Numa semana em que duas empresas, a rede de farmácias Ultrafarma e a rede de lojas de eletrodomésticos Fast Shop, estão sendo investigadas por um possível esquema de corrupção envolvendo auditores-fiscais da Receita Federal, causando a prisão dos respectivos chefes, o empresário Sidney Oliveira, da primeira, e Márcio Otávio Gomes, diretor estatutário da segunda, uma denúncia de um influenciador causou a crise do universo abusivo existente no setor.
O comediante e influenciador digital paranaense Felipe Bressamin Pereira, o Felca, divulgou um vídeo em 06 de agosto último denunciando um canal de outro influenciador, o também cantor de brega-funk paraibano, Hytalo Santos, que mostrava uma suposta rotina, nos moldes de um reality show, com adolescentes que viviam na mansão do youtuber nordestino.
Hytalo é acusado de assediar menores de idade e, entre as denúncias, havia o de uma menor, Kamylinha, que foi engravidada aos 17 anos pelo irmão do influenciador, Hyago Santos. O bebê de Kamyinha morreu durante a gravidez.
Outra denúncia mostra uma encenação de um pedido de namoro entre os menores, envolvendo uma garota retratada como a que "ainda não completou 18 anos de idade". Um detalhe é que Hytalo chamava os menores que conviviam com ele de "filhas" e "genros". Hytalo havia também sido alvo de investigação, no fim de 2024, depois que uma denúncia anônima acusou o influenciador de explorar menores de idade.
Felca também denunciou outros influenciadores que expuseram menores em situações inadequadas para a infância e adolescência. As mães das adolescentes Bel Peres (protagonista do canal Bel para Meninas) e Caroliny Dreher também são acusadas de explorá-las desde quando crianças (atualmente Bel é maior de idade).
As denúncias expressam o fenômeno da "adultização", que é a exposição de crianças e adolescentes em situações análogas a de adultos, incluindo poses sexualizadas. Denúncias similares foram feitas pelo jornal The Times no Reino Unido, em 2018, acusando 100 youtubers de abusarem de menores.
O youtuber canadense Matt Watson, do canal MattsWhatItIs, também denunciou, em vídeo de 2019, casos de pedofilia através de cenas triviais filmadas que envolviam crianças. Há casos de vídeos brasileiros. A denúncia, de vinte minutos, relatava que alguns vídeos recebiam publicidade automática e eram monetizados por número de visualizações.
Por ironia, eu, quando eu tinha 16 e 17 anos (sim, isso mesmo), em 1987 e 1988, eu analisava o fenômeno do Xou da Xuxa e definia o tratamento dado aos "baixinhos" como "adolescentismo", antecipando a adolescência ainda na tenra infância. Mais tarde, como estudante de Jornalismo, já nos anos 1990, eu pude confirmar isso lendo textos de intelectuais renomados relatando que o mesmo programa apresentado por Xuxa Meneghel estimulava as crianças à erotização e ao consumismo.
Mas tudo isso é fichinha diante do que havia no fenômeno do É O Tchan, hoje objeto de um tendencioso saudosismo explorado pela mídia empresarial. O grupo baiano de "pagodão", conhecido por uma letra que fazia apologia ao estupro, "Segura o Tchan", é marcado pela positividade tóxica da "alegria" transformada em mercadoria de consumo, praxe muito comum na axé-music.
O É O Tchan também sinalizava apologia à erotização juvenil, a ponto do Programa Raul Gil ter feito um concurso com meninas ainda crianças imitando o rebolado de Carla Perez. O apelo de cores alegres da estética visual do É O Tchan servia de isca para atrair o público infantil, enquanto o grupo também glamourizava a imagem da mulher-objeto representada pelas dançarinas.
Para piorar ainda mais as coisas, eu pude ver, durante uma caminhada de sábado na Boca do Rio, em Salvador, um desfile de crianças promovido por uma instituição "espírita" (sim, é isso mesmo que vocês estão lendo), com um carro de som tocando os sucessos do É O Tchan.
Intelectuais que defenderam a cultura brega-popularesca sob a desculpa de "combater o preconceito" também defendiam a sexualização de menores, seja nas festas de "pagodão" em Salvador ou nos "bailes funk" do Rio de Janeiro, como "iniciação sexual das jovens das periferias", chegando a fazer alegações ao mesmo tempo hipócritas e tendenciosas, como dizer que "elas não precisam de Simone de Beauvoir para aprender sobre sexo".
O governo Lula, ao ver a repercussão do caso, anunciou que pretende regulamentar as big techs para evitar a continuidade da sexualização de menores e de outros abusos ocorridos nas redes sociais.

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