas agradáveis. Jornalismo não é a arte de noticiar o desejado, mas o que está acontecendo. O Brasil não tem condições de virar um país desenvolvido. Conforme foi lembrado aqui, o nosso país passou por retrocessos socioculturais extremos durante seis décadas. Não serão os milagres dos investimentos, a prosperidade e a sustentabilidade na Economia que irão trazer uma cultura melhor e, num estalo, fazer nosso país ter padrões mais elevados do que os países escandinavos, por exemplo....

MICHAEL JACKSON: O “NOVO ÍDOLO” DA FARIA LIMA?

MICHAEL JACKSON EM SUA DERRADEIRA APARIÇÃO, EM 24 DE JUNHO DE 2009. O viralatismo cultural enrustido, aquele que ultrapassa os limites do noticiário político que carateriza o “jornalismo da OTAN” - corrente de compreensão político-cultural, fundamentada num “culturalismo sem cultura”, que contamina as esquerdas médias abduzidas pela mídia patronal - , tem desses milagres.  O que a Faria Lima planeja em seus escritórios em Pinheiros e Itaim Bibi (nada contra esses bairros, eu particularmente gosto deles em si, só não curto as ricas elites da grana farta) acaba, com uma logística publicitária engenhosa, fazendo valer não só nas areias do Recreio dos Bandeirantes, mas também nos redutos descolados de Recife, Fortaleza e até Macapá. Vide, por exemplo, a gíria “balada”, jargão de jovens ricos da Faria Lima para uma rodada de drogas alucinógenas. Pois a “novidade” trazida pelos farialimeiros que moldam o comportamento da sociedade brasileira através da burguesia ilustrada, é a “ressurrei...

MÚSICA BREGA-POPULARESCA É UM PRODUTO, UMA MERA MERCADORIA

PROPAGANDA ENGANOSA - EVENTO NO TEATRO MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO EXPLORA A FALSA SOFISTICAÇÃO DO CONSTRANGEDOR SUCESSO "EVIDÊNCIAS", COM CHITÃOZINHO & XORORÓ. O Brasil tem o cacoete de gourmetizar modismos e tendências comerciais, como se fossem a oitava maravilha do mundo. Só mesmo em nosso país os produtores e empresários do entretenimento, quando conseguem entender a gramática de um fenômeno pop dos EUA e o reproduzem aqui - como, por exemplo, o Rouge como imitação das Spice Girls e o Maurício Manieri como um arremedo fraco de Rick Astley - , posam de “descobridores da roda”, num narcisismo risível mas preocupantemente arrogante. Daí que há um estigma de que nosso Brasil a música comercial se acha no luxo de se passar por “anti-comercial” usando como desculpa a memória afetiva do público. Mas não vamos nos iludir com essa mentira muito bem construída e muito bem apoiada nas redes sociais. Você ouve, por exemplo, o “pagode romântico”, e acha tudo lindo e amigável. Ouv...

BEATITUDE VERGONHOSA… E ENVERGONHADA

A idolatria aos chamados “médiuns espíritas” - espécie de “sacerdotes” desse Catolicismo medieval redivivo que no Brasil tem o nome de Espiritismo - é um processo muito estranho. Uma beatitude rápida, de uns poucos minutos ou, se depender do caso, apenas um ou dois dias, manifesta nas redes sociais ou pelo impulso a algum evento da mídia empresarial, principalmente Globo e Folha, mas também refletindo em outros veículos amigos como Estadão, SBT, Band e Abril. Parece novela ruim esse culto à personalidade que blinda esses charlatães da fé dita “raciocinada” - uma ideia sem pé nem cabeça que pressupõe que dogmas religiosos teriam sido “avaliados, testados e aprovados” pela Ciência, por mais patéticos e sem lógica que esses dogmas sejam - , tamanho é o nível de fantasias e ilusões que cercam esses farsantes que exploram o sofrimento humano.  Os “médiuns” foram e são mil vezes mais traiçoeiros que os “bispos” neopentecostais, mas são absolvidos porque conseguem enganar todo mundo com u...

LULA VIROU O CANDIDATO DA ELITE “LEGAL” QUE CONTROLA AS REDES

JOVENS DESPERDIÇANDO SEU DIREITO DE ESCOLHA APOSTANDO NA "DEMOCRACIA DE UM HOMEM SÓ" DE LULA. Um levantamento do Índice Datrix dos Presidenciáveis divulgou dados de agosto último, apontando a liderança do presidente Lula no engajamento das redes sociais. Lula teve um aumento de 55% em relação a julho e ocupa o primeiro lugar, com 24,39 pontos. Já Michelle Bolsonaro, um dos nomes da direita brasileira, cai 53%< estando com 18,80 pontos. Ciro Gomes foi um dos que mais cresceram, indo do sexto para o segundo lugar (verificar os pontos). Lula tornou-se o candidato predileto da “nação Instagram/Tik Tok”. Virou o político preferido da elite “legal” que domina as narrativas nas redes sociais. E isso acontece num contexto bastante complicado em que uma parcela abastada da sociedade aposta em Lula como fiador de um desejo insano de dominar o mundo. Vemos começar o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de envolvimento em um plano de golpe junto a outros militares. E te...

SOBRE A POLARIZAÇÃO ENTRE LULISTAS E BOLSONARISTAS

Sobre a polarização, tema a ser relembrado nas manifestações de hoje, Dia da Independência do Brasil, devemos refletir a respeito do lulismo. Os lulistas não admitem a hipótese de que Lula é o responsável pelo bolsonarismo. Em verdade, Lula não é mesmo, pelo menos por parte de seus propósitos, mas a atuação dele no poder, até em função da polarização que ele representa, acaba provocando a reação dos opositores mais radicais. Ou seja, Lula, estando no poder, sem querer acaba estimulando a reação bolsonarista. Lula não é extremista e seu esquerdismo, observando bem, é muito fraco e tão brando que não assusta a Faria Lima e nem representa rupturas com a ordem social vigente há pelo menos 50 anos. Mas, simbolicamente, Lula é um dos extremos na disputa por hegemonia no imaginário coletivo brasileiro, não podendo o presidente combater a polarização apostando num “Brasil de todos”, afinal ele é um dos polos dessa disputa, não uma força a existir fora da polarização. Isso é tão certo que, em t...