A morte de três médicos num quiosque sa Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, retoma o pesadelo bolsonarista diante do sonho rosado dos lulistas. Na madrugada de ontem, os médicos : Diego Ralf Bomfim, Marcos de Andrade Corsato e Perseu Ribeiro Almeida, da USP, iriam participar de um congresso internacional de Odontologia quando, no momento em que lanchavam num quiosque, levaram 33 tiros a queima roupa por um grupo de pistoleiros que agiu com pressa.
Um quarto médico que estava com as vítimas, Daniel Sonnewend Proença, sobreviveu ao ataque. Já Diego era irmão da deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL-SP) e cunhado do também deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ). Já Perseu vivia em Jequié, no interior da Bahia, ultimamente conhecida como a cidade mais violenta do Brasil e que, recentemente, foi local de uma chacina envolvendo ciganos.
A hipótese mais provável seja a de que o grupo tenha sido morto por engano, e que os pistoleiros foram cometer o crime num quiosque errado. Eles foram ordenados a matar o miliciano Taillon de Alcântara Pereira Barbosa, e confundiram Perseu com o chefe das milícias. O quiosque em questão deveria ser o Quiosque da Naná 2, onde frequentava o alvo da milícia, e não o Quiosque da Naná, onde estavam os médicos.
Apesar dessa hipótese do crime cometido por engano ser, até agora, a mais provável, conforme diálogos colhidos por investigadores das redes sociais, Sâmia havia sofrido ameaças de morte contra ela e sua família. O PSOL tem um histórico de atuar no Congresso Nacional para combater as milícias cariocas. Quando era do partido, Marcelo Freixo teve um irmão assassinado. Marielle Franco, vereadora, também foi assassinada, e até agora não se chegou ao mandante do crime.
O crime teria relação com as narcomilícias que atuam no bairro de Gardênia Azul, na região de Jacarepaguá. Assim como o Rio das Pedras fica no entorno da Estrada da Barra da Tijuca, próximo ao Joá, Gardênia Azul fica na área da Avenida Ayrton Senna. As narcomilícias estariam se formando através de uma aliança com o Comando Vermelho, organização criminosa com raízes surgidas durante a ditadura militar. Há rumores de que o grupo que teria matado os médicos teria sido assassinado pelo "tribunal do tráfico".
Em todo caso, trata-se de uma realidade ligada às alianças sombrias do bolsonarismo com o crime organizado, e mostra o quanto o Rio de Janeiro deixou o crime organizado crescer diante do ressentimento da cidade ter perdido o status de capital do Brasil.
Daí o papel que o Rio de Janeiro desempenha nos ambientes profissionais tóxicos, no clima de ódio e intolerância nas redes sociais (qualquer discordância é motivo para o "tribunal da Internet" agir humilhando o discordante, nos níveis do "assassinato de reputação"), da deterioração os valores culturais (das quais o "funk" é exemplo mais caraterístico) e no crescimento do crime organizado a níveis de grupos mafiosos, incluindo narcotráfico, jogo do bicho e milícias.
Foi também no Rio de Janeiro que a diversidade e o glamour do passado foram trocados por um pragmatismo decadente - a queda de serviços e valores, da mobilidade urbana à cultura musical - defendido sob a desculpa de que "para melhorar, tem que piorar". A partir disso, os cariocas passaram a defender um moralismo obscurantista que foi crucial para o golpe político de 2016, as "pautas bombas" de Eduardo Cunha e Michel Temer e a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder.
Até agora, o atentado dos médicos está sob investigação e não há uma hipótese definitiva a respeito do crime.
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