Pular para o conteúdo principal

A ARROGÂNCIA DOS QUE APOIAM LITERATURA ANALGÉSICA


Que as pessoas tenham o direito de escolher lerem o livro que quiserem, tudo bem, isso tem que ser respeitado.

Mas, infelizmente, numa sociedade hipermidiatizada e hipermercantilizada como a nossa, suspeita-se de tantas escolhas pela literatura analgésica, aquela feita para relaxar, sem oferecer um compromisso real com o Saber.

A minha bronca pelo desprezo que muita gente tem em relação a livros como Esses Intelectuais Pertinentes... - que tem o mérito de, através da menção de alguns intelectuais, analisar os fatores culturais que favoreceram o golpe de 2016 e o bolsonarismo - não é porque fui eu que escrevi.

Não sou dessas pessoas movidas por tamanha vaidade.

A bronca se dá porque há revelações que o Brasil-Instagram e a flanelização cultural - ou seja, uma mania de passar pano em tudo e até mesmo no que é pior - não quer saber.

A mediocrização cultural, gourmetizada pelas redes sociais, permitiu, através da imbecilização do público, com que se desmobilizasse a sociedade e abrisse caminho para o golpe político contra Dilma Rousseff e a ascensão do catastrófico Jair Bolsonaro.

A imbecilização ocorreu de tal forma que mesmo as esquerdas se esqueceram de que houve golpe.

As pessoas ficaram piegas, movidas por um hedonismo desenfreado, o senso crítico foi deixado de lado e há um reacionário esnobismo que une bolsomínions, "isentões" e esquerdas identitaristas.

Todos vivendo num "país das maravilhas", onde qualquer questionamento do "estabelecido" faz de seu manifestante vítima em potencial de linchamento virtual dos mais sérios.

Não se pode questionar até o caráter farsesco da gíria "balada" (©Jovem Pan), difundida artificialmente pela grande mídia à maneira da "novilíngua" (ver 1984 de George Orwell), "substituindo" sentidos diversos como jantar entre amigos, festa de DJ e vida noturna (tudo virou "balada").

Precarizar o vocabulário não é moderno de jeito algum. E a onda do portinglês não faz dos brasileiros pessoas sintonizadas com o mundo, mas pessoas escravas do viralatismo cultural, dessa colonização cafajeste e desenfreada.

Que possamos receber referências estrangeiras, vá lá. Eu mesmo curto muita música estrangeira. O problema é o modo vertical como isso se dá, imposto "de cima" pelo poder midiático.

"Liberdade" virou uma concessão da Folha de São Paulo. A juventude molda seus referenciais a partir de gurus ocultos que podem ser Sílvio Santos, Luciano Huck, William Bonner ou, postumamente, Otávio Frias Filho.

O pessoal ouve Jovem Pan, vê Rede TV!, SBT, Globo e Record, lê Folha de São Paulo e Estadão, mas jura que só usa redes sociais e vê Netflix e Amazon,

Pura hipocrisia. E isso envolve uma cultura que inclui música popularesca, comercialismo musical enrustido - só porque a pessoa ouve um sucesso musical no dia a dia, não significa que ele seja anti-comercial - e literatura analgésica.

Se esse cenário cultural é "maravilhoso", só porque o jornalista cultural "isentão" supôs, em seu solipsismo, que "nunca existiram tantas vozes e tantas narrativas" na História do Brasil, então não sei que "maravilha" é essa.

Afinal, o problema é a questão da oferta e da procura nesse grande shopping center do "tudo de tudo".

O jornalista "isentão" pode ouvir aquela nova emepebista que mal lançou sua primeira música, assim como pode comprar discos de jazz, blues e até rock progressivo mais raros. E ver filmes alternativos europeus e asiáticos e ler livros complexos de intelectuais e filósofos distópicos.

Mas é só ele. E somente as "bolhas culturais". E quem tem senso crítico fica à margem, porque se tem que passar pano em tudo, até no que há de pior, deturpando o sentido do "outro".

Ser o "outro", ser "gente como a gente", ter "vida simples", tudo isso, mesmo sob o rótulo de "ruptura do preconceito", é uma forma terrivelmente preconceituosa.

É como se o povo, a gente simples, a pessoa livre devam se afirmar pelas piores atitudes e por uma conduta patética em tudo, e "perder o preconceito" fica sendo passar pano em tudo isso, porque o "outro" é "genial" naquilo que "achamos pior".

Nada mais hipócrita do que isso.

E aí temos um mercado literário que NÃO se compromete muito com o Saber, e, quando muito, nomes como Umberto Eco, Fernando Morais, Clarice Lispector e George Orwell aparecem por causa do prestígio conquistado.

Ou seja, quem se compromete em transmitir Saber (com maiúsculas), precisa ter um sucesso comercial como gancho. 

Isso num país em que similares brasileiros de Umberto Eco são proibidos de entrar nesse reduto de passagem de pano que são os cursos de pós-graduação, que confundem senso crítico com "opinião".

Até os autores das periferias precisam de algum pistolão de uma ONG, para poder trazer a sua experiência de origem pobre não muito agradável. Porque a pobreza não é linda como julgam "bondosamente" os "queridos intelectuais sem preconceito".

Mas o mais grave disso tudo é que existe uma literatura fake, a do Espiritismo brasileiro, no qual os estilos das ditas "obras mediúnicas" não batem com os estilos originais dos autores alegados.

E o mais preocupante é que essa literatura fake é levada a sério e, mais aberrante ainda, é considerada como se fosse "comprometida com o Saber e com o verdadeiro (sic) Conhecimento".

De forma ignorante, costuma-se achar que "Saber" e "Conhecimento" são meros engodos que envolvem moralismo, misticismo e arremedos ruins de filosofia barata.

Aí não dá mesmo para ter senso crítico se a passagem de pano chega a esse setor da literatura falsificada dos "fakes de Cristo".

Passa-se mais pano nessa e noutras literaturas analgésicas, que NÃO se comprometem em esclarecer e informar as pessoas de verdade, do que mesmo os panos que se passa na limpeza dos livros para tirar poeira e possíveis insetos.

E as pessoas que só leem essa literatura anestesiante agem de forma arrogante, achando que "sabem o que querem", sem saber que boa parte dos livros que leem sofrem alguma influência de uma indicação de um veículo da grande mídia.

Não vamos ser ingênuos em achar que a grande mídia morreu e o mercado foi extinto, que agora tudo é "espontâneo" e "orgânico" no entretenimento mainstream enrustido de hoje em dia.

As pessoas levam gato por lebre, gastando R$ 500 por uma série de livros com 280 páginas cada, mas que, com palavras de fontes grandes, muito espaçamento de linhas, páginas ilustradas e em branco aos montes, não conseguem ter metade do conteúdo de textos compatível.

E reclamam quando peço para que leiam a versão eBook de meus livros, muito mais baratos do que as séries de livros que devoram, aos poucos, o orçamento da classe média.

Tenho contas a pagar e minha literatura é comprometida ao Saber e ao Conhecimento. Comprar um livro meu ajudaria a amenizar os custos e aliviar um pouco mais minha vida.

Minha literatura é bem diferente da literatura de muitas madames e muitos lordes que lançam livros de ficção medieval, auto-ajuda, melodramas juvenis apenas para ficar mais ricos do que já estão.

E aí as pessoas que acham que "sabem o que querem" mas compram livros impulsionadas pela influência da mídia venal acabam enriquecendo ainda mais autores que já começam a carreira milionários.

A pessoa vai feliz da vida comprando aquele best seller e, sem saber, está pagando a viagem de iate do autor de auto-ajuda ou a festa de arromba daquela filha de socialite que virou "influenciadora digital".

O Brasil precisa acordar. Está todo mundo no "país da maravilha" das redes sociais. Um choque de realidade deveria ser bom para que acabar com esse culturalismo viciado que está iludindo os brasileiros e travando o progresso de nosso país.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

PUBLICADO 'ESSA ELITE SEM PRECONCEITOS (MAS MUITO PRECONCEITUOSA)'

Está disponível na Amazon o livro Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , uma espécie de "versão de bolso" do livro Esses Intelectuais Pertinentes... , na verdade quase isso. Sem substituir o livro de cerca  de 300 páginas e análises aprofundadas sobre a cultura popularesca e outros problemas envolvendo a cultura do povo pobre, este livro reúne os capítulos dedicados à intelectualidade pró-brega e textos escritos após o fechamento deste livro. Portanto, os dois livros têm suas importâncias específicas, um não substitui o outro, podendo um deles ser uma opção de menor custo, por ter 134 páginas, que é o caso da obra aqui divulgada. É uma forma do público conhecer os intelectuais que se engajaram na degradação cultural brasileira, com um etnocentrismo mal disfarçado de intelectuais burgueses que se proclamavam "desprovidos de qualquer tipo de preconceito". Por trás dessa visão "sem preconceitos", sempre houve na verdade preconceitos de cl

OS CRITÉRIOS VICIADOS DE EMPREGO

De que adianta aumentar as vagas de emprego se os critérios de admissão do mercado de trabalho estão viciados? De que adianta haver mais empregos se as ofertas de emprego não acompanham critérios democráticos? A ditadura militar completou 60 anos de surgimento. O governo Ernesto Geisel, que consolidou o Brasil sonhado pelas elites reacionárias, faz 50 anos de seu início. Até parece que continuamos em 1974, porque nosso Brasil, com seus valores caquéticos e ultrapassados, fede a mofo tóxico misturado com feses de um mês e cadáveres em decomposição.  E ainda muitos se arrogam de ver o Brasil como o país do futuro com passaporte certeiro para ingressar, já em 2026, no banquete das nações desenvolvidas. E isso com filósofos suicidas, agricultores famintos e sobrinhos de "médiuns de peruca" desaparecendo debaixo dos arquivos. Nossos conceitos são velhos. A cultura, cafona e oligárquica, só defendida como "vanguarda" por um bando de intelectuais burgueses, entre jornalist

LULA, O MAIOR PELEGO BRASILEIRO

  POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LULA DE 2022 ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE FERNANDO COLLOR O QUE DO LULA DE 1989. A recente notícia de que o governo Lula decidiu cortar verbas para bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular faz lembrar o governo Collor em 1991, que estava cortando salários e ameaçando privatizar universidades públicas. Lula, que permitiu privatização de estradas no Paraná, virou um grande pelego político. O Lula de 2022 está mais próximo do Fernando Collor de 1989 do que o próprio Lula naquela época. O Lula de hoje é espetaculoso, demagógico, midiático, marqueteiro e agrada com mais facilidade as elites do poder econômico. Sem falar que o atual presidente brasileiro está mais próximo de um político neoliberal do que um líder realmente popular. Eu estava conversando com um corretor colega de equipe, no meu recém-encerrado estágio de corretagem. Ele é bolsonarista, posição que não compartilho, vale lembrar. Ele havia sido petista na juventude, mas quando decidiu votar em Lul

MAIS DECEPÇÃO DO GOVERNO LULA

Governo Lula continua decepcionando. Três casos mostram isso e se tratam de fatos, não mentiras plantadas por bolsonaristas ou lavajatistas. E algo bastante vergonhoso, porque se trata de frustrações dos movimentos sociais com a indiferença do Governo Federal às suas necessidades e reivindicações. Além de ter havido um quarto caso, o dos protestos de professores contra os cortes de verbas para a Educação, descrito aqui em postagem anterior, o governo Lula enfrenta protestos dos movimentos indígenas, da comunidade científica e dos trabalhadores sem terra, lembrando que o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) já manifestou insatisfação com o governo e afirmou que iria protestar contra ele. O presidente Lula, ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, assinou, no último dia 18, a demarcação de apenas duas terras para se destinarem a ser reservas indígenas, quando era prometido um total de seis. Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT) foram beneficiadas pelo document