O encontro entre o músico inglês Roger Waters, um dos fundadores do Pink Floyd, e o presidente Lula, teria sido histórico se o artista não tivesse errado em fazer uma releitura burocrática de Dark Side of the Moon, álbum da referida banda de 1973, e o político brasileiro não tivesse cometido os erros que cometeu, que são inúmeros e alguns até vergonhosos.
Fora esse encontro, o Brasil dos últimos dias estava tenso. 35 ônibus incendiados na região de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, em represália à morte de um miliciano, o terceiro da família envolvida com esta prática criminosa. Em São Paulo, um estudante vítima de valentonismo (bullying) por ser homoafetivo atirnou em vários colegas e matou uma delas, numa escola do subúrbio de Sapopemba, na Zona Leste.
Constantemente ocorrem convulsões sociais e, recentemente, nem o atual marido da apresentadora Ana Paula Padrão, o também jornalista Gustavo Diament, escapou de sofrer um acidente e ser ferido ao fugir de assaltantes. Felizmente ele sobreviveu, apesar de bastante ferido, e o que ele sofreu mostra que as ruas estão perigosas e a situação não está fácil no nosso país.
A gente fala que o Brasil vive uma situação difícil e ninguém acredita. Nas bolhas sociais que monopolizam a formação de opinião e bom senso no Brasil, é proibido ter senso crítico e o compromisso é com a fantasia e não com a verdade. Não se trata de ver o Brasil como realmente é, mas como gostaria que fosse e fingir, mesmo assim, que isso é a "mais pura realidade".
Pessoas rindo histéricas e de maneira insana. Pessoas ganhando dinheiro demais para gastar com viagens supérfluas, festinhas inúteis de fins de semana, carrões arrojados sendo um para cada membro da família, excesso de cachorros em casa e estoques de cerveja e cigarros.
Mercado de trabalho privado contratando comediantes em funções que deveriam ser para jornalistas. Serviço público aprovando servidores que ganham fácil nas provas mas que depois vão falar mal de seus empregos nas redes sociais. E ainda temos uma parcela de cantores e grupos bregas posando de "vintage" e usando a MPB e as viradas culturais como trampolins para se relançarem nas carreiras.
O senso crítico é uma vacina dolorosa que previne contra a decepção, e o que nós vemos é essa "revolta da vacina" que mantém uma boa parcela de brasileiros reféns de suas próprias ilusões, paixões, fantasias, convicções.
As pessoas se afastam de textos que expressam senso crítico afiado, obcecadas pelo clima de positividade tóxica que oferece uma sensação obsessiva de felicidade a qualquer preço. Uma felicidade egoísta, ilusória, temporária embora sob a pretensão de ser eterna na marra, que apenas quer ler textos relaxantes, ver vídeos engraçados, contar piadas que só essa "bolha social" da elite do bom atraso acha graça e tudo o mais. E isso com o combo "futebol, religião e cerveja" servido para o lanche ideológico da moçada.
As tensões sociais são uma amostra de que é preciso reconstruir o país. Se está inseguro circular à noite, se existem revoltas diversas, é preciso sair da zona de conforto das mesmas compreensões de sempre e perceber a complexidade dos problemas. Reconstruir o Brasil sem romper com paradigmas de 50 anos atras é o mesmo que não reconstruir. Romper com velhos paradigmas talvez ajude a tornar nosso país mais violento, ainda que sob o preço de abrir mão das ilusões da felicidade tóxica.
E aí, voltando ao encontro de Lula e Roger Waters, a gente fica perguntando se, na prometida reconstrução do Brasil, os brasileiros terão que aceitar tudo calados e tenhamos que aceitar a "democracia só do sim", nos limitando a ser meros tijolos na parede desta obsessão louca em atingirmos o Primeiro Mundo sem termos as condições necessárias para isso.
Comentários
Postar um comentário