O falecimento de Fernando Brant, um dos mais destacados letristas da MPB autêntica, acontece quando a MPB sofre o momento mais agudo de uma crise, que é apenas uma parte de uma grande crise na cultura brasileira em geral.
Brant, conhecido pelas parcerias com Milton Nascimento, não resistiu a uma segunda cirurgia no fígado, e faleceu aos 68 anos, ainda com uma aparência de senhor jovial e, com toda certeza, com a mente que, não fosse a enfermidade, estaria pronta para produzir novos e excelentes poemas.
Para os emepebistas autênticos, é mais uma perda para a MPB autêntica que, desde o falecimento de Sylvia Telles, no final de 1966, está acostumada a perder grandes nomes. Mas hoje a situação é muito grave, como foi grave, por exemplo, o falecimento de Paulinho Tapajós, cujo impacto na MPB foi devastador, diante da perda de um compositor ímpar que Paulinho foi.
Fernando Brant causou grande impacto com sua morte, embora ganhasse de Paulinho em questão de visibilidade, já que a música de Milton Nascimento conseguia furar o cerco dos círculos emepebistas mais "especializados". Infelizmente a MPB autêntica distanciou-se do grande público, e em boa parte disso a culpa é dos barões da mídia, dos intelectuais "bacanas" e do mercado do entretenimento.
A MPB hoje torna-se a cada vez mais acéfala. Virou evento de gala, festa chique e, o que é pior, a adesão de neo-bregas - nomes do "sertanejo" e do "pagode romântico", entre outras tendências derivadas do brega, que fizeram muito sucesso nos anos 90 - a essa "MPB de luxo e pompa" nem de longe resolveu as coisas, até as tornaram bem piores.
Afinal, os neo-bregas não têm o talento dos emepebistas. Para eles, "MPB" é uma questão de combinar um bom aparato visual, seja deles, seja dos palcos em que se apresentam, e plateias lotadas. Uma equação esquisita que mistura regras de etiqueta e apelo popular que, musicalmente, é extremamente oco e ruim.
A crise da cultura brasileira, é claro, é esnobada pela crítica especializada ou pela "boa sociedade". Como eles têm o monopólio do microfone aberto, eles tentam nos convencer que a crise não existe e que o Brasil vive "um dos melhores momentos da cultura brasileira".
No que se diz à MPB, os jornalistas especializados estufam o peito e ficam alardeando aos quatro ventos que a antiga era jobiniana-cepecista-buarqueana-clubeesquinense acabou, e a eles resta apenas um "vá em paz" para Fernando Brant, felizes em saber que "finalmente" a "era do Clube da Esquina" e sua poesia bucólica "chegou ao fim".
Para esses jornalistas, a "vanguarda musical" de hoje é ter um sâmpler na mão e uma ideia na cabeça. Ou então ter uma salada, ou talvez, uma gororoba de informações culturais diversas, sem no entanto poder processar dignamente e de forma precisa.
O que hoje vemos como os novos nomes da música brasileira são gente muito informada, porém artisticamente confusa. Temos a hegemonia do brega-popularesco, os neo-bregas ficaram "velhos" e hoje temos os pós-bregas (Thiaguinho, Victor & Léo, Luan Santana, Cláudia Leitte, Anitta) escancarando no comercialismo que nos neo-bregas era gritante.
Fora da órbita brega-popularesca, o que temos são emepebistas que reforçam a mesmice do ecletismo domesticado (Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci), ou gente "vitaminada" de informações da MPB e do Rock Brasil, de Felipe Cordeiro à banda Scalene, que no entanto soa indigesta e chata de se ouvir.
Numa era em que, de um lado, basta ser superinformado e, de outro, basta fazer o jogo do mercado e da mídia - como no circo amestrado dos reality shows musicais, dos quais pouco se salva - para ser considerado "grande promessa" musical. Só que são promessas que não se cumprem.
Afinal, do "rico" cenário musical que veio desde os anos 1990 - que a crítica musical tenta nos convencer de ser um "excelente período" - , pouquíssimos nomes realmente se sobressaem, como O Rappa e Nação Zumbi, dentro de um mar de mediocridade que só é tida como "genial" porque as pessoas se acostumaram com ela.
E tudo sem beleza artística, sem visceralidade nem fibra. Temos grandes artistas nos últimos 25 anos, mas eles, em sua quase totalidade, nem visibilidade possuem, lutando até hoje por um mínimo de espaço de divulgação sem o risco de se venderem para uma trilha de novela ou alguma visibilidade maior no circo midiático.
Portanto, se a crítica especializada se arroga a festejar o fim da MPB "jobiniana", "buarqueana", "clubeesquinense" e coisa parecida, ela não se interessa necessariamente na salvação da cultura brasileira tragada pela mesmice, mas tão somente em criar uma dinastia "informada" ou "informatizada" que pouco nos diz em criatividade e muito menos em renovação.
Por isso dói sempre quando um grande nome da MPB morre, não pela perda em si, mas pela lacuna que ele, como tantos outros nomes, deixaram. E isso não se resolve com uma avalanche de novos nomes "vitaminados de informações", mas sem a menor criatividade, como também não se resolve com o circo de homenagens blazê da MPB autêntica nas quais até os neo-bregas participam.
A MPB, como se sabe, não precisa ser homenageada, precisa ser vivida. E o nosso patrimônio musical está se perdendo aos poucos, pela apreciação cada vez mais privada das elites, enquanto o brega-popularesco tenta nos enganar com nomes que prometem "uma música de qualidade". A realidade mostra que ser bem informado nem sempre é tornar-se mais criativo e competente.
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