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COMO O "FUNK" FRAGILIZOU AS ESQUERDAS NO BRASIL

JOSÉ JÚNIOR, DO AFROREGGAE, RECEBE A VISITA DO ENTÃO CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, AÉCIO NEVES.

As críticas à fragilidade das esquerdas cresceram nos últimos tempos.

Mas, agora, a coisa é diferente: são as esquerdas que passaram a criticar a si mesmas.

A questão se refere à fragilidade política e social dos movimentos progressistas.

Isso se reflete com o desmonte de vários governos progressistas não só no Brasil como nos demais países latino-americanos.

Mas é no Brasil que a coisa se torna ainda mais dramática.

O governo Temer se iniciou sem representatividade popular e o presidente, mesmo assim, se mantém no poder com baixa resistência de seus opositores.

Isso mostra que até as esquerdas tiveram suas zonas de conforto e seus métodos de mobilização haviam sido frágeis.

Um certo grau de complacência também fez os esquerdistas ficarem ainda mais enfraquecidos.

Como o fato de morderem a isca do "funk", por exemplo.

O pessoal esqueceu que o "funk" havia saído de uma bem-sucedida campanha de popularização junto às Organizações Globo.

Em tudo quanto era veículo, em tudo quanto era atração, a Globo empurrava o "funk" para o público em geral, no seu empenho em produzir consenso.

O discurso "social" era tomado emprestado do Criança Esperança, juntamente com a retórica intelectual que parceiros "de fora" como a Folha de São Paulo faziam.

Sim, não foi só a Globo que propagou o "funk". Se juntarmos outras corporações da mídia hegemônica, identificamos também os apoios do Grupo Abril (Veja, Caras e Contigo), Folha de São Paulo, Estadão e SBT.

As esquerdas viam na Globo cenas de favelados falando de "funk" e mordeu a isca.

Virou cortina de fumaça para os demais problemas sócio-econômicos, virou sequestro de pauta na agenda das esquerdas.

As esquerdas não perceberam que o negócio do "funk" era consumismo e não humanismo.

Os funqueiros sempre foram contra a regulação da mídia, por ver neste caso a perda de espaços de visibilidade. Mas fingiam ser "totalmente a favor" só para arrancar o apoio dos esquerdistas mais sérios.

MC Leonardo, redescoberto por um cineasta fã de Sérgio Moro e ligado ao Instituto Millenium, continua, nas páginas de Caros Amigos, expondo seu "marxismo de Washington".

Mulheres-objeto do "funk" promoviam seu "feminismo de glúteos" para evitar que as mulheres pobres se emancipassem de verdade, apenas se "emancipando" dentro das regras do consumismo e da erotização compulsiva.

Os defeitos do "funk" dentro daquela fórmula "interpretar o passado com os olhos do presente", eram colocados na conta de Oswald de Andrade e Gregório de Matos.

O "bom etnocentrismo" dos intelectuais "bacanas" que apoiaram o "funk" jogava as diferenças de contextos históricos para as favas e julgava que o "funk" era discriminado "da mesma forma" que o samba de 100 anos atrás.

Pura falácia. Naquela época a sociedade era fechada demais e se incomodava até diante de um inocente pezinho nu de uma mulher.

O samba tinha um forte instrumental, coisa que o "funk", no seu mais austero rigor estético, não tem.

O "funk", comemorando as conquistas feitas beijando na boca dos irmãos José Roberto, João Roberto e Roberto Irineu e após fazer amor com Otávio Frias Filho, foi procurar as esquerdas em troca de umas verbas estatais da Lei Rouanet.

Foi um desvio de foco tremendo, que pegou as esquerdas de surpresa.

Uma abordagem espetacularizada, associada à glamourização da pobreza e da ignorância, que viva o povo pobre de maneira estereotipada e caricata, como a de "bons selvagens" contemporâneos.

As esquerdas levavam gato por lebre. Viam na caricatura uma forma alegre de realismo e foram dormir felizes depois da cilada em que caíram.

E aí vemos que o "funk", vindo da Globo, nunca amedrontou, de verdade, os barões da mídia.

Pelo contrário. Eles gostavam, e muito.

Era uma relação de cumplicidade. Não era o "funk" que buscava enfrentamento nos espaços de divulgação da mídia hegemônica, nem a mídia hegemônica que se apropriava da popularidade do "funk".

Eram ambas as forças, felizes, para um propósito: domesticar as classes populares para criar a condição propícia para, em dado momento, tirar as forças progressistas do poder.

Ninguém percebeu que o "funk", cujas raízes remetem à Flórida anti-castrista, nunca iria expressar um genuíno esquerdismo ideológico.

Da mesma forma, ninguém percebeu que os maiores divulgadores do "funk" no Brasil estavam longe de representar algum movimento marxista ou guevariano.

MARXISTAS? ALEXANDRE FROTA E LUCIANO HUCK FORAM UNS DOS QUE MAIS CONTRIBUÍRAM PARA A POPULARIZAÇÃO DO "FUNK".

Pessoas do porte de Alexandre Frota e Luciano Huck foram os que mais divulgaram o "funk" entre o público jovem.

Consta-se que, mesmo nos movimentos sociais, onde o "funk" simula um "autêntico esquerdismo", entidades ligadas direta ou indiretamente ao PSDB estariam por trás disso.

O Instituto Overmundo e o grupo Afroreggae, sendo o primeiro fundado por Hermano Vianna, antropólogo ligado ao grupo de Fernando Henrique Cardoso, estão entre os mais empenhados na promoção e divulgação do "funk" nas "comunidades".

Os dois grupos articulam uma rede de "coletivos" que tenta dar um aparato de "folclore" ao ritmo comercial, originalmente idealizado por uma elite de empresários-DJs.

Consta-se que, quando surgiu o "funk ostentação", no começo da crise política que depois derrubou Dilma Rousseff, vieram também os chamados "rolezinhos".

O "funk ostentação", que faz apologia ao consumismo e à aquisição de bens supérfluos, fez MC Guimê virar capa de Veja no auge do reacionarismo da revista do Grupo Abril.

Em compensação, a mídia esquerdista não conseguia explicar esse aspecto consumista do "funk ostentação". Houve gente apostando na tola tese "capitalismo anti-capitalismo".

Com os "rolezinhos", abriu-se caminho para as passeatas verde-amarelo dos devotos do Pato da FIESP.

Elas pressionaram um Legislativo reacionário, eleito em 2014, que decidiu marcar uma votação para abertura de impeachment do governo da presidenta Dilma Rousseff.

E aí, para abafar os gritos esquerdistas, o "funk", com a Furacão 2000 de Rômulo Costa, com relações com o PMDB carioca e tendo escolhido Huck para ser o "embaixador do funk no Brasil", resolveu fazer seu "panelaço" eletrônico.

As esquerdas morderam a isca e não perceberam o inimigo que estava ao lado deles.

E viram a sociedade conservadora tranquila diante do barulho do "funk" que continua ecoando na mídia hegemônica e nas festas juvenis da alta sociedade.

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