Pular para o conteúdo principal

"AEMÃO" AUMENTA CRISE DO RÁDIO FM NO BRASIL


O que há em comum o fim da Rádio Eldorado AM, de São Paulo, a extinção da gaúcha Ipanema FM e os dez anos da Band News Fluminense FM? Todos eles expressam a aparente ascensão da "Aemização das FMs", que na verdade esconde uma decadência e uma crise que a tagarelização da Frequência Modulada não consegue mais desmentir.

Durante muito tempo acreditávamos na promessa milagrosa de que um rádio FM mais tagarela eliminaria o jabaculê, tornaria o rádio mais cidadão e faria os ouvintes ficarem mais intelectualizados.

Mesmo a ideia de "overdose de informação", que os mais conceituados intelectuais viam como um sério problema há mais de 25 anos, ainda era vista, até pouco tempo atrás, como "salvação da lavoura" pelo mercado radiofônico local. Até os colunistas de rádio compactuavam com essa fantasia.

Afinal, o Brasil, tomado ainda do impacto do fim da ditadura, achava que frear a transmissão de informação era "censura", mesmo quando os radialistas mais chulos comentavam assuntos do qual não tinham a menor ideia e os ouvintes eram sobrecarregados de notícias dentro de um veículo que não mostra imagens para complementar a avalanche das palavras faladas.

Foi preciso a ascensão de blogueiros de esquerda, mesmo dentro do controverso contexto da política petista, para tirar o "Aemão de FM" e seus poderosos radiojornalistas do pedestal, do antigo prestígio de profissionais inabaláveis.

Da mesma forma, foi preciso haver denúncias diversas de escândalos envolvendo dirigentes esportivos e radialistas, com ocorrências que vem desde 2000, com a CPI do Futebol abafada pela intervenção da "bancada da bola" ligada a Ricardo Teixeira, para mostrar que, há muito tempo, o jabaculê das FMs não segue mais a cartilha do dó-ré-mi-fá-sol-lá-si.

Mas foi um trabalho desfazermos de toda a mística do jornalismo. Durante anos os jornalistas detinham a supremacia de serem os "senhores da opinião pública". Uma classe que, a pretexto de servir à sociedade, se julgava acima dela. Eu sou jornalista, mas nunca compartilhei dessa mitificação que para mim soava sempre corporativista e injusta.

Era triste. As pessoas achavam comentaristas econômicos geniais justamente porque não entendiam o que eles diziam. O falatório radiofônico era visto como "mavavilhoso" por si só. Deixávamos de ter um roteiro de vida para submetermos a uma "linha editorial" para nossos cotidianos. As consciências de muitos eram substituídas pelas opiniões dos "âncoras" e seus principais comentaristas.

O jornalista passava a ser visto como um semi-deus, misto de combatente e missionário, e "âncoras", articulistas e editores se apropriavam do prestígio de repórteres, dissimulando o conflito de classes existentes nas grandes empresas de Comunicação.

O "Aemão de FM", a princípio, buscava enfatizar o jornalismo. Mas como os noticiários se tornaram pedantes - hoje os âncoras têm que adotar senso de humor e algum sensacionalismo para ter (alguma) audiência - , hoje o "Aemão de FM" tenta dar destaque aos "programas de variedades" e à figura do "comunicador" no lugar do "âncora".

Admitamos. Todo mundo fica festejando a Band News FM mas o único programa que consegue ter alguma audiência é o de Ricardo Boechat. Fora isso, o Ibope da rede noticiosa, principalmente no Rio de Janeiro, onde pegou os escombros da antiga Flu FM, é de deixar os anunciantes arrancarem os cabelos de tanto pavor.

Se ao menos os anunciantes fizessem mais jingles, talvez eles quebrassem a mesmice que é a programação da Band News FM. São um porre comerciais com diálogos bobos sobre determinado produto, assim como os mesmíssimos anúncios de clínicas de saúde prometendo "atendimento personalizado" e "tratamento diferenciado", coisas que qualquer clínica clandestina também promete.

Mas, com variedades ou jornalismo, o "Aemão de FM" irrita pelo pretensiosismo que é de largar um reduto seguro, o histórico rádio AM cuja extinção é uma verdadeira "queima de arquivo" (quem é que vai escrever a história da Amplitude Modulada?), e partir para uma aventura arriscada no rádio FM, derrubando sobretudo emissoras como a Ipanema FM de Porto Alegre.

O rádio FM ficou tagarela e muito maçante. Antes, quando não havia blablablá em FM, podíamos procurar livros e jornais para nos informarmos. A opinião ficava por nossa conta, pensávamos da forma como nossa capacidade de raciocinar permitia.

Hoje não. A realidade midiatizada implora para que o povo "leia mais rádio FM", e viva conforme as linhas editoriais das rádios informativas, sejam noticiosas ou não. Os comentaristas noticiosos quiseram substituir nossas consciências. e éramos convidados a acreditar que opinião não nasce nas mentes das pessoas, mas era uma mercadoria pronta e servida pelo "jornalismo de FM".

Acreditávamos que informação era apenas o que os noticiários veiculavam, nos esquecendo que ouvir música e conhecer novos amigos também é informação, como da mesma forma admirar prédios e árvores, observar pássaros e o comportamento de filhotes de gato, ou ler os textos das embalagens dos produtos.

Diante de tantos dilemas, felizmente a maioria das pessoas (eu incluído) reagiram diante dessa overdose de informação transformada em hit-parade radiofônico. Jogamos para o alto essa coisa de agenda setting (o hit-parade da notícia) e decidimos viver.

Ironicamente, as FMs acabaram perdendo caminho. Muito antes das FMs cantarem sua vitória sobre as AMs no que se refere às transmissões esportivas, foram duramente abatidas pela audiência pelos canais esportivos da TV paga ou mesmo da aberta. As rádios noticiosas perderam o fôlego informativo de blogues e arquivos do YouTube, e por aí vai.

A perda de rádios referenciais também desgasta o rádio FM como um todo e, com boa parte de culpa, o "Aemão de FM". Preferindo surfar nas ondas de FM em vez de modernizar o rádio AM, a aventura custou um grave preço que nem mesmo os artifícios para maquiar a baixa audiência conseguiram resolver.

A crise do "Aemão de FM" está mais grave do que nunca, por mais que o pessoal da Band News FM faça seu carnaval na frente do Cristo Redentor ou, em Salvador, Mário Kertèsz decida um dia desfilar ao lado de blocos afro no Pelourinho.

Afinal, os consumidores ficavam visivelmente irritados, embora educadamente discretos, quando até papelarias e livrarias se encanavam em empurrar transmissões esportivas em FM por conta de aparelhos de rádio inseridos. Era o jabaculê de FM que buscava, numa só atitude, tanto maquiar a baixa audiência como garantir regalias para os anunciantes, sem lhes impor um preço mais caro.

Isso porque a farsa usava o número de frequentadores que eram contados no Ibope, sem que viva alma ouvisse tais transmissões. Do mesmo modo, porteiros de prédio, taxistas, jornaleiros e donos de botequim também empurravam moradores e fregueses para a contabilidade do Ibope sem que um único indivíduo sintonizasse ou se interessasse em ouvir de outrem tal transmissão radiofônica.

E aí, pronto, rádios FM que não chegam a ter 200 ouvintes reais criam uma informação falsa de que são ouvidas por até 15 mil, 100 mil ouvintes. Basta um único aparelho de rádio ser colocado, para ninguém ouvir, numa loja de determinados, para se acreditar que, só pelo fato da loja ser frequentada por centenas de milhares de pessoas, elas necessariamente ouvem a FM sintonizada no local.

A farsa é desmentida quando anunciantes não conseguem vender seus produtos pelo rádio. Eles anunciam para rádios que dizem ter 100 mil ouvintes e conseguem menos de 200. Enquanto as FMs festejam pelo Ibope anabolizado com falsos números, anunciantes ficam no "vermelho", furiosos. Os gerentes artísticos de rádio deveriam tomar muito cuidado.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

PUBLICADO 'ESSA ELITE SEM PRECONCEITOS (MAS MUITO PRECONCEITUOSA)'

Está disponível na Amazon o livro Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , uma espécie de "versão de bolso" do livro Esses Intelectuais Pertinentes... , na verdade quase isso. Sem substituir o livro de cerca  de 300 páginas e análises aprofundadas sobre a cultura popularesca e outros problemas envolvendo a cultura do povo pobre, este livro reúne os capítulos dedicados à intelectualidade pró-brega e textos escritos após o fechamento deste livro. Portanto, os dois livros têm suas importâncias específicas, um não substitui o outro, podendo um deles ser uma opção de menor custo, por ter 134 páginas, que é o caso da obra aqui divulgada. É uma forma do público conhecer os intelectuais que se engajaram na degradação cultural brasileira, com um etnocentrismo mal disfarçado de intelectuais burgueses que se proclamavam "desprovidos de qualquer tipo de preconceito". Por trás dessa visão "sem preconceitos", sempre houve na verdade preconceitos de cl

OS CRITÉRIOS VICIADOS DE EMPREGO

De que adianta aumentar as vagas de emprego se os critérios de admissão do mercado de trabalho estão viciados? De que adianta haver mais empregos se as ofertas de emprego não acompanham critérios democráticos? A ditadura militar completou 60 anos de surgimento. O governo Ernesto Geisel, que consolidou o Brasil sonhado pelas elites reacionárias, faz 50 anos de seu início. Até parece que continuamos em 1974, porque nosso Brasil, com seus valores caquéticos e ultrapassados, fede a mofo tóxico misturado com feses de um mês e cadáveres em decomposição.  E ainda muitos se arrogam de ver o Brasil como o país do futuro com passaporte certeiro para ingressar, já em 2026, no banquete das nações desenvolvidas. E isso com filósofos suicidas, agricultores famintos e sobrinhos de "médiuns de peruca" desaparecendo debaixo dos arquivos. Nossos conceitos são velhos. A cultura, cafona e oligárquica, só defendida como "vanguarda" por um bando de intelectuais burgueses, entre jornalist

MAIS DECEPÇÃO DO GOVERNO LULA

Governo Lula continua decepcionando. Três casos mostram isso e se tratam de fatos, não mentiras plantadas por bolsonaristas ou lavajatistas. E algo bastante vergonhoso, porque se trata de frustrações dos movimentos sociais com a indiferença do Governo Federal às suas necessidades e reivindicações. Além de ter havido um quarto caso, o dos protestos de professores contra os cortes de verbas para a Educação, descrito aqui em postagem anterior, o governo Lula enfrenta protestos dos movimentos indígenas, da comunidade científica e dos trabalhadores sem terra, lembrando que o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) já manifestou insatisfação com o governo e afirmou que iria protestar contra ele. O presidente Lula, ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, assinou, no último dia 18, a demarcação de apenas duas terras para se destinarem a ser reservas indígenas, quando era prometido um total de seis. Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT) foram beneficiadas pelo document

LULA, O MAIOR PELEGO BRASILEIRO

  POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LULA DE 2022 ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE FERNANDO COLLOR O QUE DO LULA DE 1989. A recente notícia de que o governo Lula decidiu cortar verbas para bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular faz lembrar o governo Collor em 1991, que estava cortando salários e ameaçando privatizar universidades públicas. Lula, que permitiu privatização de estradas no Paraná, virou um grande pelego político. O Lula de 2022 está mais próximo do Fernando Collor de 1989 do que o próprio Lula naquela época. O Lula de hoje é espetaculoso, demagógico, midiático, marqueteiro e agrada com mais facilidade as elites do poder econômico. Sem falar que o atual presidente brasileiro está mais próximo de um político neoliberal do que um líder realmente popular. Eu estava conversando com um corretor colega de equipe, no meu recém-encerrado estágio de corretagem. Ele é bolsonarista, posição que não compartilho, vale lembrar. Ele havia sido petista na juventude, mas quando decidiu votar em Lul