Infelizmente, é impossível que Lula, caso seja eleito, faça o melhor de todos os governos.
Também será impossível que o Brasil entre na melhor fase de toda sua História.
Virei anti-petista doente? Virei coxinha neurótico, direitista paranoico?
Não. Sou de esquerda, admiro Lula, mas vejo com preocupação a forma com que ele está articulando para voltar à Presidência da República.
Ele está fazendo alianças às cegas, e é preocupante que ele esteja fazendo acordos com aqueles que promoveram o golpe contra Dilma Rousseff, há cinco anos.
Cinco anos, a níveis de historiografia, é "ainda há pouco". Ou seja, como geopolítica local, o golpe de 2016 é algo que "saiu do forno".
As esquerdas estão infantilizadas e analistas sérios, dentro das esquerdas, estão criticando seus pares por causa de tanta ingenuidade.
Os esquerdistas festivos não fazem manifestações de rua com frequência, preferindo ficar em casa e acreditar que memes e tuitaços vão em si derrubar Jair Bolsonaro.
Acham que a vitória de Lula cairá do céu, e tratam a votação a ser realizada em 2022 como uma mera formalidade para confirmar o que lhes é desejado.
Enfatizam as pautas identitárias, que, ilusoriamente, julgam ser a "porta de entrada" para as questões trabalhistas, como se um "baile funk" ou uma "parada gay" fossem favorecer as lutas dos trabalhadores.
E quem é lúcido verá que esses eventos festivos, além de não serem necessariamente de esquerda, em nenhum momento favoreceram as lutas trabalhistas de verdade.
As esquerdas também estão esnobando os rivais.
Tratam Jair Bolsonaro como se fosse um palhaço, riem de suas caneladas, acham que ele não tem condições de armar um golpe, usando como pretexto os tanques velhos, um deles soltando fumaça, num desfile fora de contexto recente.
As esquerdas também fazem chacota com a terceira via, achando que só vai sair dela um candidato fracote, sem apoio, que terá queda certa na corrida presidencial.
Triste o clima de "já ganhou" das esquerdas identotárias, e triste os acordos às cegas feitos por Lula.
Parece que estamos em 2002, quando as esquerdas vieram com os "brinquedos culturais" que receberam de presente da direita midiática, tratando o Brasil como se fosse uma "novela das nove" da Globo aplicada na vida real.
Era gente estranha na festa esquisita das esquerdas.
Sejam "médiuns espíritas" tratados como "fadas-madrinhas", funqueiros vistos como "guerrilheiros guevaristas", craques de futebol ricos como "Dom Pedro I" pós-modernos, alternando dons mulherengos com a "luta pela Pátria", mulheres-objetos que se juravam "feministas" etc.
As esquerdas começaram mal com este cardápio culturalista, fazendo o jogo da manipulação da Rede Globo, a porta-voz das elites que se julga "dona" do inconsciente coletivo dos brasileiros. Mesmo os de esquerda.
Teima-se em repetir 2002, quando Lula se aliou a Sarney, Collor e Maluf para se tornar viável nas urnas.
Apenas muda-se o contexto.
Antes era o baixo-clero, pois até Bolsonaro, Roberto Jefferson, Eduardo Cunha e Marco Feliciano eram de partidos aliados do governo Lula.
Hoje são as elites neoliberais, incluindo o tucanato clássico, aparentemente descontente em ver o PSDB se transformar no clube partidário de João Dória Jr..
Lula se esquece que, numa aliança de esquerda com gente de fora, se deve levar em conta não o direitista que reage efusivamente ao assédio de esquerda e fica fingindo que é esquerdista também, às custas de promessas de paz mundial ou de pagar a "rodada de chope da galera".
Também não pode ser o antigo golpista que, por estar descontente com Bolsonaro - e bem menos descontente do que se imagina, porque no fundo está feliz com Paulo Guedes - , supostamente seria capaz de apoiar Lula.
O não-esquerdista que deve ser chamado para apoiar Lula deveria ser o meio-termo, alguém com alguma consciência crítica e menos grau de oportunismo, uma pessoa que poderia realmente estabelecer um diálogo e ter interesses realmente comuns.
Lula está fazendo acordos com quem não tem interesses afins, porque sabemos que em boa parte os acordos estão sendo feitos com os golpistas de cinco anos atrás, que em 2018 ficaram felizes em ver Lula sendo levado para a prisão.
Não se sabe como foi o acordo que Lula teve quando conversou com Fernando Henrique Cardoso e com Tasso Jereissati, dois gurus do neoliberalismo mais histérico, lambedores das gravatas e dos sapatos de couro dos donos de poder dos EUA.
Sobre o que Lula falou com FHC e Jereissati? Só sobre "democracia"?
Não. Claro que não. E quem pensa que foi Lula que se impôs a cada um dos outros, se engana.
Foi FHC e Jereissati que impuseram acordo para Lula, pedindo para ele "podar" o seu programa de governo.
Com as alianças políticas, econômicas e religiosas que Lula está fazendo cegamente, sem discernir quem realmente vale a pena fora da "bolha esquerdista", teme-se que o petista é que faça um governo de "terceira via", pior até do que faria um terceiro-viável.
Lula não terá liberdade de ação. Ele governará castrado pelas alianças que fez a torto e a direito (ou direita), terá que evitar certas propostas e ações, além de dar um ministério ao neoliberal que decidiu, sob condições, apoiá-lo.
Neste sentido, a terceira via tem uma vantagem. Terá liberdade de ação, e vai aproveitar da ênfase das esquerdas para o identitarismo para tirar delas as pautas trabalhistas e agir, mesmo com limites que lhes são próprios, para avançar nos programas sociais.
E por que Lula não terá condições de fazer o melhor de todos os seus governos?
Três motivos confirmam essa tese que as esquerdas não querem admitir.
Primeiro, o Brasil está arrasado, pois Jair Bolsonaro destruiu o país com seu desgoverno marcado por bravatas e ameaças.
A Amazônia e o Pantanal arderam em chamas. O descaso com a Covid-19 fez morrerem quase 600 mil pessoas. Índios e negros estão sendo dizimados como bonecos pelo tiro-ao-alvo.
O setor da cultura sofre descaso. Já perdemos, sob Temer, um grande acervo do Museu Nacional destruído pelas chamas. Perdemos também muita coisa na Cinemateca, da mesma forma.
E isso para não dizer os conhecidos índices de violência urbana e rural, de desemprego, da venda de nossas riquezas para os estrangeiros, do dinheiro que as elites financeiras abocanham dos brasileiros e que vão para contas de paraísos fiscais, das privatizações que deixam o Estado anoréxico.
A Petrobras não é mais um quarto do que havia sido. Vamos perder os Correios e a Eletrobras.O ensino privado já concorre de forma predatória com a Educação pública, e isso se reflete na formação sócio-cultural deficitária dos jovens e adultos de hoje.
Como é que Lula vai reverter isso em quatro anos? Mesmo com toda sua competência, ele enfrentará dificuldades acima de suas capacidades de resolvê-las.
Este é o primeiro motivo: dificuldades de lidar com um Brasil arrasado.
Os dois outros motivos se referem às alianças que irão cobrar de Lula para que ele evite "ousadias" e mantenha um programa de governo dentro dos limites aceitos pelo neoliberalismo, com apenas alguns acenos sociais paliativos (como o Auxílio Emergencial, que será "permanente").
Não é de graça que as forças que ajudaram a prender Lula passaram a apoiá-lo na aliança "pela democracia".
Por outro lado (o terceiro motivo) é que o antipetismo voltou com força, fora do mundo encantado das redes sociais.
Toda vez que ando pelas ruas, o que eu mais vejo é gente disparando aqueles conhecidos comentários hidrófobos contra o petista. Gente fazendo isso em alto volume, tentando contaminar as demais pessoas com esse manifesto de horror.
Quase não vejo pessoas elogiando Lula. E, pasmem, as classes trabalhadoras, em boa parte, se sentem traídas por Lula, tudo por culpa da ênfase num culturalismo identitarista da bregalização que, em boa parte, sabotou o projeto progressista de 2003-2016.
E aí vieram, dos porões do PSDB, os intelectuais "bacanas" (ver Esses Intelectuais Pertinentes...), que, sob a desculpa de "combater o preconceito", fizeram o Brasil ficar culturalmente idiotizado, abrindo caminho para os golpes de Temer e Bolsonaro.
O resultado? Os pobres se sentiram traídos por um discurso de "pobreza linda" que a mídia esquerdista (Caros Amigos, Carta Capital, Fórum) importaram da Rede Globo e da Folha de São Paulo.
Veio a figura aberrante do "pobre de direita", que achou que Lula defendia a bregalização cultural como forma de fazer as classes populares virarem uma multidão de idiotas.
E aí veio um antipetismo onde ninguém imaginava: nos trabalhadores urbanos que, sem ver um grande benefício trazido por um ex-operário, que apenas implantou progressos incipientes para o país, resolveram defender a direita política.
Lula governará sob marcação cerrada, bem pior do que a que Getúlio Vargas experimentou entre 1951 e 1954. Naquela época, era só um Carlos Lacerda o porta-voz mais reacionário. Hoje será uma quantidade bem maior.
Por isso, o governo Lula, se realmente ocorrer em 2023, será marcado por dificuldades extremas e de solução ainda mais complicada, de forma que o Brasil está mais próximo de viver uma fase ruim do que "a melhor fase de toda sua História".
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