1989. Um cantor de alguma tendência brega-popularesca se chega a um produtor e diz:
- Moço, eu não sei compor direito, só tenho esses rascunhos aqui. E canto muito desafinado. Tenho alguma chance de sucesso?
O produtor, tendo simpatia com o cara, diz:
- Tem, sim, e você irá muito longe, e nem precisa de muito esforço. Só precisa de uns pequenos ajustes, e dentro de duas décadas você será um gênio!
- Preciso aprender a fazer música, cantar melhor, tudo o mais?
- Mais ou menos. Só alguns macetes, tipo calouro de TV. Mas você terá arranjadores fazendo tudo por você, vão até recompor essas músicas.
- Mas eu vou continuar fazendo sucesso, moço?
- Sim. Talvez nem precise muita música. Você cria uns factoides e seu sucesso se sustenta por mais de vinte anos. Pelos poucos sucessos musicais, você vira um gênio, vai ter todo mundo elogiando você.
Este relato fictício ilustra bem o que são os ídolos brega-popularescos dos anos 1990 hoje.
Eles eram o símbolo das baixarias musicais do quadriênio 1989-1992, no cenário brasileiro.
Passado o tempo depois daquela pregação de intelectuais "bacanas" de que se deve "combater o preconceito" e aceitar a decadência da música brasileira, o resultado está aí.
Os ídolos brega-popularescos que simbolizaram as baixarias de 25 anos atrás agora são considerados "gênios".
Verdadeiras piadas musicais, agora Raça Negra e Molejo são agora tratados como "de alta qualidade".
O UOL, portal da Folha de São Paulo, até enumerou músicas de rock e MPB que "saíram melhor" (sic) na versão do Raça Negra.
Tudo agora é "genial": de cantores de "pagode romântico" a MCs do "funk carioca", agora "de raiz".
Seus sucessos agora viraram "clássicos".
No "sertanejo", a canastrice dos anos 90 é tratada como se fosse a "tendência mais sofisticada" da MPB.
Recentemente, dois eventos tentavam lembrar dos "clássicos" do "sertanejo" dos anos 90.
Fátima Bernardes, em seu programa, cantou "Evidências" com a cafoníssima dupla Chitãozinho & Xororó.
Juliana Paes e Paolla Oliveira cantaram "Não Olhe Assim", sucesso de Leandro & Leonardo, quando estavam no camarim, no intervalo de gravações de uma novela.
As músicas eram lembradas em momentos de descontração, mas no caso das atrizes, não parece haver uma pinta de ironia nas interpretações.
Numa época em que até Fernando Collor e Guilherme de Pádua reivindicam o tratamento da sociedade equiparado a de um Nobel da Paz, toda mediocridade parece ter virado ouro.
Duas décadas e meia fizeram com que a mediocridade daquela época, sem ter feito um passo significativo de evolução, ganhasse o status de "relíquia revolucionária".
Os critérios de por que a mediocridade dos anos 90 se tornaram "geniais" são duvidosos.
Suspeita-se de uma assimilação tardia do kitsch e do politicamente correto que vigoraram nos EUA dos anos 80.
Juntos, kitsch e politicamente correto formataram o pensamento intelectual que tratava a caricatural bregalização cultural como se fosse "cultura popular autêntica e de qualidade".
Músicas que surgem de escritórios de gravadoras podem entrar "facim, facim" na antologia musical dos povos das comunidades periféricas, por uma simples questão de alcance de público.
Lotou plateia, virou "gênio".
Fez sucesso por duas décadas, virou "clássico".
De vez em quando pode virar alvo de uma "guevarização" generosa, se tornando um contraponto para aquele "chato" da "velha, ultrapassada e cansativa" MPB.
De repente alguém tenta fazer "revolução cubana" com um "didididiê".
Que doce vida ser medíocre e virar "gênio" sem muito esforço.
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