Até pouco tempo atrás, uma elite de homens empresários, médicos e economistas nascidos na primeira metade dos anos 1950 tiveram como cacoetes se acharem mais velhos do que realmente eram.
Ao chegarem aos 50, 55 anos, tentavam nos fazer crer que atingiram a bagagem de 70 anos, falando de referenciais dos anos 1950 como se já tivessem chegado à idade adulta por volta de 1957, 1958, quando na verdade eles não eram mais do que criancinhas peraltas que mal começavam a compreender o mundo.
É verdade que essa obsessão pelo passado passou a atingir esses "senhores de idade" depois que eles completaram 50 anos. De repente, homens que nasceram em 1953 ou 1954 passavam a falar da década de 1940 como se tivessem sido testemunhas oculares dessas épocas.
Em suas últimas reservas de infantilismo, eles se deslumbravam demais com o mundo que imaginavam surgir com as rugas e os cabelos brancos, como se eles pudessem reproduzir todos os paradigmas de meia-idade que aprenderam há pouco mais de 40 anos.
Aí veio a ilusão. Eles nem de longe representaram os sessentões do passado. Não é qualquer Moacir Scliar que aparece dentro de um consultório médico. O colunismo social há muito está distante de Jacinto de Thormes e mostra até ator de novela surfando e mesmo as festas sisudas do Carnaval do Copacabana Palace já começam a se abrir para atrações pop ou popularescas.
A "maturidade" simulada pelos nossos grisalhos tornou-se constrangedora e forçada. Talvez seja porque eles, envergonhados por terem esposas 15 ou 20 anos mais jovens, e depois de passarem décadas trancados em escritórios ou consultórios ouvindo conversas dos mais velhos, quisessem dar uma impressão de que atingiram a experiência e a sabedoria plenas.
Ficamos perguntando se entender o passado é coisa para qualquer um. Em tese, nas aulas de História, geral ou brasileira, e nos cursos universitários, se conhece o passado com alguma abrangência, a ponto de algumas pessoas se identificarem com fatos e fenômenos que ocorriam antes deles nascerem.
Isso ocorre, mas nem por isso entender o passado seja uma coisa que surja necessariamente com cabelos brancos e seja dado de bandeja em consultórios médicos ou escritórios empresariais. Nascer nos anos 1950 não faz com que certos homens granfinos necessariamente saiam por aí dizendo que vivenciaram os anos 1930 ou 1940.
Eles, aliás, nem precisam entender o passado. Tomaram uma overdose deles a ponto de vermos que empresários, médicos e economistas nascidos em 1953 ou 1954 sintam uma obsessão por décadas anteriores ao seu nascimento por uma questão de vaidade ou mesmo de vergonha.
É como se eles tivessem dizendo: "Me desculpem porque eu me casei com uma gatinha, mas eu não fiquei imaturo, não. Vejam como eu sei dos fatos dos anos 1940". E passam a sentir um preconceito contra os anos 1980, época de suas realizações profissionais, achando que tudo que aconteceu nessa época é "coisa de criança ou de jovem irresponsável".
Daí a má vontade de empresários de 61, 62 anos, casados com lindas gatinhas entre 35 e 45 anos, em ouvir o som dos anos 80, como se achassem que Legião Urbana e Turma do Balão Mágico foram a mesma coisa. E isso contrasta severamente com seus contemporâneos estadunidenses e britânicos.
Afinal, o essencial do "som dos anos 80", no Reino Unido e nos EUA, era feito por senhores igualmente grisalhos e barrigudos que estão entre os 56 e 65 anos. Eles "inventaram" os anos 80, com suas atitudes punk e pós-punk que os brasileiros da mesma faixa etária acham "tolas" e "infantis".
A geração born in the 50s do Brasil tenta, dessa forma, se vangloriar em ser o rabo da geração dos anos 1940, ignorando que até um Millôr Fernandes nascido no distante 1923 tinha melhor consideração com a "infantil" Legião Urbana, traduzindo brilhantemente a letra que Renato Russo escreveu em inglês, "Feed Back Song For a Dying Friend".
Entender o passado talvez fosse uma necessidade maior para quem nasceu nos anos 1980. Estes é que precisam entender os anos 1950, 1960 e 1970, ou mesmo o que rolava no "mundo jovem-adulto" da década em que nasceram ou cresceram.
Isso porque falta nessas gerações uma compreensão aprofundada do passado, a grande mídia lhes impediu desse contato, o que fez com que o que era exagerado nos nascidos de 1950 (querer compreender demais um passado que não viveram e, no fundo, entendem menos do que pensam), torna-se quase nulo na geração nascida nos anos 1980 ou no final da década anterior.
E olha que, em tese, não falta potencial para quem nasceu depois de 1978 entender o passado. Só que o poder midiático e o entretenimento imbecilizante, aliado a um quadro educacional deficitário e um mercado totalitário, fizeram os jovens ficarem presos nos anos 90 (a "década perdida" do Brasil) e só depois dos 25 anos passaram a se interessar por coisas anteriores à seus tempos de berço e infância.
As pessoas que costumam entender o passado com profundidade são raríssimas. Há um Umberto Eco que entende de Idade Média e um Ruy Castro que entende os anos 1930 e 1940 (ele nasceu em 1948, no finzinho dessa década), sem pedantismo nem pretensões de forjar maturidade e sabedoria.
Historiadores, jornalistas e arqueólogos talvez tendam a mostrar mais pessoas com essa compreensão. Mas, com toda a certeza, entender profundamente o passado não é uma questão de empresários, médicos e economistas granfinos e de cabelos brancos que passeiam pelo centro histórico de Roma como se fossem para a Disneylândia.
Afinal, entender o passado não é para qualquer um, não é uma coisa que cabelos brancos possam necessariamente garantir. Melhor seria que nossos sessentões fiquem apreciando a cultura dos anos 80 e escutassem o "infantil" rock brasileiro que fala mais sobre suas vidas que os distantes standards da canção hollywoodiana dos anos 1940.
Que os sessentões deixem seus filhos pesquisarem sobre os anos 50, 60 e 70, pelo esforço próprio e analítico. Os jovens parecem ter mais paciência que seus pais, que viveram essas décadas "correndo" e pouco guardaram dessa "viagem" apressada.
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