O grande erro das esquerdas brasileiras é que elas pensam que estão com o protagonismo conquistado.
Acham que 2022 é só para elas e imaginam que seu caminho já está traçado e que os rivais, sejam bolsonaristas ou terceiro-viáveis, estão derrotados por antecipação.
A minha decepção com as esquerdas não está com as causas que elas defendem. Está na sua falta de estratégia.
As esquerdas se esquecem que quem está traçando o caminho para a normalidade institucional da democracia formal é a direita moderada.
O caminho não está sendo preparado pela direita moderada que, em parte, fez o golpe politico de 2016, para ela entregar assim de graça para as esquerdas.
Me preocupa esse triunfalismo das esquerdas, achando que Lula já ganhou a parada e que um suposto favoritismo especulativo garante a certeza de sua vitória.
Até ironizam o termo "terceira via", classificando Lula como "certeira via". Até aí, tudo bem.
Que Lula é considerado, teoricamente, o candidato mais competente para recuperar o Brasil, isso é, em princípio, verdade.
Mas as condições reais não favorecem essa expectativa. E mesmo Lula não está sendo estratégico para comandar a sua retomada ao poder.
Ele faz alianças a torto e a direito, na cabra-cega de quem aceita apoio até de cachorro rottweiler que rosnar contra Jair Bolsonaro.
O grande erro de Lula e das esquerdas em geral é não lutar pela reconquista do espaço perdido em 2016, porque acha que a direita moderada já lhes concedeu novamente esse espaço.
As esquerdas se esquecem que o golpe político de 2016 foi uma coisa séria. Não foi um pesadelo que se sonhou na noite passada, deu um baita susto mas foi só um sonho.
A realidade do golpe político de 2016 envolveu não só perda de direitos trabalhistas, venda de estatais e de riquezas naturais brasileiras para estrangeiros.
Ela envolveu leis que enfraqueceram a atuação de sindicatos e até na venda de um satélite de monitoramento do céu brasileiro para empresas estrangeiras, favorecendo a espionagem.
Michel Temer fez coisas horríveis e abriu caminho para Jair Bolsonaro.
E as esquerdas subestimando esses cinco anos de desastres, achando que Lula, com uma varinha de condão, irá por si só fazer o Brasil voltar aos moldes de (relativa) prosperidade de 2010.
Se bem que as esquerdas estão paradas, ainda estão presas a 2002.
E aí me preocupo quando vejo o economista Mailson da Nóbrega, membro do Instituto Millenium, dizer que "o mercado prefere Lula a Bolsonaro".
Desconfio muito que Lula tenha cedido boa parte de seu programa de governo. Não vejo ele com vantagens reais para vencer a campanha presidencial.
E isso se deve por três principais motivos.
Primeiro, o Brasil está sucateado, devido aos danos que Temer e Bolsonaro fizeram para o país.
Segundo, a direita moderada não irá tolerar Lula governando de forma audaciosa.
Terceiro, é a falta de mobilização das esquerdas brasileiras.
Ainda podemos citar o quarto motivo, que é a arrogância das esquerdas de um triunfalismo que julgam ter mas não possuem.
Os esnobismos em torno da terceira via, que ainda não se apresentou ao público, são preocupantes.
Só porque a terceira via não se apresentou não significa que as esquerdas se achem no direito de julgar que os terceiro-viáveis são derrotados.
Nomes como Eduardo Leite e Sérgio Moro já agem de maneira mais concreta para entrarem na campanha presidencial. E virá mais gente em seguida.
Ver as esquerdas tratando a terceira via como um grupo de birutas de posto de gasolina é constrangedor. Mesmo para alguém de esquerda como eu.
Temos que reconhecer a competitividade na corrida presidencial. Lula não pode ser considerado "o único" porque ele terá que enfrentar outros concorrentes.
E não existe "primeiro turno com jeito de segundo", com um hipotético debate entre Bolsonaro e Lula enquanto os demais candidatos fazem figuração.
No primeiro turno, Bolsonaro faltará ao debate e falará para canais bolsonaristas. Lula ficará debatendo com a terceira via.
As esquerdas não estão com o jogo ganho e estão muito longe de ter qualquer vantagem.
As vantagens de Lula são meramente especulativas, idealizadas, presumidas. Se pode ser provável sua vitória, isso até faz sentido, mas não significa que Lula já ganhou a competição.
Lula pode perder, como nas campanhas presidenciais anteriores a 2002. E pode perder por achar que a direita moderada está arrumando a cama para ele e as esquerdas em geral descansarem e brincarem em paz na sua memecracia.
Não é assim. Acreditar que a direita que fez o golpe de 2016 vai devolver o protagonismo político e governamental às esquerdas é uma gigantesca tolice.
Seria melhor para as esquerdas um pouco mais de empenho nas manifestações, indo para as ruas mais vezes e evitando o clima de micareta, e menos sonho, menos fantasia e menos triunfalismo.
As esquerdas devem lembrar que não estão com o jogo ganho e que podem perder, mesmo com Lula se apresentando como o "melhor de todos".
Deve haver humildade e realismo, porque tanto a terceira via já está discutindo quem serão seus candidatos diversos quanto Bolsonaro se prepara para se perpetuar no poder.
E aí a realidade dará um duro golpe contra o triunfalismo na memecracia das esquerdas.
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