Pular para o conteúdo principal

NÃO, OS ANOS 90 NÃO FORAM GENIAIS PARA O ROCK BRASIL

TIDO COMO UMA DAS BANDAS "GENIAIS" DOS ANOS 90, OS RAIMUNDOS NUNCA FORAM UMA RUPTURA SÉRIA COM O "ESQUEMÃO".

Um dos piores cacoetes no Brasil foi definir os anos 90 como uma década genial. Atribuir às baixarias bregas da Era Collor como se fossem "geniais" hoje em dia, como os "sertanejos" e "pagodeiros" que animavam o cenário sócio-cultural governado pelo "marajá das Alagoas", virou uma grande mania e de vez em quando aparece um surto atribuindo suposto preciosismo à década.

De repente, Fernando Collor virou "político legal", Gugu Liberato um "grande apresentador" e há quem veja genialidade até em Guilherme de Pádua. E até um Michael Sullivan que queria destruir a MPB em prol de um comercialismo predador na música brasileira, passou a ser "reabilitado" pelos fãs emepebistas, dotados de memória curta ou talvez por serem muito novos para entender certas coisas.

A década de 90, alvo de um saudosismo surreal hoje em dia, é glorificada por ter sido a década do "pragmatismo" (a ideologia de combinar valores precários com sucesso imediato) e um tempo em que até a exceção justificava a regra.

Para entender esse negócio de que a "exceção virou a regra", foi a partir dos anos 90 que se passou a acreditar que, num momento de crise, sua existência é negada pelo simples fato de que ela não se dá em aspectos financeiros e que o medíocre de plantão "tem valor" não pelas qualidades que (não) possui, mas pelos defeitos que deixa de ter.

O texto de Ricardo Alexandre, divulgando seu documentário Sem Dentes: Banguela Records e a Turma de 94, exagera no tom quanto ao título de seu artigo, 10 razões por que os anos 90 foram a melhor fase do rock brasileiro, já que ele justamente embarca na fórmula "exceção virou a regra" para definir a genialidade de um período.

Lendo bem o texto, nota-se que o exagero do título se manifesta pelo período enfocado: 1993-1996 (na verdade 1992), um período pequeno para definir o "espírito da década". É a partir dele que vieram os poucos grupos realmente legais da década, tão poucos que dá para contar pelos dedos.

E nem todos os grupos atribuídos são assim. Os Raimundos, por exemplo, sempre foram um grupo confuso perdido entre o punk rock e o thrash metal assimilados com postura submissa ao mercado. De início, eles cortejaram o forró, também de forma mais confusa do que se imagina, e depois ainda fizeram uma brincadeira não-ofensiva ao "pagode romântico", com o álbum Só no Forevis.

O grupo que se perdeu tentando ser, ao mesmo tempo, Ramones, Red Hot Chili Peppers e Sepultura com sotaque nordestino atravessou uma época em que as rádios de rock originais estavam enfraquecidas e depois desapareceram, abrindo caminho para rádios pop com vitrolão "roqueiro" que só se autoproclamam "rádios rock" por conta desses mentirosos impulsos marqueteiros.

Entre as poucas bandas que realmente valiam a pena no Rock Brasil dos anos 90, pode-se enumerar o Skank, a Nação Zumbi (com e sem Chico Science), o Mundo Livre S/A, o Cidade Negra e O Rappa. Mesmo com algumas evocações ao grunge/noise e gravando repertório em inglês, os Pin Ups, Killing Chainsaw, brincando de deus e Second Come também aparecem como as talentosas da época.

Fora eles e alguns similares, a década de 90 foi tomada pela mediocrização generalizada, já que poucos se interessam a admitir que os anos 90 no Brasil equivaleram exatamente aos anos 80 nos EUA, na propagação de valores mercantilistas e "pragmáticos" aliados a uma idiotização espetacularizada. Os anos 90 são a "década perdida" do Brasil.

O Rock Brasil dos anos 90 só teve em vantagem um profissionalismo maior em detrimento de um potencial artístico muito mais fraco. Grupos como Nação Zumbi, O Rappa e Skank ainda beberam nas fontes criativas do rock oitentista, dialogando com grupos como Fellini e Os Paralamas do Sucesso.

Além disso, entre 1993 e 1996, a Legião Urbana ainda era um grupo influente, assim como Titãs e Barão Vermelho. A própria Banguela era um presente que a WEA deu aos Titãs, pelo seu sucesso, algo que ocorreu com a Madonna, que chegou a criar o Maverick Records bancada pela Warner de lá, e recentemente com Demi Lovato, que recebeu um selo dos executivos da Universal Music.

Naquela época, a mídia medíocre - era o começo da degradação do jornalismo, com a contratação de mão-de-obra barata e desqualificada - , sem perceber a realidade dos selos subsidiários (que lá fora existiam há tempos, como Island, Chrysalis e Asylum), espalhou que o Brasil vivia o crescimento de "gravadoras independentes" que na verdade eram sustentadas pelas grandes gravadoras.

Ninguém percebeu que a própria mídia tentava criar um arremedo de "cultura alternativa" que confundia independência com incompetência: falsos fanzines ligados à grande imprensa, rádios pop autoproclamadas "rádios rock", selos "indie" financiados por grandes gravadoras etc.

E aí se ascendeu uma mídia "roqueira" horrível, que veio a ditar o que havia de pior no cenário noventista. Aí Ricardo Alexandre, pela sua experiência e pesquisa musical, teve que admitir: depois de 1996 vieram as "bandas-engraçadas-que-vendem-milhões", várias delas tidas como "geniais" pelo clientelismo midiático que envolveu MTV, rádios pseudo-roqueiras, imprensa musical e organizadores de eventos musicais.

E aí vieram aquelas bandas ruins que ninguém poderia criticar. E isso numa época em que os "pagodeiros" e "sertanejos" da Era Collor terminaram os anos 90 brincando de ser emepebistas em tributos caça-níqueis produzidos por redes de televisão. A mediocrização cultural se consolidou e muitos se acostumaram mal.

Daí ser preciso analisar os anos 90 sem muita adoração. Eu prefiro dizer que os anos 90 foram uma década medíocre, porque o Brasil não assimilou a fase autocrítica que os EUA viveram naquela década. Pelo contrário, o Brasil pegou a farra dos EUA da Era Reagan e todos os seus males foram adaptados ao nosso país. Foi na década de 90 que se firmou a chamada ditadura midiática.

É compreensível. Se oficialmente os anos 90 são "geniais", é porque prevalecem as visões dos empresários em geral, dos executivos da mídia e seus porta-vozes, dos publicitários, acadêmicos, políticos e tecnocratas. Por isso, tem-se a ilusão de que a década foi o máximo. Medir o saudosismo de acordo com a vontade dessas elites, porém, é bastante enganador e perigoso.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

INFANTILIZAÇÃO E ADULTIZAÇÃO

A sociedade brasileira vive uma situação estranha, sob todos os aspectos. Temos uma elite infantilizada, com pessoas de 18 a 25 anos mostrando um forte semblante infantil, diferente do que eu via há cerca de 45 anos, quando via pessoas de 22 anos que me pareciam “plenamente adultas”. É um cenário em que a infantilizada sociedade woke brasileira, que chega a definir os inócuos e tolos sucessos “Ilariê” e “Xibom Bom Bom” cono canções de protesto e define como “Bob Dylan da Central” o Odair José, na verdade o “Pat Boone dos Jardins”, apostar num idoso doente de 80 anos para conduzir o futuro do Brasil. A denúncia recente do influenciador e humorista Felca sobre a adultização de menores do ídolo do brega-funk Hytalo Santos, que foi preso enquanto planejava fugir do Brasil, é apenas uma pequena parte de um contexto muito complexo de um colapso etário muito grande. Isso inclui até mesmo uma geração de empresários e profissionais liberais que, cerca de duas décadas atrás, viraram os queridões...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

DENÚNCIA GRAVE: "MÉDIUM" TIDO COMO "SÍMBOLO DE AMOR E FRATERNIDADE" COLABOROU COM A DITADURA

O famoso "médium" que é conhecido como "símbolo maior de amor e fraternidade", que "viveu apenas pela dedicação ao próximo" e era tido como "lápis de Deus" foi um colaborador perigoso da ditadura militar. Não vou dizer o nome desse sujeito, para não trazer más energias. Mas ele era de Minas Gerais e foi conhecido por usar perucas e ternos cafonas, óculos escuros e por defender ideias ultraconservadoras calcadas no princípio de que "devemos aceitar os infortúnios e agradecer a Deus pela desgraça obtida". O pretexto era que, aceitando o sofrimento "sem queixumes", se obterá as prometidas "bênçãos divinas". Sádico, o "bondoso homem" - que muitos chegaram a enfiar a palavra "Amor" como um suposto sobrenome - dizia que as "bênçãos futuras" eram mais dificuldades, principalmente servidão, disciplina e adversidades cruéis. Fui espírita - isto é, nos padrões em que essa opção religi...

CRISE DA MPB ATINGE NÍVEIS CATASTRÓFICOS

INFELIZMENTE, O MESTRE MILTON NASCIMENTO, ALÉM DE SOFRER DE MAL DE PARKINSON, FOI DIAGNOSTICADO COM DEMÊNCIA. A MPB ainda respira, mas ela já carece de uma renovação real e com visibilidade. Novos artistas continuam surgindo, mas poucos conseguem ser artisticamente relevantes e a grande maioria ainda traduz clichês pós-tropicalistas para o contexto brega-identitário dos últimos tempos. Recentemente, o cantor Milton Nascimento, um dos maiores cantores e compositores da música brasileira e respeitadíssimo no exterior por conta de sua carreira íntegra, com influências que vão da Bossa Nova ao rock progressivo, foi diagnosticado com um tipo de demência, a demência de corpos de Lewy. Eu uma entrevista, o filho Augusto lamentou a rotina que passou a viver nos últimos anos , quando também foi diagnosticado o Mal de Parkinson, outra doença que atinge o cantor. Numa triste e lamentável curiosidade, Milton sofre tanto a doença do ator canadense Michael J. Fox, da franquia De Volta para o Futuro ...

NITERÓI: CONDOMÍNIO SEM COMÉRCIO DIGNO NO ANTIGO RIO DECOR É UMA RAJADA DE METRALHADORA NO PÉ

TERRENO VAZIO APÓS DEMOLIÇÃO DO PRÉDIO DO ANTIGO RIO DECOR, NA AVENIDA FELICIANO SODRÉ, EM NITERÓI. Um dos antigos prédios de Niterói não existe mais. Por um gigantesco erro estratégico, o Rio Decor, durante a pandemia, abandonou o grande prédio da Av. Feliciano Sodré, que no passado foi das Lojas Maveroy e que era um grande espaço para um shopping center . O Rio Decor se mudou para a Av. Jansen de Mello e perdeu boa parte da demanda, sobretudo São Gonçalo, ficando "escondido" na esquina da Rua São Lourenço. Com isso, o prédio, antes imponente, virou uma espécie de Cracolândia niteroiense. Nos últimos tempos houve incêndio e homicídio, além do grande perigo que representava principalmente para quem ficava num ponto de ônibus em frente ao local. Depois de tais incidentes, a estrutura do prédio foi danificada e a Prefeitura de Niterói preferiu demolir. Hoje é um terreno vazio, do qual há intenções de construção de um condomínio, o que não é má ideia, porque dará movimento ao lo...

NEGACIONISTA FACTUAL E SUAS RAÍZES SOCIAIS

O NEGACIONISTA FACTUAL REPRESENTA O FILHO DA SOCIALITE DESCOLADA COM O CENSOR AUSTERO, NOS ANOS DE CHUMBO. O negacionista factual é o filho do casamento do desbunde com a censura e o protótipo ilustrativo desse “isentão” dos tempos atuais pode explicar as posturas desse cidadão ao mesmo tempo amante do hedonismo desenfreado e hostil ao pensamento crítico. O sujeito que simboliza o negacionista factual é um homem de cerca de 50 anos, nascido de uma mãe que havia sido, na época, uma ex-modelo e socialite que eventualmente se divertia, durante as viagens profissionais, nas festas descoladas do desbunde. Já o seu pai, uns dez anos mais velho que sua mãe, havia sido, na época da infância do garoto, um funcionário da Censura Federal, um homem sisudo com manias de ser cumpridor de deveres, com personalidade conservadora e moralista. O casal se divorciou com o menino tendo apenas oito anos de idade. Mas isso não impediu a coexistência da formação dúbia do negacionista factual, que assimilou as...

A HIPOCRISIA DA ELITE DO BOM ATRASO

Quanta falsidade. Se levarmos em conta sobre o que se diz e o que se faz crer, o Brasil é um dos maiores países socialistas do mundo, mas que faz parte do Primeiro Mundo e tem uma das populações mais pobres do planeta, mas que tem dinheiro de sobra para viajar para Bariloche e Cancún como quem vai para a casa da titia e compra um carro para cada membro da família, além de criar, no mínimo, três cachorros. É uma equação maluca essa, daí não ser difícil notar essa falsidade que existe aos montes nas redes sociais. É tanto pobre cheio da grana que a gente desconfia, e tanto “neoliberal de esquerda” que tudo o que acaba acontecendo são as tretas que acontecem envolvendo o “esquerdismo de resultados” e a extrema-direita. A elite do bom atraso, aliás, se compôs com a volta dos pseudo-esquerdistas, discípulos da Era FHC que fingiram serem “de esquerda” nos tempos do Orkut, a se somar aos esquerdistas domesticados e economicamente remediados. Juntamente com a burguesia ilustrada e a pequena bu...

A IMPORTÂNCIA DE SABERMOS A LINHA DO TEMPO DO GOLPE DE 2016

Hoje o golpismo político que escandalizou o Brasil em 2016 anda muito subestimado. O legado do golpe está erroneamente atribuído exclusivamente a Jair Bolsonaro, quando sabemos que este, por mais nefasto e nocivo que seja, foi apenas um operador desse período, hoje ofuscado pelos episódios da reunião do plano de golpe em 2022 e a revolta de Oito de Janeiro em 2023. Mas há quem espalhe na Internet que Jair Bolsonaro, entre nove e trinta anos de idade no período ditatorial, criou o golpe de 1964 (!). De repente os lulistas trocaram a narrativa. Falam do golpe de 2016 como um fato nefasto, já que atingiu uma presidenta do PT. Mas falam de forma secundária e superficial. As negociações da direita moderada com Lula são a senha dessa postura bastante estranha que as esquerdas médias passaram a ter nos últimos quatro anos. A memória curta é um fenômeno muito comum no Brasil, pois ela corresponde ao esquecimento tendencioso dos erros passados, quando parte dos algozes ou pilantras do passado r...