Mais uma vez foram divulgadas informações sobre a violência no Brasil.
De fato, 2016, o ano da retomada reacionária, foi um dos mais sangrentos da História do Brasil.
Segundo os dados do Fórum Nacional de Segurança Pública:
Sete pessoas foram mortas no Brasil a cada hora.
Foram precisamente 61.619 mortes por assassinato;
2.703 pessoas foram vítimas de latrocínios (roubo seguido de morte);
437 policiais Civis e Militares foram assassinados;
Ocorreram 49.497 estupros (denunciados);
A cada duas horas 1 mulher foi assassinada;
A cada minuto 1 carro foi roubado ou furtado;
70% dos professores e diretores presenciaram agressões físicas ou verbais entre os alunos.
O número de assassinatos (61.619) superou o de 2015, com 59.080 homicídios registrados, e de 2005, com 48.136.
O que significa que, na retomada ultraconservadora, o holocausto já se instalou no Brasil, já que a maioria das vítimas é de jovens, negros, pobres ou mulheres.
Mas o que chama a atenção é a superestima dos dados do Nordeste, considerado oficialmente a região mais violenta do Brasil.
É certo que nas regiões suburbanas e rurais a violência impera, havendo até mesmo o chamado "novo cangaço" em vários Estados.
Mas o problema é que há uma sutil discriminação social em jogo.
Afinal, há pontos que precisam ser colocados.
Primeiro, é o critério confuso de região metropolitana, que inclui a capital de um Estado e um conjunto de cidades vizinhas.
Em certas abordagens, a capital "paga" pela violência que ocorre em cidades vizinhas.
Como Aracaju, por exemplo.
O que ocorre num município da região, como Nossa Senhora do Socorro ou São Cristóvão, é atribuído à capital de Sergipe.
Outro dado a constatar é no caso de crimes registrados.
Em cidades nordestinas, há mais facilidade de denunciar crimes do que em cidades grandes do Sul e Sudeste, nas quais podem haver muito mais crimes que nem chegam aos boletins de ocorrência policiais.
Por exemplo, ocorrem, em dado momento, 10 crimes em Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador, na Bahia, e ocorrem 20 crimes em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro.
Estimamos que, neste caso, todos os 10 crimes são denunciados na cidade baiana, mas apenas seis são denunciados na cidade fluminense.
14 crimes, digamos, não são denunciados por razões que envolvem preguiça, falta de tempo ou medo de represálias.
Diante disso, oficialmente Lauro de Freitas é mais violenta que Nova Iguaçu.
Há um latrocínio na passarela do Iguatemi, em Salvador, que é devidamente denunciado, diante de dez latrocínios em passarelas sobre a Av. Brasil, no Rio de Janeiro, que nem chegam ao conhecimento da polícia, Salvador oficialmente se torna "mais violenta".
Há muitas reclamações sobre critérios adotados, que envolvem crimes a resolver, acidentes de trânsito creditados junto a homicídios, crimes numa cidade distante numa região metropolitana que é atribuído à capital etc.
No Paraná, apenas Almirante Tamandaré, na Grande Curitiba, possui expressivas colocações no ranquim da violência.
A capital paranaense, com reacionarismo em ebulição, aparece na 17ª colocação, sete abaixo de Aracaju, que parece mais tranquila para se viver.
Mas Bahia, Alagoas, Sergipe e outros Estados nordestinos aparecem com farta presença na lista.
O Rio de Janeiro, que se comporta como se fosse a capital mais violenta do Brasil, "descansa" num risível (isto é, chorável) 23º lugar no ranquim da violência.
Isso é quase um último lugar, e sabemos que isso não é verdade e a "tranquilizadora" colocação foi feita tendenciosamente visando o turismo durante as Olimpíadas Rio 2016.
Se vemos investigações sobre corrupção envolvendo Sérgio Cabral Filho, Luiz Fernando Pezão, Eduardo Paes e até Jacob Barata Filho e o outrora "deus olímpico" Carlos Arthur Nuzman, faz sentido essa maquiagem estatística.
No Estado do Rio de Janeiro, apenas cidades como Cabo Frio, Parati e Mangaratiba conseguem entrar na lista, apesar da violência nas demais cidades, como São Gonçalo, que é perigosa até mesmo nas horas mais movimentadas do dia.
E, apesar dos intensos tiroteios que ocorrem até na Rocinha (aos pés da Gávea e do Leblon), o Rio de Janeiro descansa na sua cosmética estatística que a define como "uma das capitais mais tranquilas do Brasil".
Nem a minha terra natal, Florianópolis, escapou desse contexto.
A maquiagem que coloca a capital catarinense como uma das últimas no ranquim da violência, é desmentida pela explosão de violência que envolve brigas de facções e tudo o mais.
E ver São Paulo em último lugar da lista mais recente de capitais mais violentas é algo que mais parece estória da carochinha.
O que se observa é que, quanto maior e mais complexa é uma cidade, mais difícil é haver todos os crimes devidamente denunciados e investigados.
São Paulo e Rio de Janeiro dão muitos indícios de que apenas uma parcela de crimes é denunciada.
Digamos que, em Aracaju e Salvador, 90% dos crimes são denunciados e, em São Paulo e no Rio de Janeiro, há algo em torno de 65%.
Isso influi nas estatísticas que, nas capitais fluminenses, parecem mais "modestas", o que dá uma ilusão de que estas são cidades "mais tranquilas" para se morar.
Mas é constrangedor confrontar a 23ª colocação do Rio de Janeiro entre as capitais mais perigosas do país e a violência que estoura em áreas como Jacaré, Lapa, Estácio, Salgueiro, Lins de Vasconcelos, Morro do Juramento, Complexos do Alemão e da Maré e Rocinha.
Até hoje, foram 115 PMs mortos no Grande Rio apenas este ano.
O grande problema desse alarde em torno da violência no Nordeste é que isso pode transformar a região em lugares repulsivos.
É uma tentativa sutil de isolar e enfraquecer o Nordeste, região que mais está resistindo às arbitrariedades do governo Michel Temer e onde o povo pobre começa a superar décadas de coronelismo.
Além do mais, tenta-se esconder a realidade carioca na medida do possível, não deixando de noticiar o óbvio, mas tentando subestimar a violência para não afetar o turismo de verão.
Triste haver isso. O ideal é que, em todas as regiões, fossem resolvidas as questões de violência e desigualdades sociais. Seja em Florianópolis ou Salvador, Rio de Janeiro ou Lauro de Freitas.
A maquiagem estatística que transforma áreas de população pobre como "perigosas" e áreas de população elitista como "tranquilas" soa como uma discriminação social.
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