Como se dá a narrativa do "Lula Fortão" diante dos equívocos que ele cometeu nos últimos meses?
Sabe-se, neste blogue, que Lula cometeu dois maiores erros.
Um é subestimar a gravidade do momento atual do nosso Brasil, sob risco de uma tragédia distópica. Com isso,o discurso de Lula parece mais de alguém comandando uma festa do que um homem consciente das dificuldades pesadíssimas que nosso país terá que enfrentar.
Outro erro é sua falta de critério para atrair para si alianças políticas necessárias para combater Jair Bolsonaro. Essa falta de critério, consagrada com a escolha de Geraldo Alckmin para vice-presidente, é uma séria ameaça para a integridade do projeto de governo de Lula.
Dito isso, vemos, no entanto, que as esquerdas médias, o mainstream das esquerdas brasileiras, existe uma euforia que sugere que o "Lula Fortão está vindo aí, consagrar a retomada progressista na América Latina".
Mas como se dá essa euforia? Que imaginário sustenta o mito do "Lula Fortão", do cara que "está com tesão para governar o Brasil"?
A narrativa montada, portanto, seja do lado das esquerdas médias, seja do lado da mídia corporativa, que agora passou a apoiar o Lula que tanto hostilizaram - repetindo o que fizeram com João Goulart em 1961 - , cria uma retórica organizada que nos faz crer que o petista está em alta.
Essa narrativa surgiu quando dois fatos menores acabaram sendo supervalorizados e mal interpretados.
Um é a anulação do Supremo Tribunal Federal das acusações da Operação Lava Jato contra Lula.
O STF, instância máxima do Poder Judiciário estava apenas combatendo o arrivismo da OLJ, sobretudo de um juiz de expressão menor (Sérgio Moro) e procuradores do Ministério Público.
Esse combate se deu por dois motivos: evitar que a Lava Jato se ache mais suprema que o Supremo, e frear qualquer chance de protagonismo político por parte dos lavajatistas.
Outro fato são as pesquisas de intenção de voto, que não deveriam ser levadas muito a sério mas são supervalorizadas pela mídia progressista, cujos analistas pensam que os institutos de pesquisas exercem precisão cirúrgica nos dados divulgados.
No primeiro caso, as esquerdas e Lula agiram como o nerd da escola. Viram o STF e a Lava Jato brigarem e o Supremo anulando acusações e sentenças dos lavajatistas, e Lula achou que o órgão máximo do Poder Judiciário estava apaixonado por ele.
No segundo caso, pesquisas que supostamente entrevistaram apenas duas mil pessoas foram tão superestimadas que passaram a ser vistas como "bússolas eleitorais", pretensamente prenunciando a vitória precipitada de Lula numa campanha presidencial que nem começou.
Com isso, o cenário político brasileiro se equiparou a uma comédia juvenil, quando um mal-entendido passa a glorificar o protagonista de uma ilusão social.
E aí vemos Lula como o "invencível", a ponto das esquerdas médias, arrogantes, esnobarem quem se opusesse ao petista.
STF libera Lula de acusações, mais por uma treta com a Lava Jato do que por amores ao petista, e as esquerdas médias ficam festejando a "liberdade de Lula", agora "pronto para se candidatar à Presidência da República".
As pesquisas, mesmo de órgãos neoliberais como o XP e o Datafolha, ao destacarem o suposto favoritismo eleitoral de Lula, fazem as esquerdas médias imaginarem que Lula "está ganhando todas".
E aí Lula viaja, discursa em ambientes amigos em alguns países europeus, é ovacionado pelos seus amigos, simpatizantes e admiradores, e as esquerdas médias acham que Lula é o "grande líder mundial" que se impôs ao mundo, logo "ele tem que ser presidente da República de qualquer maneira".
E agora Lula se alia a Geraldo Alckmin e passa a ser visto com aparente simpatia pela mídia corporativa não-bolsonarista, e as esquerdas médias acham que essa turma de neoliberais se rendeu ao petista.
No caso de Alckmin, reina a narrativa da "coalizão", ou seja, do "acordo, união e diálogo" tidos como "necessários para a democracia", e que "não afetam" a essência do programa de governo de Lula.
Sob este raciocínio, Alckmin seria apenas um "vice-presidente decorativo", que entenderia a urgência do projeto político de Lula e não interferiria sequer nos pontos mais ousados do programa petista.
Sabemos que isso é enganoso, pois quem conhece Alckmin sabe que ele é terrivelmente neoliberal e representa uma ameaça ao projeto político de Lula.
Mas as esquerdas médias, ou mesmo muita gente boa de esquerda, se ilude e pensa que Alckmin não interferirá, tal como o escorpião que promete "não picar o sapo (barbudo?)".
Tudo isso cria uma narrativa que, artificialmente, agiganta o Lula, num contexto que, em verdade, está desfavorável à atuação das esquerdas no Brasil.
O golpe político de 2016 não foi um espirro dado pelos neoliberais, os retrocessos estão em andamento e o legado do cancelamento de direitos trabalhistas e de venda das riquezas nacionais para estrangeiros continuam ocorrendo.
O bolsonarismo não é o segundo governo Fernando Henrique Cardoso. A Covid-19 não é a tragédia da Plataforma P-36 da Petrobras, porque esta matou 11 pessoas, a pandemia matou mais de 600 mil.
A crise em dimensões distópicas do nosso país - que só não atinge, pelo jeito, a classe média retardada que sonha com um "Brasil-Instagram" e acha que de 2016 para cá tudo virou uma maravilha - não é uma marolinha, é algo extremamente grave que deveria ser encarado com cautela.
Não estamos numa festa. Demoraremos para "sermos felizes de novo". O Brasil está culturalmente devastado. Tivemos convulsões sociais que fizeram o Brasil viver uma guerra civil em doses homeopáticas, de fratricídios e feminicídios até o extermínio de negros e indígenas.
As esquerdas criaram ou ajudaram a criar uma narrativa de pura ilusão. De um Lula que "ganha todas", é "todo-poderoso", "invencível" e "infalível", contra o qual ninguém tem condições de agir.
Não que o Lula não tivesse virtudes nem competência, mas o Brasil de hoje é um fardo muito pesado para um senhor de 76 anos, que terá entre 77 e 81 anos no período entre a eleição de 2022 e o término do que pretende ser o terceiro mandato.
As cobranças serão em níveis estratosféricos, infinitamente mais pesadas do que as que Getúlio Vargas enfrentou no seu segundo mandato. Lembremos que Getúlio não aguentou as pressões e se matou em 1954, e tinha 71 anos.
Isso é um grande alerta para um Lula que pensa ter "o pique de um jovem" para governar o Brasil.
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