O Brasil sempre viveu o complexo de vira-lata. Sempre se orgulhou em reproduzir em segunda mão novidades que já soam velhas em determinada época. Tivemos um breve período em que tentamos superar isso, mais ou menos entre 1957 e 1968, mais algumas tentativas feitas até 1986, até que nos últimos 25 anos resolvemos virar matutos cibernéticos de vez.
O provincianismo contagia até mesmo o Sudeste, antes referência de modernidade de ponta na América Latina, como os antigos polos culturais do Rio de Janeiro e São Paulo, hoje redutos da mentalidade mais provinciana, até quando tenta lançar alguma novidade.
Vejo nas mídias sociais pessoas exaltando essas "novidades" com o caráter bovino de jagunços do Acre, e fico indagando a inversão que existe hoje nos circuitos cariocas em relação a uma mente cosmopolita que o acreano João Donato trabalha desde os anos 1950.
O aspecto ambíguo do "museu de grandes novidades" cantado por Cazuza indica tanto o fato de que o nosso passado recente, sobretudo a primeira metade dos anos 1960, era pontuado de novidades e avanços no Brasil, quanto o fato de que o país voltou, com apetite redobrado, a sempre surfar em ondas passadas, que chegam aqui como marolinhas de uma festa que se encerrou anteontem.
Em 2004, me surpreendia a ilusão de contemporaneidade que a grande mídia e o "rebanho" de internautas que exalta o "estabelecido" nas mídias sociais tentava trazer com a obsessão desses jovens com a música eletrônica e o hip hop, sem saber o quanto datados estavam, evocando a onda do break novaiorquino de 1983 e o Verão do Amor inglês de 1988.
Se observarmos bem, os ídolos musicais que fazem sucesso hoje são mera sombra de coisas que ocorriam há 25 anos atrás. Anitta, Luan Santana, Léo Santana, Thiaguinho, Valesca Popozuda, Gaby Amarantos, Naldo Benny, MC Guimê, MC Ludmila, todos evocam de uma forma ou de outra ícones do pop estadunidense de, pelo menos, 10 anos atrás.
Mas os próprios neo-bregas dos anos 90 (os "sertanejos" e "pagodeiros" que fizeram sucesso na Era Collor e hoje fazem "MPB de mentirinha") também representaram coisa datada, como uma reprodução em terceira mão daquele romantismo blazê que quase pôs a música brasileira a perder em meados dos anos 1950, às vésperas da Bossa Nova.
Os nossos empresários do entretenimento não têm uma noção de contemporaneidade. E nem poderiam mesmo ter, porque eles pensam em dinheiro e pesquisam modismos e tendências de sucesso nos EUA, de forma que eles mesmos levam anos para concluir se vale a pena implantar "novidades" aqui.
E aí mesmo o Rock Brasil de hoje, sem a veia criativa da geração 80, sofre desse mesmo problema. Mesmo o Scalene, que a crítica especializada jura que está sintonizada com os tempos atuais, soa muitíssimo mofado e postiço. Alegar que o grupo "assume" influências de Weezer, Queens Of The Stone Age e Radiohead nada tem de contemporâneo.
Afinal, esses grupos já correspondem ao som que rolava na MTV há uns 15 anos atrás. O que é ser contemporâneo para o Brasil? As chamadas rádios de "adulto contemporâneo", por exemplo, só tocam o hit-parade enferrujado de 30 anos atrás, há muito deixaram de ser o referencial de "boa música" que seus arrogantes gerentes artísticos tanto alardearam.
Além disso, o que faz o Scalene, com toda a sua postura "anti-comercial", competindo num reality show musical? Alguém imaginaria, nos anos 80, Barão Vermelho e Legião Urbana competindo em um programa desses? Não. Hoje tenta-se forçar uma "nova cena roqueira" que, todavia, não tem a menor fibra, nada tem de orgânico, de visceral, de verdadeiro.
No âmbito do brega-popularesco, fico observando duplas de "sertanejo universitário" tentando caprichar nas referências, "elaborando" as melodias, inserindo guitarra elétrica com acordes mais "criativos" e há casos em que colocaram até cítara, órgão Hammond e o "diabo a quatro".
No "pagode romântico", o que se vê são medalhões fazendo uma imitação politicamente correta do samba, copiando as fórmulas de Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e Jorge Aragão, ou outros, mais ambiciosos, prometendo "MPB de verdade" com arranjos "mais sofisticados", feitos por outros arranjadores, que fazem todo o trabalho sozinhos mas têm que colocar os "pagodeiros" como co-autores só para impressionar os fãs.
Há muita cópia, muita imitação, e, o que é pior, a assimilação tardia de modismos, a introdução no Brasil de tendências que já soam passadas há uns dez anos, ou que já são rotineiras nos países de origem. Só que o narcisismo provinciano que o Brasil tem, de julgar a "sua contemporaneidade" pelo próprio umbigo, cria uma arrogância preocupante que já gerou muita briga nas mídias sociais.
Essa conversa de "dane-se o mundo" tem o seu preço quando o Brasil mostra esses "valores" para o exterior. A reação do pessoal de lá é certeira: "bando de caipiras narcisistas". Mas o mais grave é que a "galera irada" ignora isso, cega em sua arrogância narcisista, achando que não estão ligando com o fato do que eles gostam e acreditam.
Fazer o quê? Uma coisa não é moderna nem antiquada por causa do tempo de duração. É verdade que muito do que se fez há 55 anos soa mais moderno que muita coisa hoje. Só que o problema é que, em outros tempos, as pessoas olhavam para a frente, e hoje as pessoas olham para trás ou para baixo (os próprios umbigos, para muitos "fonte de sabedoria e bom senso").
E aí vem o Scalene prometendo "contemporaneidade", como muita gente promete, de Victor & Léo a Mr. Catra. Fora o pessoal que acha que ser moderno é ter o braço cheio de tatuagens enquanto adota, nas mídias sociais, uma postura "revoltada" digna do período da ditadura militar.
O Brasil ainda é um país provinciano, querendo surfar hoje nas ondas que passaram outrora e quando a maré se encontra em calmaria. Até quando temos que aceitar ver nosso país sendo sempre o último a saber das novidades de ontem e insistir em fazer parte das festas que acabaram faz tempo?
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