O grande problema que vemos nas esquerdas brasileiras dos últimos anos é sua infantilização. Chega mesmo a se comportar de maneira mais complacente e crédula do que em 1964, quando a romantização do subdesenvolvimento e a ilusão de que a burguesia nacional e o "dispositivo militar" das guerrilhas brizolistas poderiam livrar o governo João Goulart de ser derrubado pelo golpe militar.
Hoje vemos as redes sociais dominadas por um padrão de narrativa e comportamento, que condiciona a lacração à conduta que mistura complacência, credulidade, alienação e fantasia. Que isso possa contaminar o status quo, a direita, ou os "isentões" explicitamente conservadores, vá lá, mas isso anda contaminando, de maneira mais preocupante, aqueles que se julgam "democráticos", "saudavelmente apolíticos" ou "esquerdistas". Ou seja, aqueles que poderiam parecer admiráveis e socialmente positivos.
Quem expressar algum senso crítico, ou seja, uma capacidade de estimular a reflexão, de mostrar que o Brasil não é como o mundo da Barbie, que as periferias não são a Disneylândia sonhada por intelectuais festivos, corre o risco de cancelamento.
Nosso país é recente, diante do tempo de existência das nações da Europa e da Ásia. O Brasil tem só 523 anos de existência como nação, e sua emancipação política só tem 201 anos. Um país "criança", se bem que já tivemos tempos de algum amadurecimento social, político e cultural.
Quem conhece História do Brasil sabe que os esforços para se construir uma nação, durante o governo de Juscelino Kubitschek, entre 1956 e 1961, foram bem mais consistentes do que a nunca esclarecida "reconstrução do Brasil" dos tempos atuais.
Tínhamos o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), que discutia os rumos da Economia e da situação sociopolítica do povo brasileiro. Tínhamos o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes, que debatia a situação cultural, ainda que com muita polêmica e com certas visões radicais ou utópicas, mas, mesmo assim, com uma disposição para debates e questionamentos mais aprofundados.
Nessa época tínhamos o projeto de alfabetização para adultos de Paulo Freire, que coexistia com métodos de educação popular de Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, estando os três empenhados de maneira diversificada pela evolução educacional do povo brasileiro.
E o que temos hoje? A Educação é subestimada, como se tudo já estivesse bem, bastando ensinar a criança a ler, escrever e jogar bola e está suficiente. Bajula-se muito a Educação pública, mas dar o devido valor, ninguém dá. Ainda mais quando as gerações recentes já foram formadas por um quadro educacional majoritariamente privado, mais voltado ao mercado de trabalho e pouco identificado com a formação do pensamento crítico.
Pensamento crítico só é valorizado na teoria, por "isentões" tão "isentos" que parecem genéricos politicamente corretos do influenciador Monark, embora, como todo bom discípulo de mau professor, repudia-se o mestre mas segue-se seus ensinamentos. Os "Monark democráticos" também tem alergia a senso crítico, só aceitam questionamentos "com moderação", de preferência com um estoque de flanelas na mão para passar pano em 75% dos problemas expostos.
A ânsia infantil das pessoas brincarem o recreio lulista, o que contraria a preocupação com a reconstrução do Brasil, é preocupante. Pessoas com mais de 50, 60 ou 70 anos - a começar pelo próprio Lula, perto dos 80 anos de idade - preferindo ver o Brasil como um país de contos de fadas, algo que é muito estranho se percebermos que essa visão infantiloide parte de gente de esquerda, antes considerada combativa, realista e contestadora.
O trauma de que os questionamentos dos últimos dez anos supostamente abriram o caminho para Jair Bolsonaro é um grande engano, mas é uma sensação que toma conta das pessoas que preferem que um Brasil calado, obediente e complacente a tudo - dentro da zona de conforto de acreditar que o mal só está associado ao bolsonarismo - garanta o ingresso do nosso país ao Primeiro Mundo.
Nem estamos tão preparados assim para entrarmos no Primeiro Mundo. O Brasil está culturalmente e socialmente precarizado em relação a março de 1963. Muitos dos ídolos e heróis que ainda fazem os corações dos lulistas baterem se projetaram na ditadura militar, de "médium espírita" mineiro a ídolos musicais cafonas.
Os lulistas misturam as coisas, aceitam alianças com o Centrão, com a mídia hegemônica e com o empresariado neoliberal achando que isso pouco vai afetar o sonho esquerdista que já começa confuso: fazer do Brasil um "país socialista de Primeiro Mundo". Só que a história da geopolítica da Guerra Fria colocava o socialismo como Segundo Mundo. Primeiro Mundo era, é e sempre foi capitalista.
É triste ver o quanto as esquerdas não aceitam senso crítico, preferindo ficar na sua bolha de pensamentos sonhadores. Seu protagonismo atual, artificialmente conseguido pelas brechas institucionais, fez muito mal aos esquerdistas, que se infantilizaram diante das fantasias triunfalistas de um Brasil que não conseguem esclarecer se está reconstruído ou não.
A julgar pelos miseráveis em situação de rua dos quais não fico um dia sem ver algum desses indivíduos reclamarem de tanto desespero, o Brasil ainda precisa ser reconstruído, e muito. Para, ao menos, chegar aos padrões de sociedade conscientizada de 60 anos atrás, livre dos "brinquedos culturais" da ditadura militar.
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