SERÁ QUE ESTÃO LENDO A VERSÃO EBOOK DE ESSES INTELECTUAIS PERTINENTES...?
Pelo menos as ficções distópicas já estão se tornando menos distantes dos brasileiros.
Até pouco tempo atrás, catástrofes distópicas eram coisas privativas da vulcânica Islândia, dos países eslavos e da Coreia do Sul.
Agora, a catástrofe distópica chega aos EUA através de um dos mais recentes sucessos cinematográficos do momento, o filme Não Olhe Para Cima (Don't Look Up) é uma sátira política contra o negacionismo que é de arrepiar e que foi lançada no canal de streaming Netflix.
O enredo mostra dois cientistas de escalão menos expressivo, interpretados por Leonardo di Caprio e Jennifer Lawrence, que descobrem que um asteroide está a caminho da Terra e irá destruí-la.
No entanto, os cientistas não são levados a sério e a sociedade não acredita em tal catástrofe, mesmo quando a dupla peregrina pelos meios de comunicação para divulgar o triste presságio.
Os brasileiros embarcaram no sucesso do filme, mas parecem indiferentes à realidade. Afinal, distopia só empolga quando é lá fora.
A tragédia só ocorre na Polônia, na Islândia, na Coreia do Sul, no Japão, nos EUA ou, quando muito, no México ou América Central.
Distopia no Brasil é fantasia. Nossa "realidade" é viver o sonho mais dourado, curtir o país tropical que é a sucursal do Paraíso na Terra, onde a cultura vive um "ótimo momento" porque existem "muitas vozes e muitas narrativas", embora quantidade nem sempre seja o mesmo que qualidade.
Daí que sinto o negacionismo com que parte da chamada opinião pública reage ao meu livro Esses Intelectuais Pertinentes..., que me fez viver meus momentos de Dr. Randall Mindy, sem ser levado a sério ao revelar um processo de deterioração cultural que abriu caminho para Bolsonaro.
O problema é que não tenho uma Kate Dbiasky para chamar de minha, seja como pupila ou algo mais que isso.
Até porque o filme tem muita mulher casada, de Jennifer Lawrence a Meryl Streep, passando por Melanie Lynskey, Cate Blanchett e até Ariana Grande!
Um baita puxão de orelhas para certas brasileiras "espiritualizadas", incluindo algumas famosas.
Estas brasileiras estranhamente bonitas, namoradeiras ou casadonas no passado, bastavam se vincular de algum modo a um "médium espírita" para, num passe de mágica, virarem celibatárias a transformar seu Instagram em insossos álbuns de viagens ou de misticismo e positividade tóxica.
E isso quando é fácil essas mulheres arrumarem namorados ou maridos, pois elas convivem com amigas em tais condições. Mas basta citar ou fazer algo favorável a um "médium" para tais mulheres serem entregues a uma estranha solteirice sem contexto nem motivação real.
Mas isso é só um aspecto no culturalismo brasileiro cada vez mais devastado e decadente.
Só que não posso dizer isso. Tenho que passar o pano e achar que o Brasil, apesar do golpe de 2016, dos incêndios na Amazônia e no Museu Nacional, da imbecilização cultural da bregalização, do bolsonarismo e outros desastres, sempre viveu "o melhor de todos os melhores momentos".
Que o Brasil-Instagram se imponha à realidade e, em termos de mercado literário, que se fique com obras que anestesiam o cérebro, sem compromisso com o Saber, num tempo em que ter senso crítico no Brasil é um tabu rejeitado com muita arrogância.
Esses Intelectuais Pertinentes..., espécie de Não Olhe Para Cima literário e inspirado em abordagens que vão de José Ramos Tinhorão a Noam Chomsky e de Jessé Souza a Umberto Eco, fala de um processo de intelectuais para degradar culturalmente o Brasil.
Essa degradação, mascarada pelo discurso do "combate ao preconceito" a supostas formas de expressão popular, tinha como objetivo rebaixar o povo pobre a uma caricatura de si mesmo, como se a vida real fosse um cruzamento de novela das nove da Rede Globo com A Praça é Nossa.
Não estou dando espóiler e menciono em cada capítulo cada intelectual envolvido na empreitada. E dou "voz" a eles, porque eu menciono frases e ideias trazidas por eles mesmos. Até os ataques de um Eugênio Raggi contra mim, eu publiquei na íntegra.
Mas a obra não faz sucesso por conta desse negacionismo social que contamina não somente os bolsomínions, mas também muita gente de esquerda e mais gente ainda "nem de esquerda, nem de direita".
Como Esses Intelectuais Pertinentes... não fala de mares de rosas banhando o paradisíaco litoral tropical brasileiro nem descreve as favelas como um "eterno carnaval movido de festa e felicidade", o livro é boicotado e ainda é "resenhado" por pretensos "intelectuais de Internet".
Gente que nunca leu um livro e que é formada em PhD em Tudologia na Universidade Araripe Dante, acha que pode transformar 312 páginas que nunca teve coragem em ler em pseudo-análises sempre com aquele refrão irritante: "Eu até concordo com certos pontos do livro, mas...".
Certos pontos? Quais, entre aqueles que não foram lidos?
Aqui um Pierre Bourdieu, Noam Chomsky ou Umberto Eco não têm vez. Aqui, intelectual mesmo é o intelectual-coitadinho tipo Paulo César de Araújo, que inventou as fake news de que os ídolos cafonas faziam "música de protesto".
Li as letras de Odair José e conclui que se trata de puro bubblegum, coisa de fazer a Família Do-Ré-Mi parecer Black Sabbath.
Mas pra que discutir com intelectual pró-brega?
Nossa opinião pública se rende a um padrão de visão retardatário, próprio de valentões da Internet, ver que no Brasil o "idiota da aldeia" há muito reivindica o Prêmio Nobel de qualquer categoria, mesmo promovendo sessões de linchamento moral contra quem concordasse com ele.
E isso contamina até os colegiados de pós-graduação, transformando o Brasil num país imbecilizado e culturalmente debilitado, que primeiro quis eleger Jair Bolsonaro na marra e agora quer que um Lula domesticado seja eleito ao arrepio de contextos e condições desfavoráveis.
As pessoas vão para a televisão ligar a Netflix e se arrepiar com o risco ficcional de um asteroide destruir a Terra, ainda que o "mundo" seja apenas os Estados Unidos da América.
Depois que o filme termina, é hora de voltar para o Brasil-Instagram da positividade tóxica e para a trilha sonora popularesca num cenário de devastação musical tão grande que canastrões como Chitãozinho & Xororó, Michael Sullivan e Alexandre Pires agora são a "salvação da humanidade".
E, com isso, mantém-se a arrogância brasileira do negacionismo ao senso crítico, tudo em favor de uma positividade tóxica dominante desde 2016. Até que o asteroide da realidade atinja gravemente o nosso país.
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