Pular para o conteúdo principal

INTELECTUALIDADE "BACANA" DECLARA GUERRA À MPB


A vez agora é mcdonaldizar a música brasileira, introduzir de vez o hit-parade mesmo que seja com retóricas que falam de "irreverência", "modernidade" etc. Embora a grande mídia seja o olimpo dessa campanha toda, a intelectualidade associada tenta fazer proselitismo na midia esquerdista para ver se, com a regulação midiática, sobra o velho brega-popularesco da midia coronelista.

O jornalista Alexandre Matias, do Trabalho Sujo, até decepcionou no texto da Caros Amigos deste mês, "Disco para um novo Rio de Janeiro", em que ele acaba seguindo a maré da intelectualidade "bacana" que agora abriu munição contra a MPB, a ser sepultada pelo "funk" que, de repente, tem um novo surto de blindagem com aquela mesma choradeira "socializante".

Matias decepcionou porque eu li aquela entrevista com o Fellini, da qual usei como uma das fontes para o texto que escrevi para a Rocknet e publicado no meu primeiro livro, Pelas Entranhas da Cultura Rock, e no referido texto de Caros Amigos ele veio com a seguinte "pérola", aquela visão "nova" e "revolucionária" que, creio que por boa-fé, meu xará pegou dos colegas "bacanas":

"Os anos 90 fizeram o Rio de Janeiro acordar para sua nova realidade, quando finalmente percebeu que não era mais um balneário ensolarado que um dia foi capital de um império e havia se tornado cenário de uma guerra civil calada. Musicalmente, os últimos ecos do arcadismo bossa nova foram atropelados pelo canto falado de Fernanda Abreu, Marcelo D2, Gabriel O Pensador, Fausto Fawcett BNegão Black Alien e todos os MCs do funk carioca, que vieram mostrar que a velha Cidade Maravilhosa havia morrido".

O que eu noto no Rio de Janeiro é que ele passou a viver um surto de provincianismo. Temos um neo-coronelismo à beira-mar, seja pelo crime organizado, pela contravenção, pelo fisiologismo político, pela tecnocracia de moldes ditatoriais e internautas reacionários que "patrulham" com ofensas e ameaças quem questionar o "estabelecido" de qualquer tipo, por mais aberrante.

Dá pena ver que o establishment carioca força o povo do Grande Rio a adotar um comportamento "bovino" pior do que Diogo Mainardi atribuía injustamente aos nordestinos. Já está surgindo até piada dizendo que carioca aceita levar cocô de passarinho na cara desde que o passarinho seja formado em Doutorado e seja reconhecido pelo prestígio e pela capacidade técnica.

Até a logística dos produtos decaiu muito para uma região que ainda é referência para o Brasil, e também preocupa a falta de educação de vários cariocas e outros fluminenses que, ao conhecer um amigo, perguntam qual é o seu time antes mesmo de perguntar o seu nome.

E aí vem Alexandre Matias corroborando o discurso intelectual da suposta genialidade dos funqueiros. A década de 90 nem foi tão genial assim - para ser mais claro, foi a chamada "década perdida" do Brasil - , embora alguns nomes citados por ele sejam respeitáveis, como Gabriel O Pensador e Fausto Fawcett.

No entanto, ele fala dos anos 90 como se esses anos foram "geniais", e além disso evoca a "importância" de todos os MCs do "funk carioca". Não, não foram geniais. O grande problema é que houve uma euforia tecnológica e mercadológica e, num certo ponto financeira, que iludiu os produtores culturais e a imprensa relacionada,

Como é que "todos os MCs" representam o contraponto ao "arcadismo bossanovista" é algo que não se deve ver com sorrisos na cara. Primeiro, admite-se que o Rio de Janeiro ensolarado perdeu-se em algum tempo de 1964, entre a frustração de ter perdido a função de capital do país - que a fusão de 1975 fez os cariocas descontarem sua raiva contra Niterói - e a crise político-instiucional da época.

"ARCADISMO BOSSANOVISTA" JÁ ACABOU BEM ANTES

Portanto, se o "arcadismo bossanovista" acabou, isso não se deu nos anos 90, é claro. Desde os anos 1970 o Rio de Janeiro não era mais céu, sol e mar, com a sucessão de grupos criminosos e contraventores promovendo carnificina, com as empreiteiras jogando o povo para as favelas.

O "funk" é a mcdonaldização da cultura carioca, a disneylandização do folclore do Rio de Janeiro. É consumismo, jabaculê, mediocridade. Os intelectuais "piram", mas o que há por trás dessa "admirável ideologia do funk" é que o jovem favelado é proibido de tocar instrumento e escrever melodias, ele só pode usar o microfone e vociferar algumas baboseiras.

Se nove entre dez intelectuais influentes acham isso "brilhante", certamente não é pela música. Até porque existe todo um clima de compadrio, de jornalista que elogia DJ que elogia dono de casa noturna que elogia promotor de eventos que elogia antropólogo que elogia cineasta que elogia jornalista e por aí vai.

Infelizmente, isso virou uma moda, uma epidemia. Muitas vezes aquele "artista" que só tem uma ideia vaga diante de um monte de informação na cabeça só faz disenteria sonora, mas é tido como "genial" porque o empresário dele é amigo do jornalista, e tem uma rede de relações que inclui de socialites até fornecedores de equipamentos de som.

E isso temperado pela atual guerra que a intelectualidade "bacana" declarou contra a MPB. Essa elite pensante (ou que pensa que é pensante) se acha "revolucionária", promovendo leis de livre-mercado como se fosse guerrilha bolivariana, mas suas ideias "revolucionárias" sobre novas mídias e nova cultura cheira muito a mofo tecnocrático-globalitário da euforia neoliberal de 1990.

Claro, porque o retrato do "artista visionário" com um sâmpler na mão e uma ideia na cabeça, que os "bacanas" da intelectualidade influente e cheia de visibilidade mostra até nas páginas da mídia esquerdista, na verdade é bastante anacrônico, unindo conceitos vindos da euforia tecnocrática-neoliberal que, em muitos aspectos, cheiram a Francis Fukuyama e comercial da Benetton.

O que esses intelectuais definem como "brilhante cenário ativista-cultural" do Brasil de hoje não é mais do que a mera recreação tecnocrática e consumista de pessoas que não conseguem digerir a avalanche de informações que recebe, criando expressões insossas e superficiais que só o establishment intelectual define como "geniais" para agradar fulanos e sicranos.

Mas aí, deixando os "bacanais" da mídia esquerdista e passeemos por dentro do perímetro grão-midiático, indo para o portal G1, vemos a "brincadeira" feita para dois funqueiros mirins, MC Brinquedo e MC Pikachu convidados a "traduzir" sucessos da "fidalga" MPB, num sutil jogo de ironizar os emepebistas e colocá-los no ridículo.

De repente os intelectuais agora querem ridicularizar a música de qualidade. Se a MPB está velha e cansada, não será a mediocridade de funqueiros que irá salvar a pátria. Pelo contrário, o "funk" não é mais do que um junk food musical, que só é elogiado por intelectuais porque eles participam de um esquema de clientelismo que a ninguém convence.

Afinal, não seria outro arcadismo esse papo intelectualoide que evoca novas tecnologias e estabelece paradigmas sobre cultura, ativismo e arte que mais parecem ter vindo das cabeças de Francis Fukuyama ou dos publicitários da Benetton? A jovem intelectualidade brasileira anda muito, muito velha.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESQUISISMO E RELATORISMO

As mais recentes queixas a respeito do governo Lula ficam por conta do “pesquisismo”, a mania de fazer avaliações precipitadas do atual mandato do presidente brasileiro, toda quinzena, por vários institutos amigos do petista. O pesquisismo são avaliações constantes, frequentes e que servem mais de propaganda do governo do que de diagnóstico. Pesquisas de avaliação a todo momento, em muitos casos antecipando prematuramente a reeleição de Lula, com projeções de concorrentes aqui e ali, indo de Michelle Bolsonaro a Ciro Gomes. Somente de um mês para cá, as supostas pesquisas de opinião apontavam queda de popularidade de Lula, e isso se deu porque os próprios institutos foram criticados por serem “chapa branca” e deles se foi cobrada alguma objetividade na abordagem, mesmo diante de métodos e processos de pesquisa bastante duvidosos. Mas temos também outro vício do governo Lula, que ninguém fala: o “relatorismo”. Chama-se de relatorismo essa mania de divulgar relatórios fantásticos sobre s...

SIMBOLOGIA IRÔNICA

  ACIMA, A REVOLTA DE OITO DE JANEIRO EM 2023, E, ABAIXO, O MOVIMENTO DIRETAS JÁ EM 1984. Nos últimos tempos, o Brasil vive um período surreal. Uma democracia nas mãos de um único homem, o futuro de nosso país nas mãos de um idoso de 80 anos. Uma reconstrução em que se festeja antes de trabalhar. Muita gente dormindo tranquila com isso tudo e os negacionistas factuais pedindo boicote ao pensamento crítico. Duas simbologias irônicas vêm à tona para ilustraresse país surrealista onde a pobreza deixou de ser vista como um problema para ser vista como identidade sociocultural. Uma dessas simbologias está no governo Lula, que representa o ideal do “milagre brasileiro” de 1969-1974, mas em um contexto formalmente democrático, no sentido de ninguém ser punido por discordar do governo, em que pese a pressão dos negacionistas factuais nas redes sociais. Outra é a simbologia do vandalismo do Oito de Janeiro, em 2023, em que a presença de uma multidão nos edifícios da Praça dos Três Poderes, ...

LÉO LINS E A DECADÊNCIA DE HUMORISTAS E INFLUENCIADORES

LÉO LINS, CONDENADO A OITO ANOS DE PRISÃO E MULTA DE MAIS DE R$ 300 MIL POR CONTA DE PIADAS OFENSIVAS. Na semana passada, a Justiça Federal, através da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, condenou o humorista Léo Lins a oito anos de prisão, três deles em regime inicialmente fechado, e multa no valor de R$ 306 mil por fazer piadas ofensivas contra grupos minoritários.  Só para sentir a gravidade do caso, uma das piadas sugere uma sutil apologia ao feminicídio: "Feminista boa é feminista calada. Ou morta". Em outra piada machista, Léo disse: "Às vezes, a mulher só entende no tapa. E se não entender, é porque apanhou pouco". Léo também fez piadas agredindo negros, a comunidade LGBTQIA+, pessoas com HIV, indígenas, evangélicos, pessoas com deficiência, obesos e nordestinos, entre outros. O vídeo que inspirou a elaboração da sentença foi o espetáculo Perturbador, um vídeo gravado em 2022 no qual Léo faz uma série de comentários ofensivos. Os defensores de Léo dizem qu...

FARIA LIMA ESTÁ DOMINANDO OS MODOS DE SER DOS BRASILEIROS MÉDIOS

O culturalismo brasileiro de 1974, que perdura até hoje com seus derivativos trazidos principalmente na década de 1990 - pelas afinidades que esse culturalismo tem nos governos de Geisel, Collor e FHC -  está causando estragos em todo o Brasil. Os brasileiros médios estão deixando de pensar por conta própria e aceitando como "novos normais" a degradação cultural que ocorre há cinco décadas, se adaptando a essas formas de ser, sentir, estar e fazer marcadas pela bregalização cultural, pelo obscurantismo religioso e pelo hedonismo desenfreado. A gourmetização do cigarro, a aceitação das psicografakes  - quando mensagens falsamente atribuídas aos mortos são feitas por puro mershandising  religioso - , o fanatismo pelo futebol como "única alegria do povo brasileiro", o gosto musical padronizado no mesmo hit-parade  estrangeiro e nas canções popularescas em geral (inclusive a pseudo-sofisticada "Evidências"), tudo isso parece vir trazido pelo ar fresco que resp...

A SIMBOLOGIA OCULTA DA “GINÁSTICA” DE LULA

A recente foto do presidente Lula imitando os movimentos dos acrobatas que se exibiram num evento em Paris sugere um grande ato falho. Embora Lula tente fazer crer que estaria vigoroso e animado, o ato tem seu significado subliminar associado à decadência. A foto registrada por um fotógrafo da Associated Press indica uma interpretação nada generosa para quem enxerga a imagem pela primeira vez. Alguns aspectos podem ser imaginados. Primeiro, Lula parece cair e tentar conter a queda no chão. Segundo, um homem alto parece diante dele, supostamente em posição superior e olhando de lado. Terceiro, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, parece se aproximar do marido, em posição de quem estaria lhe prestando socorro. Quarto, Lula está apenas respirando fundo, mas a expressão facial sugere que o presidente brasileiro parece aflito. Pode ser uma impressão, mas a foto é daqueles atos falhos que ocorrem para complicar ainda mais a situação do petista, que enfrenta uma queda de popularidade ...

BURGUESIA ILUSTRADA ADORA UMA CANÇÃO BREGA

A burguesia ilustrada, a elite do bom atraso que se fantasia de gente simples para ficar bem na foto, adora uma música brega, através da qual despejam seus “generosos” preconceitos - supostamente “desprovidos de qualquer tipo de preconceito - , reviveu os tempos em que a intelectualidade pró-brega saiu das tocas da Globo e da Folha para tentar converter as editorias culturais da mídia de esquerda à visão pessoal de Otávio Frias Filho. A revista Fórum, um dos veículos da mídia impressa de esquerda dos anos 2000 e 2010, fez uma lista das “dez melhores músicas brega de todos os tempos” , um título pretensioso bem nos moldes do antigo “combate ao preconceito” que em parte contribuiu para o golpe político de 2016. O periódico já encalhou em março de 2010, quando colocou a cantora de tecnobrega, Gaby Amarantos, na capa. A matéria de Julinho Bittencourt mostrou os mesmos clichês do sentimentalismo piegas que o discurso da sociedade burguesa, com seus juízos de valor, atribui ao povo pobre com...

RÁDIOS COMERCIAIS “DE ROCK”, DEPOIS DE DERRUBAR O ROCK BRASIL 80, SE PROMOVE ÀS SUAS CUSTAS

As ditas “rádios rock”, a Rádio Cidade do Rio de Janeiro, hoje atuando na Internet, e a 89 FM de São Paulo, depois de derrubar o Rock Brasil dos anos 1980 com a mentalidade hit-parade que gerou os Raimundos e Mamonas da vida, tentam se promover às custas da cena que acabaram destruindo, à maneira do que ocorre com Michael Sullivan, que usa a mesma MPB que tentou destruir para retomar sua carreira. Não sendo mais do que meros escritórios das empresas de eventos, a Cidade e a 89 só “funcionam” com alguma razão de ser no fim de noite. Essas “rádios rock” comerciais vendem gato por lebre e na maior parte do tempo funcionam como rádios pop comuns, tipo a Jovem Pan dos anos 1990. A programação roqueira, pra valer, se dá somente nos programas específicos comandados por especialistas transmitidos entre 21 horas e a meia-noite. Portanto, nunca passou de conversa para boi dormir dessas “rádios rock” o papo de “24 horas de puro rock’n’roll”, pois mal dá para um oitavo da programação diária, piis...

DESESPERADOS, LULISTAS LUTAM PARA GARANTIR REELEIÇÃO DE SEU ÍDOLO

Lula poderia ter feito muito para o Brasil. Só que, no atual mandato, pouquíssima coisa fez e, mesmo assim, nada que pudesse fazer diferença a qualquer outro governante da nossa nação. A dança dos números, palavras e imagens dos relatórios e das supostas pesquisas de opinião nada dizem para a realidade, e por isso o povo da vida real deixou de apoiar o presidente, mais preocupado com a festa do que com o trabalho. Devido aos erros do governo Lula, sua popularidade despencou e isso causa muita preocupação, diante do isolamento político do presidente. E isso se agrava quando a proposta do governo de aumento do IOF é rejeitada no Congresso Nacional. Lula já sinalizou que vai acionar a justiça para reverter a decisão do Legislativo. O governo Lula, para tentar recuperar a popularidade, tem que tomar como prioridades propostas urgentes que o presidente “queria fazer, mas não muito”: a taxação dos mais ricos e o fim da escala 6x1 do trabalho. As duas medidas são urgentes, mas Lula ficou muit...

DEFESA DO AUMENTO DO IOF DESGASTA IMAGEM DE LULA

Às vezes Lula tem obsessão de implantar medidas impopulares, que são defendidas com mão de ferro por seis adeptos só porque trazem a marca do petista. A transposição do Rio São Francisco é um exemplo, uma desnecessária intervenção da natureza que, na prática, beneficiou os grandes fazendeiros apoiadores do presidente, já nos mandatos anteriores. Trmos a obsessão de Lula, no seu atual mandato, em explorar petróleo na Amazônia Equatorial, o que pode ser um sério perigo para a biodiversidade. Mesmo assim, o presidente insiste nessa exploração, sob a desculpa de produzir riquezas para a nação. Agora temos o caso do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), vetado pelo Congresso Nacional. Lula recorreu da decisão e acionará o Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter o veto. Só que o aumento do IOF irá influir no aumento dos preços sobretudo nas operações de crédito, no câmbio referente ao comércio internacional e nos fretes de transporte de produtos. Em muitos casos, isso ir...

LULA NÃO CONVENCE COM SEU JOGO DE CENA

A atitude tardia de Lula de tentar fazer algo para salvar sua popularidade, investindo em propostas e bravatas para reverter sua decadência, não dá para convencer. Tudo soa jogo de cena, sobretudo pela supervalorização do papel de orador do presidente brasileiro, que com sua saúde arriscada, torna-se até perigosa, juntamente com sua agenda sobrecarregada. Lula, vendo agora seu isolamento político, só vai ahravar as coisas com seu teatro bonapartista. O discurso “contra os super-ricos” soa fajuto, pois o presidente Lula não tem a bravura de um Leonel Brizola. Toda a “bravura” do “leão de Garanhuns” morre no aparato das palavras vibrantes, mas intensas como fogo de palha. O presidente mostrou que não mantém a palavra. Não dá explicações sobre atos equivocados, quando decide não quer ouvir conselhos, não tem autocrítica e só percebe os erros depois dos estragos feitos. Portanto, Lula não é digno de confiança e “sinceridade” é apenas uma palavra no seu jingle de campanha. Vemos o quanto é ...