Pular para o conteúdo principal

BREGA VINTAGE COME PELAS BEIRADAS NO PRATO DA MPB


O Brasil está culturalmente degradado e, supostamente, ninguém percebe isso. Afinal, a narrativa dominante é de que nosso país está no melhor cenário cultural de todos os tempos, que estamos a caminho de nos tornarmos o paraíso na Terra e Lula se esforça para nossa nação se tornar potência mundial, recebendo o status de "país desenvolvido" sabe-se lá por que motivo.

Conforme nosso blogue descobriu com exclusividade - ainda se faz jornalismo neste país - , nosso país está dominado por uma elite invisível a olho nu, uma classe média abastada, uma pequena burguesia que domina o senso comum e dita os hábitos, crenças, gírias, valores e ídolos que devem ser acolhidos, apreciados e praticados pelos brasileiros em geral.

É o que eu chamo de "elite do bom atraso", adaptando o termo do sociólogo Jessé Souza, "elite do atraso", para o contexto politicamente correto dos tempos atuais, definindo uma elite que é descendente de antigos bandeirantes, escravocratas, fazendeiros da República Velha, golpistas anti-Vargas, golpistas de 1964 que defenderam o AI-5 e se lambuzaram com as benesses do "milagre brasileiro".

Só que, diferente de seus pais, avós e ancestrais, a elite do bom atraso banca a "boazinha", desde que lhe foi permitida, nos tempos do "milagre brasileiro", a curtição hedonista do "desbunde", um hedonismo despolitizado do lazer sem freios, que só freava quando, chegando em casa, era o momento de limpar as impurezas com misticismo e religiosidade.

Dessa maneira, tinha frases do "médium da peruca" de Uberaba - o reacionário pioneiro da literatura fake glorificado por ter distribuído pacotinhos de mantimentos para pobres humilhados que formavam longas filas - , práticas de yoga, i-chin, tarô, quiromancia, horóscopo, preces, e tudo o mais, com cheiro de incenso, sons de "ommmmmm" nas meditações, música relaxante demais, tudo para "limpar as energias" para se preparar para a própria rodada de cerveja e cigarro nos bares da vida ou a permissão do AI-5 de cheirar "baseado" bem longe daqui, nas fazendas perdidas no mato no interior do país.

Desde que naquela época, 1973 e 1974, se pudesse "viajar" sem combater o regime - os funcionários da repressão ditatorial só prendiam "bichos-grilos" para roubar deles os "baseados" e depois os soltavam - , o lance é que o desbunde era também temperado pela realidade de gente um pouco mais nova e até menos "doidona", formalmente falando.

Afinal, os desbundados ainda estavam presos no Tropicalismo e no rock, embora manifestassem certo interesse pela bregalização musical - que com uma década e meia de atraso introduzia modismos comerciais estrangeiros no nosso país - , mal conseguiam digerir pela metade um disco do Waldick Soriano, considerado "muito careta". 

A moçada mais nova é que entendia. Gente bem nascida e feliz, que sentia os benefícios do "milagre brasileiro", passeando para Santos e Guarujá, no caso dos paulistanos, e para Barra da Tijuca e Angra dos Reis, no caso dos cariocas, no Chevrolet Caravan ou no Ford Belina do papai, a levar a mamãe, os filhos, sobrinhos e amiguinhos para o passeio de todo fim de semana.

As empregadas tocavam o brega diário para a família burguesa ouvir, e as crianças e adolescentes cresceram tendo nos bregalhões seus anti-heróis meio ressentidos, mas inteiramente vitimistas. Eram os "heróis" de um coitadismo que servia bem ao astral resignado da burguesia ao mesmo tempo irritada com a "alta cultura" dos tempos de Juscelino Kubitschek que não conseguiu, em tese, fazer progredir o nosso país, e aliviada por não ser a classe dos "subversivos" que eram presos e mortos pela repressão.

Essa gente feliz cresceu e apareceu e, entrando nas faculdades, misturou seu culturalismo de direita zen, não-raivosa, que veio a se tornar os "brinquedos culturais" dos últimos vinte anos, com ideias de esquerda, uma mistura mais estranha quanto botar mousse de morango numa sopa de ervilhas. Só que o não-raivismo permite certas coisas, misturando religiões de direita, como o Espiritismo brasileiro, com ideias marxistas, e ai temos a elite do bom atraso, esquizofrênica porém simpática.

Essa elite do bom atraso é que é a protagonista do cenário de Lula 3.0, e, apesar do presidente jurar que seu governo se volta para "todo o povo brasileiro", ele se volta apenas para uma pequena elite de bem nascidos e bem alimentados, que variam do "pobre de novela" ao "bacanão" da alta sociedade. Gente mais preocupada com a diversão do que com a qualidade de vida.

É essa geração, cujo núcleo central envolve os chamados "produtores culturais", os "formadores de opinião" e a "comunidade acadêmica", que detém as rédeas dos valores culturais e da vida cotidiana da grande parte dos brasileiros. E são eles que agora estão investindo numa onda chamada "brega vintage".

Já descrevemos aqui o brega vintage, que é o modismo que tenta vender como "nostalgia" os sucessos comerciais popularescos, atribuindo a eles uma suposta "genialidade" que, na prática, é mais irreal do que uma nota de R$ 23.

Nomes como Michael Sullivan, Odair José, Gretchen, É O Tchan, Chitãozinho & Xororó e tantos outros lutam para entrar no primeiro time da MPB esbanjando coitadismo e contando com o lobby da elite do bom atraso, partidária desse viralatismo cultural enrustido que é a bregalização cultural.

Alguns desses nomes andam mendigando espaços em rádios de MPB, tirando o lugar de quem realmente luta por espaços de divulgação. Mas hoje o rádio é o túmulo da cultura autêntica, desde que o "jornaismo de FM" se revelou um opinionismo irresponsável e desinformativo e o radialismo rock preferiu empregar locutores putz-putz estilo Jovem Pan e os verdadeiros locutores de rock tinham que sobreviver consertando aparelhos de som em oficinas de subúrbios. 

Está cada vez mais raro haver vida inteligente nas FMs, e mesmo gente talentosa como a adorável Lorena Calábria acaba ficando refém do mercado jabazeiro popularesco. Enquanto ícones comerciais da música popularesca vão para o rádio posar de coitadinhos buscando retomar o sucesso perdido, verdadeiros emepebistas, agora com a extinção das trilhas sonoras de novelas, única porta de entrada para alguma divulgação mais consistente, têm que se virar virando crooners em bares.

É terrível esse cenário, que só é ótimo para uma elite cheia de dinheiro, que passa as madrugadas se entupindo de cerveja, e, em boa parte, encolhendo seus pulmões com tanto cigarro, e, por isso, vê a vida como uma festa hedonista, onde os instintos é que valem tudo e a consciência nada vale. É como faz Lula politicamente: primeiro se age por impulso, ignorando conselhos e advertências, para depois medir as consequências.

E aí temos a trilha sonora exata desse momento atual: música popularesca que vendeu discos, lotou plateias, animou festinhas e aumentou as audiências de rádios e TVs. Hoje esse pessoal fica choramingando por uma reputação igualzinha à de um gênio da MPB, mas observando bem o brega vintage em nada acrescenta de relevante à linguagem musical da música brasileira de verdade. São apenas sucessos comerciais, que só são "geniais" para a memória afetiva da elite do bom atraso, que confunde julgamento de valor solipsista com certificado de qualidade.


 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

BURGUESIA ILUSTRADA E SEU VIRALATISMO

ESSA É A "FELICIDADE" DA BURGUESIA ILUSTRADA. A burguesia ilustrada, que agora se faz de “progressista, democrática e de esquerda”, tenta esconder sua herança das velhas oligarquias das quais descendem. Acionam seus “isentões”, os negacionistas factuais, que atuam como valentões que brigam com os fatos. Precisam manter o faz-de-conta e se passar pela “mais moderna sociedade humana do planeta”, tendo agora o presidente Lula como fiador. A burguesia ilustrada vive sentimentos confusos. Está cheia de dinheiro, mas jura que é “pobre”, criando pretextos tão patéticos quanto pagar IPVA, fazer autoatendimento em certos postos de gasolina, se embriagar nas madrugadas e falar sempre de futebol. Isso fora os artifícios como falar português errado, quase sempre falando verbos no singular para os substantivos do plural. Ao mesmo tempo megalomaníaca e auto-depreciativa, a burguesia ilustrada criou o termo “gente como a gente” como uma forma caricata da simplicidade humana. É capaz de cele...

“COMBATE AO PRECONCEITO” TRAVOU A RENOVAÇÃO REAL DA MPB

O falecimento do cantor e compositor carioca Jards Macalé aos 82 anos, duas semanas após a de Lô Borges, mostra o quanto a MPB anda perdendo seus mestres um a um, sem que haja uma renovação artística que reúna talento e visibilidade. Macalé, que por sorte se apresentou em Belém, no Pará, no Festival Se Rasgum, em 2024. Jards foi escalado porque o convidado original, Tom Zé, não teve condições de tocar no evento. A apresentação de Macalé acabou sendo uma despedida, um dos últimos shows  do artista em sua vida. Belém é capital do Estado da Região Norte de domínio coronelista, fechado para a MPB - apesar da fama internacional dos mestres João Do ato e Billy Blanco - e impondo a música brega-popularesca, sobretudo forró-brega, breganejo e tecnobrega, como mercado único. A MPB que arrume um dueto com um ídolo popularesco de plantão para penetrar nesses locais. Jards, ao que tudo indica, não precisou de dueto com um popularesco de plantão, seja um piseiro ou um axezeiro, para tocar num f...

O ERRO QUE DENISE FRAGA COMETEU, NA BOA-FÉ

A atriz Denise Fraga, mesmo de maneira muito bem intencionada, cometeu um erro ao dar uma entrevista ao jornal O Estado de São Paulo para divulgar o filme Livros Restantes, dirigido por Márcia Paraíso, com estreia prevista para 11 de dezembro. Acreditando soar “moderna” e contemporânea, Denise, na melhor das intenções, cometeu um erro na boa-fé, por conta do uso de uma gíria. “As mulheres estão mais protagonistas das suas vidas. Antes esperavam que aos 60 você estivesse aposentando; hoje estamos indo para a balada com os filhos”. Denise acteditou que a gíria “balada” é uma expressão da geração Z, voltada a juventude contemporânea, o que é um sério equívoco sem saber, Denise cometeu um grave erro de citar uma gíria ligada ao uso de drogas alucinógenas por uma elite empresarial nos agitos noturnos dos anos 1990. A gíria “balada” virou o sinônimo do “vocabulário de poder” descrito pelo jornalista britânico Robert Fisk. Também simboliza a “novilíngua” do livro 1984, de George Orwell, no se...

O NEGACIONISMO FACTUAL E A 89 FM

Era só o que faltava. Textos que contestam a validade da 89 FM - que celebra 40 anos de existência no dia 02 de dezembro, aniversário de Britney Spears - como “rádio rock” andam sendo boicotados por internautas que, com seu jeito arrogante e boçal, disparam o bordão “Lá vem aquele chato criticar a 89 novamente”. Os negacionistas factuais estão agindo para manter tudo como o “sistema” quer. Sempre existe uma sabotagem quando a hipótese de um governo progressista chega ao poder. Por sorte, Lula andou cedendo mais do que podia e reduziu seu terceiro mandato ao mínimo denominador comum dos projetos sociais que a burguesia lhe autorizou a fazer. Daí não ser preciso apelar para a farsa do “combate ao preconceito” da bregalização cultural que só fez abrir caminho para Jair Bolsonaro. Por isso, a elite do bom atraso investe na atuação “moderadora” do negacionista factual, o “isentão democrático”, para patrulhar as redes sociais e pedir o voicote a páginas que fogem da assepsia jornalística da ...

A RELIGIÃO QUE COPIA NOMES DE SANTOS PARA ENGANAR FIÉIS

SÃO JOÃO DE DEUS E SÃO FRANCISCO XAVIER - Nomes "plagiados" por dois obscurantistas da fé neomedieval "espirita". Sendo na prática uma mera repaginação do velho Catolicismo medieval português que vigorou no Brasil durante boa parte do período colonial, o Espiritismo brasileiro apenas usa alguns clichês da Doutrina Espírita francesa como forma de dar uma fachada e um aparato pretensamente diferentes. Mas, se observar seu conteúdo, se verá que quase nada do pensamento de Allan Kardec foi aproveitado, sendo os verdadeiros postulados fundamentados na Teologia do Sofrimento da Idade Média. Tendo perdido fiéis a ponto de cair de 2,1% para 1,8% segundo o censo religioso de 2022 em relação ao anterior, de 2012, o "espiritismo à brasileira" tenta agora usar como cartada a dramaturgia, sejam novelas e filmes, numa clara concorrência às novelas e filmes "bíblicos" da Record TV e Igreja Universal. E aí vemos que nomes simples e aparentemente simpáticos, como...

“JORNALISMO DA OTAN” BLINDA CULTURALISMO POPULARESCO DO BRASIL

A bregalização e a precarização de outros valores socioculturais no Brasil estão sendo cobertos por um véu que impede que as investigações e questionamentos se tornem mais conhecidos. A ideologia do “Jornalismo da OTAN” e seu conceito de “culturalismo sem cultura”, no qual o termo “cultura” é um eufemismo para propaganda de manipulação política, faz com que, no Brasil, a mediocridade e a precarização cultural sejam vistas como um processo tão natural quanto o ar que respiramos e que, supostamente, reflete as vivências e sentimentos da população de cada região. A mídia de esquerda mordeu a isca e abriu caminho para o golpismo político de 2016, ao cair na falácia do “combate ao preconceito” da bregalização. A imprensa progressista quase faliu por adotar a mesma agenda cultural da mídia hegemônica, iludida com os sorrisos desavisados da plateia que, feito gado, era teleguiada pelo modismo popularesco da ocasião. A coisa ainda não se resolveu como um todo, apesar da mídia progressista ter ...

O BRASIL DOS SONHOS DA FARIA LIMA

Pouca gente percebe, mas há um poder paralelo do empresariado da Faria Lima, designado a moldar um sistema de valores a ser assimilado “de forma espontânea” por diversos públicos que, desavisados, tom esses valores provados como se fossem seus. Do “funk” (com seu pseudoativismo brega identitário) ao Espiritismo brasileiro (com o obscurantismo assistencialista dos “médiuns”), da 89 FM à supervalorização de Michael Jackson, do fanatismo gurmê do futebol e da cerveja, do apetite “original” pelas redes sociais, pelo uso da gíria “balada” e dos “dialetos” em portinglês (como “ dog ”, “ body ” e “ bike ”), tudo isso vem das mentes engenhosas das elites empresariais do Itaim Bibi, na Zona Sul paulistana, e de seis parceiros eventuais como o empresariado carnavalesco de Salvador e o coronelismo do Triângulo Mineiro, no caso da religião “espírita”. E temos a supervalorização de uma banda como Guns N'Roses, que não merece a reputação de "rock clássico" que recebe do público brasile...